Yure Cézar de Moura
Almeida
(Filósofo)
Resumo.
Este
trabalho visa a explicação do que é a retórica, como se dá essa
prática e quais as características do retórico do Período
Helênico e do Período Helenístico, tendo como base o diálogo
Górgias, de Platão, e o segmento Contra os Retóricos, parte da
obra Contra os Professores, de Sexto Empírico. A retórica não deve
ser chamada de arte, antes sendo uma ferramenta de persuasão que
trabalha principalmente com a adulação do ouvinte, isto é, o apelo
às suas emoções e sentimentos, para torná-lo mais receptivo a uma
determinada ideia. Alguém procura a retórica como meio de vida
muito provavelmente por falta de atributos necessários para uma
persuasão justa e genuinamente convincente. Ele está constantemente
metido em desventuras e seu trabalho talvez não compense os riscos
que ele corre. A prática retórica dá-se em dois momentos: a
construção do discurso e a aplicação do discurso sobre um
determinado público.
Palavras-chave:
Górgias, retóricos, retórica, filosofia.
Introdução.
Este
trabalho visa uma breve explicação da visão filosófica sobre a
retórica no Período Helênico e no Helenístico, tendo como bases o
diálogo Górgias, de Platão, e o segmento Contra os
Retóricos, da obra Contra os Professores, de Sexto Empírico.
Três
perguntas foram elaboradas para orientar nosso pensamento e as
responderemos uma de cada vez. O que é a retórica? Quem pratica a
retórica? Como se dá sua prática?
Na
primeira parte, pensamos sobre a definição de retórica e avaliamos
se ela deve ou não ser chamada “arte do discurso”, como
comumente é definida. No segundo segmento, expomos as
características de um retórico regular, que habilidades ele deve
ter. E por último, analisamos a retórica em seus dois momentos: a
criação e a aplicação do discurso.
Que é isto, a retórica?
Sócrates — Dizes bem. Então, responde-me da mesma forma a respeito da retórica: qual é o objeto particular do seu conhecimento?
Górgias — Os discursos. 1
Do
ponto de vista do senso comum, a retórica seria a “arte do bem
falar”, aquela técnica empregada pelos oradores para entreter,
convencer ou manter a atenção de uma plateia. Seria usada
principalmente pelos políticos, pelos apresentadores, jornalistas,
pelos padres, pastores e outros indivíduos que trabalham com o
discurso.
Ao longo da história, a retórica já foi redefinida várias vezes, seja como “ciência do bom discurso”2 ou “arte do discurso”.3 Mas Sexto Empírico argumenta que a retórica não pode ser arte na medida em que não é um sistema de apreensões exercidas em conjunto visando a utilidade pública ou privada.4 Nem tampouco é uma técnica (ou ciência), porque não se baseia em fundações sólidas, mas apenas em métodos de ação que podem ser usados para este ou aquele caso (convencer este ou aquele público, incitar esta ou aquela emoção).5 Por seu caráter unicamente prático, sem uma teoria unificada, Aristóteles poderia desconsiderá-la como arte, já que ele vê arte (no primeiro livro da Metafísica, no passo 981a, linhas 1 a 10) como uma teoria geral abstraída de casos particulares. Aliás, ainda de acordo com Sexto, a retórica não raro falha em alcançar seu objetivo que será discutido em breve, logo não deveria ser considerada técnica também por isso, porque técnicas, por definição, não deveriam falhar na maioria das vezes em que são empregadas.
Sexto Empírico. Fonte: Internet.
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Sexto Empírico discorda da definição de retórica como arte também porque artes tendem a ser ensinadas por professores para que os alunos as pratiquem com perfeição. Mas se observa que a retórica pode ser aprendida sem necessidade de professor e pode ser exercida por pessoas sem conhecimento formal dos lances retóricos.6
Em Contra os Retóricos, Sexto Empírico diz que Platão já havia definido a retórica como sendo pautada na persuasão lógica. A retórica é criadora da persuasão por meio das palavras, tendo sua eficácia nas próprias palavras, sendo persuasiva, e não instrutiva.7 Essa definição está no diálogo Górgias, de Platão. A retórica é definida pelo personagem Górgias como a ciência do discurso em si, não dos discursos específicos. Por exemplo, o médico trata do discurso médico, isto é, do discurso que diz respeito a sua prática, mas isso não o tornaria um retórico, segundo o parecer inicial de Górgias. A retórica usa seus discursos principalmente nos “negócios humanos”.8 A retórica então trabalharia também com a justiça. A arma usada pela retórica para interferir com a justiça é a persuasão, isto é, a manipulação e a dominação.9
Sócrates, no diálogo, argumenta que, enquanto que a retórica procura persuadir uma pessoa usando um discurso bem feito, as outras disciplinas convencem por outra via: a do conhecimento. Persuadir pelo conhecimento é apelar para a razão do receptor do discurso, para que ele veja as coisas e constate que são daquela forma. O retórico, por vezes, discorre também sobre outros assuntos que não tem a ver com a justiça, porque pode ter sido contratado para isso. Mas aí surge um problema: a retórica enquanto estudo do discurso em si voltado para os negócios humanos, como admitido nas primeiras etapas do diálogo, não deveria discorrer sobre assuntos que na verdade não conhece, como medicina ou ginástica. Como pode o retórico discorrer sobre o que não conhece a fundo?
Também no diálogo, Sócrates mostra que há também a persuasão pela crença.10 Um retórico chamado para persuadir um grupo de médicos sobre algo claramente errado estaria em graves apuros. Porém, é possível para o retórico alcançar tal meta em meio a ignorantes, que, tal como ele, não conhecem bem a medicina. É assim que um retórico pode discorrer sobre o que não conhece: aproveitando-se da ignorância dos outros. Um discurso bem elaborado proferido aos ignorantes pode facilmente convencê-los de algo que não é verdade, isto é, incitar neles uma crença. Isso significa que a retórica tem poder apenas sobre os ignorantes aos quais, sem conhecimento, só resta crer.11
Além disso, existem outros meios de persuadir alguém sem recorrer ao conhecimento. Por exemplo, através do prestígio, da riqueza, da beleza corporal, que levam os outros a julgar de uma vez aquela pessoa, levantando uma crença sobre o valor dela.12
Plenum do STJ. |
Um ponto tocado frequentemente no diálogo é o uso da retórica como meio de defesa nos tribunais, com o retórico se pondo no papel de advogado de defesa.13 A retórica, segundo Górgias, se ocupa da justiça também, já que ela está presente nesses ambientes, mas nem sempre é assim. A retórica pode ser usada para livrar alguém de um castigo que lhe deveria ser justo, portanto privando a alma de uma necessária purificação. Conforme a prática fica mais frequente, o indivíduo que é constantemente livrado dos castigos da justiça torna-se injusto. Se a retórica está comprometida com a justiça, ela não deveria ser usada dessa forma, pois fomenta o comportamento injusto ao manter a pessoa injusta impune. Por causa dessa contradição, a definição de retórica dada por Górgias é problemática. Afinal, ela não se ocupa dos “negócios humanos” na medida em que isso coincide com a “trabalhar para a justiça”. Para trabalhar para a justiça, você deve ser justo e, para ser justo, precisa praticar a justiça constantemente, logo a retórica, se fosse justa, não seria usada em defesa de facínoras.
Sexto Empírico reforça esse ponto mais tarde ao dizer que a retórica, não raro, faz uso de discursos que se contradizem conforme progridem, se necessário, desde que o retórico seja capaz de fazer isso passar despercebido. Só que a justiça não tem espaço para discurso contraditório.14 A razão pela qual se pode confundir retórica e justiça é que ambas se dão nas coisas públicas. Como a retórica se volta ao público que se mostra ignorante em um determinado assunto, que invariavelmente compõe a maioria das pessoas de um grande contingente, agravado pelo fato de que a Grécia Antiga funcionava pela democracia direta, a maioria era constantemente iludida pelas habilidades dos retóricos, terminando a discussão com a sensação de que tinham feito aquilo que era melhor.
Sócrates, no decorrer do diálogo Górgias, sugere que a retórica não é arte nem técnica, porque está comprometida com a adulação, que é o apelo às emoções, em vez de apelar para a razão.15 Para ser considerada arte, ela teria de ter um fim específico e uma utilidade pública. Sexto Empírico vai mais além ao dizer mortalmente que a retórica não tem nenhum fim, nem implícito, nem claro,16 exceto o fim almejado por aquele que contratou o retórico.17
Mas isso não desqualifica completamente a retórica como algo que possa ser usado como ferramenta por alguém que se mostra comprometido com a justiça ou, pelo menos, com a formação do ouvinte (como os sofistas).18 Só que isso tornou-se raro com o passar do tempo, a ponto de não poder ser mais posto em evidência, como diz Sexto Empírico:
[…] tendo em vista que um homem sábio nunca é, ou raramente é encontrado, deve se seguir que a retórica em uso entre os sábios seja da mesma forma completamente inexistente ou rara.19
Levando
essas coisas em consideração, pode-se dizer que a definição de
retórica dada por Platão e por Sexto Empírico pode ser sintetizada
como “estudo da argumentação apropriada visando um fim variável”,
esse fim sendo o fim perseguido por aquele que contratou o retórico.
O retórico.
Sócrates — Quer me parecer, Górgias, que explicaste suficientemente o em que consiste para ti a arte da retórica. Se bem te compreendi, afirmaste ser a retórica a mestra da persuasão, e que todo o seu esforço e exclusiva finalidade visa apenas a esse objetivo. Ou tens mais alguma coisa a acrescentar sobre o poder da retórica, além de levar a persuasão à alma dos ouvintes? 20
Platão e
Aristóteles. Vaticano.
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Como
o retórico quer persuadir os outros e, como explicitado na reflexão
sobre a natureza da retórica, existem vários modos de persuadir sem
recorrer ao discurso da adulação, o retórico provavelmente o é
porque não pode persuadir de outras formas que não o discurso
retórico.22
Pode-se persuadir pela beleza física, pelo dinheiro, pelo prestígio
e pelo discurso do conhecimento. A busca pela retórica não raro
implica uma ausência desses atributos. O retórico provavelmente é
feio, pobre, desconhecido e incipiente. Ele provavelmente
procurou a retórica como uma forma de defesa e como forma de fazer
dinheiro e fama fáceis. E sua arena, no Período Helenístico,
seriam os tribunais.
Observe contudo, que não se procurava a retórica para aprender a falar bem; ela não ensina isso.23 Ela não ensina a se expressar de maneira simples, porque, ao se expressar de maneira simples, se gera clareza e, quando se há clareza, há pouco ou nenhum espaço para controle. É necessário ser confuso, falar muito, ser complexo e ambíguo, especialmente se você não conhece o assunto de que fala, porque sua ignorância pode ser melhor escondida dessa forma.24
Mas a retórica, nos tempos de Sexto Empírico, estava ficando gasta e as pessoas já estavam ficando cansadas desses jogos de palavras e sutilezas. Persuadir com a retórica não estava mais dando tão certo.25 A retórica confundia nações inteiras, os retóricos eram vistos quase que como pestes. As pessoas comuns ativamente evitavam se comunicar de formas mesmo que remotamente parecidas com retórica, como se ser chamado de retórico fosse algum tipo de insulto. Elas procuravam se comunicar da forma mais enxuta e clara possível.26
O pobre retórico helenístico era uma criatura digna de pena, não raro se via em apuros e talvez ele tivesse que esconder quem ele realmente era tanto quanto fosse possível, porque seu ofício era perigoso e odiado. Nas palavras de Sexto Empírico:
[…] é necessário ir constantemente à assembleias e cartórios, quer se queira ou não, e passar muito tempo junto de tratantes, suspeitos e traidores, descendo aos mesmos lugares que estes, além de fazê-lo, em segundo lugar, desprovido de honra, para não ser desprezado pela opinião desses inescrupulosos. Além disso, deve também discursar com audácia e postar-se de modo contundente, como uma lança, para que seja terrível aos olhos dos oponentes, assim como falacioso e trapaceiro quando está entre os que praticam as piores ações, tais como adultérios, roubos e ingratidões para com os pais, ocasião em que é preciso tanto expor habilmente quanto, ao contrário, ocultar essas coisas. Ele deve também ter muitos inimigos e ser odiado entre estes, alguns porque sofreram retaliação, outros porque estão conscientes de que é hábito de todo contratado, quando atraído por uma taxa maior, tratar antigos clientes da mesma maneira que trata todos os oponentes. Além do mais, ele deve estar engajado continuamente em contendas e, como um pirata, ora fugir, ora perseguir, ficando assim cansado e preocupado noite e dia por aqueles em apuros, tendo desse modo sua vida repleta de lágrimas e lamentações, como os que são levados para a prisão ou para o tronco para receberem chicotadas.27
Talvez
a retórica atraísse porque o retórico bem formado poderia camuflar
seu ofício e ainda ser capaz de exercer dominação sobre os outros,
como uma espécie de feiticeiro. Só que, se o ofício retórico não
apenas põe seu praticante em perigo como também arruína sua imagem
e pode corrompê-lo, o dinheiro recebido não cobre seus riscos. O
retórico talvez não tenha mesmo outra escolha.
A retórica também é arriscada porque ela se mete com a justiça sendo que ela foi, várias vezes, evidenciada como algo que nada tem a ver com justiça. Aliás, por vezes a retórica trabalha contra a justiça,28 porque lida com contradições. Contradições não cabem na justiça, como já dito, e por isso Sexto Empírico chama os retóricos de “advogados da injustiça”.29 O risco de que o cliente seja apanhado pela lei, nem tanto por seu crime, mas por causa de um defeito da defesa do retórico (como uma contradição descoberta ou mau uso de um significado) é alto, mesmo quando o cliente é genuinamente inocente. Isso acontece porque o discurso retórico é longo, intrincado e gasto, tornou-se difícil convencer alguém dessa forma. No Período Helenístico, em que as pessoas começavam a ver os danos de discursos assim, convencer alguém com um discurso que não é claro significava diminuir suas chances de persuadir.30
O retórico é então aquela pessoa que procurou a retórica como meio de vida, provavelmente por falta de atributos de persuasão natural, para poder adquirir prestígio e dinheiro. Ele se expressa de modo longo e adornado, em vez de simples e conciso.
Ofício não tão malogrado.
Sócrates — O que me parece, Górgias, é que se trata de uma prática que nada tem de arte, e que só exige um espírito sagaz e corajoso e com a disposição natural de saber lidar com os homens. Em conjunto, dou-lhe o nome de adulação. 31
Fonte: Internet. |
Logo no início do diálogo Górgias, vemos uma tentativa de persuasão retórica dada pelo personagem A, que tenta pregar uma peça no B. Personagem B faz a A uma pergunta (“que arte é praticada por Górgias?”) e A começa a dar voltas de argumentos e elogios ao redor da pergunta para distrair B, tentando fazê-lo esquecer o que perguntou e aceitar uma resposta que na verdade não cabe à pergunta feita (“a mais bela arte”). Mas Sócrates logo percebeu o que A estava tentando fazer e resolveu ele mesmo interrogar, após explicar para B o que A queria.32 Como se pode ver, a retórica precisa dar rodeios e ser astuta. O retórico não pode se dar ao luxo de não responder a uma pergunta e, quando não sabe a resposta, precisa dar um jeito de parecer que sabe e lograr o ouvinte a aceitar uma resposta, mesmo que esteja errada. Porque, ao recusar-se a responder ou admitir ignorância, o crédito de seu discurso cai e, com isso, suas possibilidades de persuasão. Isso faz parte do segundo segmento, que é a aplicação do discurso. O discurso de A provavelmente é improvisado, mas nem sempre o retórico trabalhará de improviso, tendo antes que preparar o discurso que aplicará. A construção do discurso é explicada em seguida.
Segundo Sócrates, tal como os culinários usurpam o prestígio dos médicos proporcionando o prazer ao paladar e alegando conhecer as propriedades de um alimento em um nível mais profundo que o médico, o retórico apela para as emoções do ouvinte, lhe incitando toda uma gama de sensações que o deixam mais receptivo a uma ideia. Isso é chamado no diálogo Górgias de adulação.33 Esse é um dos elementos principais da retórica. O bom discurso retórico se caracteriza pela sensibilização do ouvinte, não pela tanto pela concisão de ideias, pela lógica ou clareza, embora haja aquilo que é chamado "bom discurso".
Esse “bom discurso” retórico também é criticado por Sexto Empírico. Quando se ouve a expressão “bom discurso”, se pensa num discurso claro, sem rodeios, sem adornos e conciso. Mas, segundo Sexto Empírico, a retórica ensina justamente o contrário, discursos longos e confusos. A retórica simplesmente não estaria assim comprometida com o bom discurso, mas com o discurso obscuro, porque é mais fácil adular assim.34
Sensibilizar o ouvinte para deixá-lo mais receptivo à ideia (adulação) era extremamente necessário no Período Helenístico, embora nem tanto no Período Helênico. O retórico precisa observar certas regras particulares dependendo da pessoa que receberá seu discurso. Há discursos próprios para juízes, para líderes religiosos, pessoas comuns e criminosos também. Também discursos para incitar esta ou aquela emoção, este ou aquele sentimento.35 Essas convenções, porém, podem ser deduzidas com o tempo por pessoas que nunca estudaram retórica formalmente, como mostra Sexto Empírico.36
A aparência conta muito na aplicação do discurso, o retórico precisa ter um ar de sábio e se esforçar para manter a imagem de alguém que é propriamente versado em muitos assuntos. Justamente porque pode convencer os outros a fazer algo sem na verdade saber exatamente o que está fazendo, por falta de conhecimento técnico, o retórico nunca é chamado para opinar sobre coisas muito técnicas, como a arquitetura.37 Nos tempos de Sexto Empírico, os retóricos já não eram desejados nem mesmo nas arenas jurídicas, embora o fizessem quando pagos, expondo-se ao perigo. E isso por uma variedade de razões, visto que a retórica havia se tornado algo tão complexo, pernicioso e irritante, que suas regras internas tornaram-se incompatíveis com o ambiente jurídico. Havia, no Período Helenístico, uma demanda pelo discurso jurídico claro, sem ambiguidades.
E que a retórica é contra as leis está também claro a partir das declarações que os retóricos fazem em seu malogrado ofício. Pois ora aconselham, por um lado, a atender ao decreto e às palavras do legislador como claras e dispensáveis de explicação, ora aconselham, voltando atrás, a não mais seguir às palavras, mas à intenção.38
Vale
lembrar que a retórica não necessariamente é usada de forma
negativa e desonesta, mesmo sendo um ambiente propício à corrupção
do praticante. Ela pode ser usada de forma construtiva, como para
acalmar emoções de pessoas que estão desesperadas ou apavoradas.39
Um dos meios para isso é dizendo o que o ouvinte quer ouvir. A
adulação das emoções pode ser feita com esse recurso, ao dizer
para uma pessoa aquilo que ela na verdade gostaria de ouvir, mas que
sinta que não está de completo acordo com a realidade, precisando
ela de segurança. É simples, com esse artifício, adular uma pessoa
que já se encontra fragilizada. Só que isso nem sempre é feito
para o bem e se aproveitar do estado de espírito de alguém para
induzi-lo ao mal é comum.40
Após persuadir um ouvinte, o retórico pode dizer que tem um certo controle ideológico sobre ele e isso é ótimo, porque sua retórica deu resultado. Como já dito, a retórica está comprometida com o controle também e parte da força do retórico vem da quantidade de pessoas que ele já persuadiu, especialmente num ambiente democrático direto como a Grécia Antiga, no qual a maioria decide o destino da comunidade. Quanto mais pessoas o retórico fazer pensar como ele, mais poder ele tem na cidade. A persuasão pelo discurso também permite que o retórico possa fazer outros trabalharem para ele e tornar sua vida mais confortável, embora os meios que ele usou para isso possam ser desonestos.
A retórica então se dá na preparação de um discurso longo, passional e convincente, seguido pela aplicação desse discurso sobre um público-alvo, visando o propósito estipulado por aquele que contratou o retórico, propósito este que deve ser alcançado através da adulação e da confusão.
A
retórica, nos tempos de Platão e nos de Sexto Empírico, era algo
no mínimo duvidoso, por certo perigoso e não raro pernicioso, mas,
ainda assim, era uma ferramenta amplamente usada por ser
relativamente fácil e por pagar bem. Sabe-se que a retórica não
pode ser chamada de arte, nem de técnica, mas ela é certamente um
poderoso artifício que pode estar também a serviço do bem e da
justiça, na medida em que o discurso retórico esteja comprometido
com aquilo que é certo.
A retórica evoluiu desde então e hoje é bastante diferente, mais modesta. Mas isso não significa que os maus oradores tenham deixado de existir. A “má retórica” ainda existe nas igrejas, nos comícios políticos, na televisão e até mesmo dentro de nossas próprias casas. É necessário conhecer esses retóricos e conhecer os lances que estes usam para que possamos evitar sermos vítimas de seus artifícios e falácias.
Não necessariamente temos de ser inimigos da retórica, mas temos que permanecer inimigos da manipulação e do controle. E conhecer retórica permite que sua defesa contra essas pestes se torne melhor.
PLATÃO.
Górgias.
Tradução de Carlos Alberto Nunes. Disponível em:
<www.cfh.ufsc.br/~wfil/gorgias.pdf>.
Acessado em: 15/06/14.
SEXTO
EMPÍRICO. Contra os Retóricos. Tradução de Rafael e
Rodrigo Pinto de Brito. São Paulo: Universidade Estadual de São
Paulo, 2013.
Para citar este
documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Almeida, Yure Cézar
de Moura: Sobre a retórica no período helênico e helenístico. Praxis
Jurídica, Ano III, N.º 03, 09.05.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível
em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/06/sobre-retorica-no-periodo-helenico-e.html>. Acesso em:
1Górgias.
Página 4.
2Contra
os Retóricos. Página 5.
3Contra
os Retóricos. Página 7.
4Contra
os Retóricos. Página 7.
5Contra
os Retóricos. Página 9.
6Contra
os Retóricos. Página 9.
7Contra
os Retóricos. Página 3.
8Górgias.
Página 6.
9Górgias.
Página 7.
10Górgias.
Página 9.
11Isso
é visto com frequência nas reuniões da Igreja Universal, pois que
um pastor da Universal não poderia convencer nenhuma pessoa formada
em teologia ou história nem nenhum estudante sério da Bíblia de
que aquilo que ele prega é válido. Mas seus fiéis acreditam por
ele se posicionar de forma convincente, ao passo que os próprios
não conhecem o objeto do discurso.
12Contra
os Retóricos. Página 33.
13
Vale lembrar que hoje em dia se reconhece o trabalho do advogado de
defesa como aquele que se dedica a defender uma pena justa para o
acusado, não como aquele que deve soltar o acusado a qualquer custo
(a não ser, claro, que ele tenha sido acusado de algo que não
fez).
14Contra
os Retóricos. Página 23.
15Górgias.
Página 17.
16Contra
os Retóricos. Página 29.
17Contra
os Retóricos. Página 37.
18Górgias.
Página 73.
19Contra
os Retóricos. Página 21.
20Górgias.
Página 7.
21Górgias.
Página 6.
22Contra
os Retóricos. Página 33.
23Contra
os Retóricos. Página 25.
24Contra
os Retóricos. Páginas 25 e 27.
25Contra
os Retóricos. Página 11.
26Contra
os Retóricos. Página 13.
27Contra
os Retóricos. Páginas 15 e 17.
28Contra
os Retóricos. Página 21.
29Contra
os Retóricos. Página 23.
30Contra
os Retóricos. Página 35.
31Górgias.
Página 17.
32Górgias.
Páginas 2-3.
33Górgias.
Página 17.
34Contra
os Retóricos. Página 25.
35Contra
os Retóricos. Página 7.
36Contra
os Retóricos. Página 9.
37Contra
os Retóricos. Página 10.
38Contra
os Retóricos. Página 19.
39Górgias.
Página 10.
40Dizem
que é o que ocorre no fenômeno da fosfoetanolamina sintética.
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