Rei Tut do Egito,
1333 - 1323 A.C.
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Acelino Pontes
(ex-Max Planck-Institut für Hirnforschung, Köln.
Estudos do Direito, Filosofia, Física, Matemática, Medicina, Psicologia e Teologia;
em Berlin, Fortaleza, Köln [Colônia], Lisboa e em München [Munique])
EMENTA:
PGE. TCM. Competência. Processo de Execução. Multa
(Acessório). Restituição de Recursos desviados e
indevidamente aplicados (principal). Constitucionalidade.
Execução das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas.
Legitimidade ativa. Princípio da Simetria. Eficácia,
eficiência e efetividade. Custos de Transação ('Custo Brasil').
Nova Economia Institucional. Conceito dinâmico de irregularidade.
Assunto:
Competência da PGE para executar multas (acessório) e condenações
de restituição de recursos desviados e de utilização indevida
(principal) aplicadas pelo TCM em face de gestores e agentes públicos
municipais. Amplitude do objeto.
I.
Introdução
Persiste no meio jurídico
a inquietação em torno da questão sobre a competência das
Procuradorias Gerais estaduais de promoverem a execução das
decisões dos Tribunais de Constas dos Municípios, que aflora
de uma suposta indefinição constitucional. Decididamente, essa
competência não recebe manancial numa Resolução do próprio TCM.
Mas,
a questão é de complexidade ampla e profundidade profusa e, em
nenhum momento, se restringe aos arbítrios dos TCMs. Ela está bem
mais direcionada a uma extensiva conjuntura de domínio de
competência, resultante de uma nova dimensão de visão política,
social e jurídica, que renova, muito mais ainda, refunda a
qualidade da ação estatal do Brasil, em especial,
enquanto pessoa jurídica de direito público interno.
Com
o advento da Carta Cidadã de 1988, novas dimensões surgiram,
num tentame de rompimento com o estilo jesuítico, dilacerando
paradigmas, rompendo radicalmente com a herança perversa do
'modernismo' implantado no Brasil via Ratio
Studiorum,
inicialmente amarrando nos primeiros cursos de graduação em
Direito, posteriormente dispondo uma visão de Estado
já superado na Europa, no período ainda pré Império. Não
por menos, a nossa novel Constituição é considerada a magna-carta
mais arrojada na história das nações.
Fixadas
essas premissas, passa-se à análise da temática
II.
Competência da PGE
A
Corte de Contas do Ceará, aprovou em 24 de abril de 2014, a
Resolução no 08/2014, que foi publicada em 30 de abril de 2014 . Em
seu artigo
Art. 1.º O art. 156 e seus §§1.º e 2.º, da Resolução n° 08/1998, de 01 de outubro de 1998 (Regimento Interno), passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 156. Os valores das multas aplicadas serão recolhidos ao erário estadual, obrigando-se o responsável a apresentar o comprovante de recolhimento nos autos do processo em que foi aplicada a multa, no prazo de 10 (dez) dias.
§1.º Revogado.
§2.º O não pagamento da multa aplicada pelo Tribunal, ou de qualquer das suas parcelas, no prazo estabelecido, implicará o vencimento antecipado da dívida, com a consequente comunicação à Procuradoria Geral do Estado do Ceará, para inscrição em dívida ativa, assim como para fins de execução judicial, sem prejuízo das providências de cobrança administrativa adotadas pela Procuradoria Geral do Estado.” (Destaquei)
Entretanto,
a competência primeira na espécie está fundada primordialmente no
timbre da Lei Complementar N.º 58, de 31 de março de 2006, que
dispõe sobre a Lei Orgânica da Procuradoria-Geral do Estado,
estabelecendo a estrutura e a organização e disciplinando suas
competências e o funcionamento dos órgãos que a integram,
regionalizando sua atuação e dispondo sobre o regime
jurídico dos procuradores do estado e dá outras providências .
Em
face da fragilidade de facto et de juris, de cariz material,
da Resolução no 08/2014 da Corte de Contas municipal, tomamos
do acima nomeado diploma legal os seguintes dispositivos fundantes da
competência da PGE na espécie:
Art. 4.º A Procuradoria-Geral do Estado é instituição permanente, essencial ao exercício das funções administrativa e jurisdicional do Estado, responsável pela defesa dos interesses deste em juízo e fora dele, assim como pelas atividades de representação jurídica, judicial e extrajudicial, e de consultoria jurídica do ente federado.
[omisso]Art. 5.º Compete à Procuradoria-Geral do Estado:
I - representar privativamente o Estado, nos âmbitos judicial e extrajudicial, defendendo seus interesses, bens e serviços, nas ações em que este for autor, réu, terceiro interveniente ou tiver interesse na causa;
III - inscrever e controlar a dívida ativa, tributária ou não, do Estado;
IV - promover, privativamente, a cobrança extrajudicial e judicial da dívida ativa, tributária ou não, da Fazenda Pública Estadual, funcionando em todos os processos em que haja interesse fiscal do Estado;
V - representar o Estado junto ao Contencioso Administrativo Tributário, ao Tribunal de Contas do Estado e ao Tribunal de Contas dos Municípios; (Destaquei)
Para
melhor situar a questão da multa e do principal, percutimos
dispositivos da Lei N.º 4.320/1964, que estatui normas gerais
de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da União, dos Estados, dos Municípios e que, em
seu art. 11, § 4.º, classifica a 'multa' como Receita
Diversa do Tesouro. Ademais, ainda se mostra interessante
mencionar os seguintes preceitos:
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto Lei no 1.735, de 20.12.1979)
§ 1.º - Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. (Incluído pelo Decreto Lei no 1.735, de 20.12.1979)
§ 2.º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei no 1.735, de 20.12.1979)
Preocupante
para a questão da legitimidade in casu tanto do TCM como, por
via de consequência, da legitimidade da PGE, abalroamos nos
seguintes preceitos do acima referido imperativo legal:
Art. 81. O controle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de
[omisso]§ 2.º Quando, no Município não houver Tribunal de Contas ou órgão equivalente, a Câmara de Vereadores poderá designar peritos contadores para verificarem as contas do prefeito e sobre elas emitirem parecer. (Destaquei)
Na
nossa óptica, aqui restaria uma base residual para se acarar um
eventual questionamento sobre o TCM reger competência para processar
e julgar as contas da municipalidade. Mas, de logo há de se entestar
que essa legislação remonta do ano de 1964 e a legislação
vigorante, bem como a mais tenra jurisprudência enfrentam essa
questão em direitura contrária.
No
estudo da legitimidade ativa em face da execução do cardeal e
a do obolus, divisa-se o primado constitucional insculpido
no § 3.º do art. 71 da Constituição Federal de 19881,
e o entendimento da Corte Máxima de que, para a execução
desse quantum debentur não assiste legitimidade nem
à própria Corte deliberante e nem ao intermédio de seu respectivo
Parquet2.
Nessas
decisões, o STF embora considere a sugestibilidade do nomen
juris de 'Ministério Público', realço o status dos
membros do Parquet das Cortes de Contas situado tão somente
na funcionalidade custos legis, enquanto a representação
dos interesses da Fazenda Pública está sediada no
âmbito de sua respectiva Procuradoria. Esse realce dos aresto se
mostra fundamental para a disputa sub analisis.
Homenageando
o Princípio da Simetria constitucional, nessa acepção,
encontramos no RE 223.037, da lavra do Em. Ministro Maurício
Correia, o que segue, ad litteram:
A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente púbico beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente.3
Depreende-se
desse decisio que a titularidade do crédito reconhecido
concerne ao ente público prejudicado com o ilícito, a quem se
delega legitimidade e interesse imediato e concreto.
Na
mesma apreensão, tomamos de MAFRA [2013, p. 24.] o que se segue:
Em relação às decisões das cortes de contas que imputam restituição de determinada quantia, são executadas pelos titulares da representação judicial dos entes cujos patrimônios foram lesados. No caso, quando a pessoa jurídica prejudicada for o Estado-membro, cabe à respectiva procuradoria promover a referida execução. Sendo o erário municipal o lesado, caberá aos municípios sua cobrança.
Em
relação às decisões das cortes de contas que imputam
restituição de determinada quantia, são executadas pelos
titulares da representação judicial dos entes cujos
patrimônios foram lesados. No caso, quando a pessoa jurídica
prejudicada for o Estado-membro, cabe à respectiva
procuradoria promover a referida execução; sendo o erário
municipal o lesado, caberá aos municípios sua cobrança.
Entretanto, nos casos em que o próprio gestor municipal é o
causador da corrosão ao patrimônio público, esta análise, mais a
frente defenderá a competência do Estado-federado para promover a
competente execução em seu benefício.
III.
Fenomenologia da Conjuntura Jurídica
In
casu, na análise da presente matéria ante o empenho
proficiente na defesa do interesse do Estado do Ceará por parte da
PGE, não há como deixar de entrever uma complexidade competencional
e de legitimidade natural, que se insurgem contra uma redução
de sua conduta na espécie a tão somente às condenações do
TCM de caráter acessório.
Aqui,
se externa uma materialidade jurídica de heterogeneidade
implícita ao exercício das funções públicas num ambiente de
globalização e de crescimento econômico vertiginoso e intenso, que
nos leva a cenários de veras abstrusos, exigindo a quebra de
paradigmas e amarras vetustas para melhor representar o interesse do
Estado com eficiência e hodiernidade. Nessa concepção, vale
lembrar a iluminada lição do nobre Mestre Pontes de Miranda [1961,
p. 23], quando assim se expressa:
O jurista há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro. [Apud Costa, 2012]
1.
Postura Anticorrupção
O
universo da corrupção, no Brasil, quase identifica-se com o próprio
orçamento do Estado e com a pratica
política, bem como a socioeconômica.
A
expressão política preocupou vários filósofos desde os
grandes da antiguidade como a Sócrates ou a Aristóteles, na
modernidade, a Hobbes, a Locke ou a Rousseau até
os dias de hoje, como a Habermas
ou como a Paulo Bonavides. Com todos esses estudiosos, a
política está sempre ligada à moral e à ética e entendida como
uma ciência da governança de um Estado ou Nação, num ambiente do
interesse público e da impessoalidade.
Infelizmente,
no Brasil, há muito, o exercício da política, não raro
confunde-se com o exercício de uma atividade econômica, onde se
investe um valor gigante para se conseguir um mandado, para alcançar
um retorno financeiro de até 100 vezes superior ao investimento. E a
fonte desse 'retorno' é, essencialmente, o orçamento dos entes nos
3 escalões do Estado. O superfaturamento é o manto de legalidade do
dito 'retorno'. Isso em linhas gerais.
Para
se ter uma ideia grosseira do volume financeiro desse fenômeno
enfoca-se aqui o Orçamento Geral da União do presente exercício.
Como abaixo declinado, trata-se de um volume total de R$ 2,361
trilhões.
A
maior fatia (42,42%) está ligada aos encargos da dívida
pública, que certamente é um ambiente extremamente sensível à
corrupção e à manipulação, posto que ligado diretamente ao
mercado financeiro. Neste ambiente, até o presente momento,
somente a Europa conseguiu um inibido mecanismo de controle
anticorrupção e antimanipulação, trazendo à obrigação nos
encargos do deficit causado pelas constantes crises
econômico-financeiras, os próprios agentes do mercado
financeiro, em primeira linha os bancos e financeiras, em segunda
linha os acionistas e por fim os correntistas. Ultima ratio
regum, esgotadas essas relação obrigacionais, então
estaria vicunlado o contribuinte.
Essa
decisão foi fundamental para o interrompimento abrupto das
crises tanto setoriais como das chamadas 'bolhas' e até de
determinadas empresas.
No
Brasil, a regra ainda é o contribuinte quem responde pelas
grandes 'crises' e 'bolhas', que na boca popular passaram a ser
conhecidas como 'bolsa banco', 'bolsa empresário' etc., à irônica
analogia ao programa social do Governo Federal com a titulação
'Bolsa Família'.
Outro
tópico orçamentário de grande carga é o da Previdência Social
(20%). Esse setor há mais de década sofreu uma enorme crise, que
gerou um controle mais efetivo, tendo assim uma menor intimidade
com a corrupção que as outras esferas.
Já
os outros setores do orçamento nacional (quase 30%) estão
sensivelmente infectada e impregnada por ações de corrupção e
manipulação.
Em
contrapartida, ilustra-se neste estudo o exemplo da Alemanha, que
gasta:
Os
alemães gastam com a rubrica 'Social' 54% (Sozialausgaben)
de sua arrecadação, enquanto que com juros, emprega
apenas 12% (Zinsausgaben), quando o Brasil
gasta 42,4% somente com esses encargos financeiros. Pelo
visto, há muito trabalho à nossa frente.
Entretanto,
o controle da sociedade sobre os gastos públicos é exercido na
nação teutônica, em grande parte, pela sociedade civil organizada
e pela própria cidadania, o que naturalmente, inibe sensivelmente
as manipulações e as depredações do orçamento público.
A
questão da corrupção no Brasil está intimamente ligada ao
entrelaço entre a política e o crime organizado, quando tanto a
política como o crime organizado se consideram como um negócio,
certamente de grande proporção em lucratividade.
Daí,
primordialmente exsurge o ilícito depredante do patrimônio
público como 'financiamento de campanha'. O ano de 2014 é ano de
eleição para presidente, governadores, senadores, deputados
federais e estaduais.
Na
imprensa local foi divulgado recentemente uma resenha sobre os custos
de um candidato a deputado estadual e federal, sob o título “Custo
do voto: Federal paga a R$ 100 e estadual vai a R$ 80”4.
Daí se pode induzir, que, em possuindo o Ceará 6.151.626 eleitores,
teríamos, em princípio uma projeção de gasto total de R$
615.162.600,00 para Deputado Federal e de R$ 492.130.080,00 para
Deputado Estadual. A resenha ainda acrescenta:
A economia marginal do período de eleição, com a movimentação de muitos milhões de reais, é um tema que as partes não querem comentar, diferentemente daquela lícita quando todos opinam e sobretudo o principal ator, o investidor, ressalta, inclusive, os benefícios sociais e os resultados favoráveis ao crescimento do Estado, advindos de suas aplicações. Nesta, ninguém esconde valores. Naquela, comprador e vendedor sequer querem ser conhecidos, talvez até, pelo fato de os seus efeitos serem maléficos, também, e principalmente, à ordem democrática que reclama eleições livres.
Entretempo,
uma análise mais aprofundada [Backes; Santos, 2014] nos mostra a
progressão das despesas em relação à eleição entre 2002 e 2010
com base em dados colhidos do Tribunal Superior Eleitoral –
TSE , do Centro de Informática da Câmara dos Deputados - CENIN e da
Coordenação de Apoio Técnico Legislativo da Consultoria
Legislativa . Dessa pesquisa se toma o que segue:
Algumas avaliações sobre os gastos totais das campanhas consideram apenas os gastos declarados pelos candidatos. O TSE, por exemplo, em Ofício entregue à Comissão de Reforma Política em 2/5/2011 (Ofício no 1.636/2011 GP) apresentou apenas os dados dos candidatos, totalizando um volume de gastos de R$ 3.266.899.518,37, em 2010, dado que repercutiu na imprensa como se fosse o total geral dos gastos de campanha. Ora, como muitos dos gastos são feitos através das instâncias partidárias, evidentemente o número apresentado pelo TSE não reflete o conjunto geral dos gastos. Uma das primeiras tabelas que elaboramos, assim, foi a que incluiu as declarações de partidos e comitês, com o que chegamos a um total de gastos declarados em 2010 de R$ 4.903.753.468 (ver tabela 4). Percebemos, contudo, que este total não refletia os gastos efetivos, na medida em que havia um grande número de repasses internos, entre partidos, comitês e candidatos. Ao retirar das declarações de contas todos os repasses internos (que aparecem no sistema sob a rubrica “doações feitas a candidatos”), chegamos ao número final de R$ 3.717.111.241 como o total geral dos gastos de campanha declarados para o ano de 2010 (ver tabela 5).
Os
valores acima apontados, naturalmente não contempla o fenômeno
do 'Caixa 2', que se mostra impossível de perpassar por uma
mensuração objetiva e com fundamento acadêmico.
Para
a campanha eleitoral 2014, o Ministério Público Eleitoral prevê um
gasto total de R$ 5 bilhões5.
Mas, quaisquer que sejam os valores reais, indubitavelmente esses
valores, acrescidos naturalmente do 'lucro' do político e de seus
'apoiadores' serão suportados por mecanismos de depredação do
patrimônio público.
2.
Controle
Fonte: Internet. |
A
consolidação do controle no Brasil escreveu uma história que
retorna ao período colonial com a composição das Juntas das
Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro,
jurisdicionadas a Portugal, no ano de 1680, que foram
robustecida pela criação do Erário Régio e do Conselho da Fazenda
om D. João VI em 1808. Mas, idealização de criação de um
Tribunal de Contas só consubstanciada em 1826, embora só tendo
concretizada sua autonomia com o declínio do Império, agora
sob a titulação de Tribunal de Contas da União, com competência
para exame, revisão e julgamento de todas as operações
relacionadas com a receita e a despesa.6
Não
obstante, no Brasil, tão somente nas últimas décadas há uma
expressiva sensibilização por parte da população para o controle
da gestão pública e de seus gastos. Naturalmente, extremamente
longe da situação alemã, mas que promete um avanço intenso e
promissor.
Líder
nesse novo mister encontra-se o Estado do Ceará, que por
intermédio dos agentes público de controle tem desenvolvido uma
significativa postura anticorrupção e que tem rendido um expressivo
retorno econômico-financeiro para os cofres públicos. Prova
disso, são os inúmeros recursos nos Tribunais Superiores de
gestores condenados e que em seu número cobre o de qualquer outro
Estado-federado.
A
nível nacional, vale ressaltar que recentemente a Petrobras esteve
envolvida num escândalo, que causou à mesma prejuízos na ordem de
US$ 580 milhões com a compra da Refinaria de Pasadena (no Estado
norte-americano do Texas) avaliada em US$ 186 milhões e comprada por
R$ 1,25 bilhão.7
Com
grande celeridade o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou
11 diretores da Petrobras a devolver US$ 792 milhões (R$ 1,6 bilhão)
por prejuízos causados na aquisição da referida Refinaria.
Dentro
desse cenário, não é inusitado constatar que a Palestra Magna de
abertura do IV Encontro Nacional dos Tribunais de Contas e do XIII
Encontro do Colégio dos Corregedores e Ouvidores versou sobre o tema
"O fenômeno das ruas". Ineludível resta testificar que o
fenômeno do controle granjeou as ruas.
Por
tudo isso, a PGE precisa se aparelhar para enfrentar esse
processo, posto que não tardará uma avalanche de feitos judiciais
frutos dessa nova postura do cearense.
3.
Amplitude do Objeto
O
pleito do controle tomou uma importância fundamental na
sociedade brasileira da atualidade. Ora para combater a corrupção,
ou para não concentrar muito o poder, que para disciplinar a relação
entre Estado e mercado, ou se de como o Estado admite servidores, ora
para dizer como o Estado pode comprar e contratar serviços, quando
também para garantir a eficiência na arrecadação de tributos
ou ainda para que o Estado não gaste muito, ou talvez para que o
povo não gaste muito, mas também controle para regular o controle.
O brasileiro, hoje, está inovando sua relação com o fenômeno do
controle; tornou-se obsessão.
No
tirocínio do controle a sociedade almeja segurança, mas
exsurge daí um incremento de penalidades aplicadas pelas
corporações incumbidas do manejo coercitivo. Nessa acepção,
vale lembrar VENTURA [2014], quando preleciona:
Sob esta mesma lógica, a baixa capacidade do Estado brasileiro para realizar entregas e prestar serviços à população é diagnosticada, frequentemente, como sendo consequência da falta de controle. A partir dessa noção, surgiu uma infinidade de mecanismos que buscam ampliar as capacidades estatais pela via do controle, instrumentos que, apesar da crítica às suas disfunções burocráticas, têm se multiplicado.
Esse
novo momento da nossa sociedade, traz para os órgãos jurisdicionais
novas tarefas e novos empenhos e desafios para a efetivação do
controle.
-
Temáticas
Um
campo de extrema importância que antefere a questão é o conjunto
de competências constitucionais comum e cumulativa, como também
as de caráter concorrente e residual.
A
título de ilustração, tomamos o saneamento básico, que à
luz do inciso IX do art. 23 da Carta Magna é de competências comum
da União, Estados e Municípios. Entretanto, o volume de recursos a
aplicar nesse setor são vultuosos, porquanto se faz necessário a
captação de capital externo, posto que o Orçamento só inclui
0,15% de seu total para esta importantíssima incumbência estatal.
Dessa baixíssima participação orçamentária, se pode
entender a avaliação de Barroso [2007]
No Brasil, por força de uma herança patrimonialista renitente, o serviço público ainda não é visto como uma função, um compromisso com a cidadania, com a realização de objetivos sociais mais amplos. Ao contrário, é frequentemente tratado como mero instrumento de poder político – poder de ocupar o espaço público, de nomear aliados, de creditarem-se favores – ou fonte de arrecadação de recursos. A indefinição prolongada na matéria tem adiado investimentos e ações concretas, com consequências dramáticas à qualidade de vida da população, sendo causa direta de mortes, doenças evitáveis e degradação ambiental. Agora que há oferta abundante de telefones celulares, talvez haja oportunidade para cuidar dessas miudezas.
Ainda
na trilha do estudo Barroso [2007], que se assistindo de dados
da Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999
publicados pelo IBGE no ano 2000, conclui que, no Brasil,
embora as informações estatísticas sejam precárias, estima-se que, em média, apenas 52,8% da população sejam atendidos por rede coletora de esgoto e que 76,1% dos domicílios sejam abastecidos pela rede geral de distribuição de água. Ou seja: quase 24% da população não têm acesso à água tratada. E isso tudo sem considerar as áreas rurais da região norte.
Ante
a observação anterior desse notável estudioso, podemos depreender
que nas próximas décadas um volume astronômico de recursos serão
aplicados na área do saneamento básico.
Outras
esferas orçamentárias de idêntica importância para o
controle por parte dos fiscais da lei, justo em virtude da “herança
patrimonialista renitente”, nos remete ao Programa de
Aceleração do Cresci mento (PAC 1 e 2) e ao Regime Diferenciado de
Contratações (RDC) instituído para guiar as obras da Copa do
Mundo de 2014, dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016;
programas de infraestrutura (estradas e ferrovias, portos e
aeroportos etc.), saúde, educação e segurança.
O
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2) invoca
circunspecção dada a opulência do cabedal envolvido: PAC 1 com
aplicação de R$ 503,9 bilhões até 20108
e PAC 2 com investimentos na ordem de R$ 1,59 trilhão entre
2011 e 20149.
Todo
esse astronômico volume de recursos certamente chama a atenção
da classe política, em especial, de todos os que participam da
corrupção ativa e passiva. E dado o grau de controle a que se
aplicam os diversos parquets e os outros órgãos de
controle em todas as esferas do pacto republicano, certamente
torna-se compulsório para a PGE acompanhar todos esses processos
de controle, para, em caso de condenações, antever eventual
interesse do Estado, posto que em todos esses investimentos, de
forma direta ou indireta, sempre há a participação do Estado
ou municipal.
Isso
tudo, nos traz uma dimensão, em muito longínquo, do binômio
impresso nas condenações do TCM.
-
Caravanas do TCM
O
Tribunal de Contas dos Municípios recentemente erigiu um novo
instrumento de sensibilização e motivação das autoridades e da
população em geral ao exercício da cidadania no tópico controle e
fiscalização da ação de gestores públicos, a que intitulou
'Caravana do TCM-CE'.10
Esse
novo mecanismo tem como finalidade promover,
em dez municípios cearenses, capacitação de gestores e servidores municipais e projeto de educação sobre controle social dedicado à comunidade estudantil. A ação ocorrerá de forma regionalizada, com estrutura que dará oportunidade para os 184 municípios do Estado participarem.11
Sob
o balsão “Transparência e controle social” foram
escolhidos os seguintes eixos temáticos: Obras e Serviços de
Engenharia - Principais Irregularidades; Gestão Municipal: Controle
Interno e área de Pessoal; Licitação e Contratos: Visão do
TCM/CE sobre assuntos relevantes; e Prestação de Contas: Apreciação
e Julgamento.
Essa
evolução indubitavelmente incitará novas demandas judiciais
como resultado dos vetores capacitação e informação
privilegiada, abrangendo novas esferas e setores sociais. Disso,
embora não diretamente ligada ao evento, a PGE
irremediavelmente estará vinculada aos efeitos desse novadio
mecanismo de controle.
-
Outros órgão de controle
Segundo
relato da imprensa, entre 05.10.2006 e 05.10.2014, 204 gestores do
Ceará tiveram contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União
com trânsito em julgado.12
Intensos
e volumosos são os investimentos federais com participação do
Estado no ambiente da saúde, da educação, da infraestrutura e
da competência comum/concorrente. Por expressiva atividade de
controle e vigilância pela Polícia Federal, pelo Ministério
Público Federal, pela Advocacia Geral da União, pela
Controladoria Geral da União, a Justiça Federal vem se
extremando em condenações de entes e gestores públicos, bem como
de pessoas jurídicas vinculadas ao direito privado.
Como
já visto antes, em muitos desses feitos, conforme a natureza do
investimento, estão encravados recursos do Estado e da
municipalidade, que merecem a atenção da PGE, em especial, quando
se augurar qualquer tipo de contemplação do Estado em eventual
condenação. A guisa de exemplo, podemos tomar a chamada Operação
Gárgula, deflagrada pela Polícia Federal, que rendeu denúncia
apresentada pelo Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE)
contra 34 pessoas envolvidas em esquema de licitações fraudulentas
que provocou rombo de R$ 12 milhões aos cofres públicos, quando
responderão pelos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de verbas
públicas e formação de quadrilha. Sobre a versão Operação
Gárgula II, encontramos a seguinte constatação:
A nova operação desenvolvida ontem, denominada de Gárgula II, alcançou 11 municípios cearenses. Nessas localidades foram expedidos 20 mandados de busca e apreensão e seis de prisão. Três pessoas foram presas, duas não encontradas já se comprometeram em se apresentar à Superintendência da Polícia Federal em Fortaleza hoje. Um está sendo considerado foragido. As investigações visam apurar irregularidades em licitações e desvio de recursos públicos federais, estaduais e municipais nos municípios de Maracanaú, Itaitinga, Aracati, Fortim, Cariús, Beberibe, Senador Pompeu, Quixeramobim, Quixeré, Miraíma e Pacujá.13 (Destaquei)
Desse
modo, resta cristalino que, em várias investigações da Polícia
Federal e em posteriores feitos ajuizados pelo MPF podem incluir
tanto interesses do Estado como das municipalidades.
4.
Condenações dos Tribunais de Contas
Previamente,
para eliminar qualquer sombra de dúvida sobre a competência do
TCMs para processar e julgar contas de gestão de prefeitos e demais
agentes públicos, segue abaixo parte do aresto paradigma no
gênero a nível do STF da lavra do Em. Ministro Luiz Fux, que se
apresenta como segue:
MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 15.902 GOIÁS
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
RECLTE.(S) : LUIZ MARTINS DE OLIVEIRA
ADV.(A/S) : EDER CESAR DE CASTRO MARTINS
RECLDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁSPROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
RECLDO.(A/S) : TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO
ESTADO DE GOIÁS
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
DECISÃO: Cuida-se de Reclamação ajuizada por LUIZ MARTINS DE OLIVEIRA em face do ESTADO DE GOIÁS e do TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS, no bojo da qual sustenta que o Acórdão n. 12101/2012 proferido pelo aludido Tribunal de Contas dos Municípios teria desafiado a autoridade da decisão desta Suprema Corte nos autos da ADI no 3.715/TO, ADI no 1.779/PE e ADI no 849/MT.
[…]Antes de examinar se, de fato, há contraditoriedade entre o Acórdão impugnado e a questão de fundo debatida nos autos das mencionadas ADIs, é preciso esclarecer o que fora discutido em tais casos para, em seguida, efetuar, se for o caso, a parametricidade pretendida pelo Reclamante.
Nos autos da ADI no 3.715/TO, esta Suprema Corte foi instada a se pronunciar acerca da compatibilidade da alteração operada pela EC no 16/2006, que introduziu o § 5o ao art. 33 da Constituição do Estado do Tocantins, com disciplina constitucional atinente ao Tribunal de Contas da União, cuja observância aos Estados-membros é obrigatória.
Naquela assentada, entendeu a Corte que o aludido preceito se distanciara dos parâmetros constitucionais, mormente os incisos I e II do art. 71 da Lei Fundamental, na medida em que previra a possibilidade de recurso à Assembleia Legislativa, dotado de efeito suspensivo, dos julgamentos proferidos pelo Tribunal de Contas.
Ao que interessa nesta sede, segundo o e. Rel. Min. Gilmar Mendes, a Constituição, nos casos do inciso II do art. 71, confere ao Tribunal de Contas a competência para julgar as contas dos administradores e gestores de verbas públicas, sendo defeso, como pretendeu a EC no 16/2006-TO, submetê-la à aprovação da casa legislativa respectiva.
Nas palavras do e. Ministro Relator, “a alteração constitucional dessa relação interorgânica tem inviabilizado a própria atuação do Tribunal de Contas do Estado, que se vê subtraído de suas competências ordinárias”.
Nos autos da ADI no 1.779/PE, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de determinados preceitos da Constituição do Estado de Pernambuco (incisos I e II do art. 14 e de algumas expressões do inciso III do § 1o e do § 2o do art. 86), que afrontavam os incisos I e II do art. 71 e o art. 75 da Constituição da República.
No mérito, a Corte aplicou o entendimento de que o modelo de atribuições da Corte de Contas definido pelo constituinte estadual não poderia se afastar do desenho delineado pelo constituinte de 1988.
Por outro lado, na ADI no 849/MT, a controvérsia dos autos versava acerca da compatibilidade do inciso I do art. 47 da Constituição do Estado do Mato Grosso com o regramento constitucional sobre o TCU, mais especificamente o seu inciso I do art. 71. No caso, precitado dispositivo da Constituição do Estado do Mato Grosso emprestava às contas anuais prestadas pela Assembleia Legislativa o mesmo regime jurídico dispensado ao Poder Executivo.
No julgamento de mérito, o e. Relator Ministro Sepúlveda Pertence reiterou que o art. 75 impõe expressamente a aplicação das normas de Contas estaduais. Assim, a inovação estabelecida pela Constituição do Estado do Mato Grosso, no inciso I do art. 47, se distanciou dos balizamentos constitucionais, razão pela qual foi declarada inválida.
Da análise destes julgados, depreende-se, com limpidez e sem poder inferir-se nada além disso, que a Suprema Corte deixou assentada a observância obrigatória da disciplina normativo-constitucional atinente ao Tribunal de Contas da União ao Poder Constituinte Decorrente – poder conferido aos entes da Federação de elaborarem suas Constituições e Leis Orgânicas.
Por sua vez, no caso em comento, a Reclamação se insurge contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás, que não observou a demarcação constitucional das atividades fiscalizatórias dos Tribunais de Contas, assentadas pelo STF nos autos da ADI no 3.715/TO, da ADI no 1.779/PE e da ADI no 849/MT.
Ocorre que in casu, diversamente do alegado pelo Reclamante, a atuação do Tribunal de Contas da União decorrera de uma importante distinção no tocante à atividade fiscalizatória feita pelos Tribunais de Contas que, até o presente momento, não fora objeto de pronunciamento desta Suprema Corte, qual seja (i) a fiscalização das contas políticas ou de relativas à organização, composição e fiscalização do TCU aos Tribunais governo, em que a Corte de Contas examina a atuação da autoridade máxima de cada Poder e (ii) a fiscalização das contas de gestão, em que a Corte de Contas examina os atos dos ordenadores de despesas das diversas unidades administrativas.
No primeiro caso, o fundamento constitucional encontra-se no inciso I do art. 71. Aqui, a competência do Tribunal de Contas cinge-se à elaboração de parecer prévio opinativo sobre aspectos gerais relacionados à execução dos orçamentos, especialmente aqueles definidos pela LRF.
Trata-se de fiscalização anual do Chefe do Poder Executivo, em que a decisão final acerca da aprovação ou rejeição das contas fica a cargo do respectivo Poder Legislativo.
Na segunda hipótese, a atuação da Corte de Contas busca assento constitucional no inciso II do art. 71. Tal preceito permite o julgamento das contas dos gestores e administradores de verbas públicas. Trata-se de competência para examinar lesões ao erário decorrentes de ato de gestão, isoladamente considerados, em que se atribui à própria Corte de Contas a decisão definitiva.
Com efeito, os Prefeitos Municipais não atuam apenas como chefes de governo, responsáveis pela consolidação e apresentação das contas públicas perante o respectivo Poder Legislativo, mas também, e em muitos casos, como os únicos ordenadores de despesas de suas municipalidades.
E essa distinção repercute na atuação fiscalizatória das Cortes de Contas.
Assim, quando estiver atuando como ordenador de despesas, compete ao Tribunal de Contas o julgamento das contas dos Prefeitos Municipais, apurando a regular aplicação de recursos públicos, consoante o art. 71, inciso II, da CRFB/88. Em caso de inobservância dos preceitos legais, cabe à Corte de Contas aplicar as sanções devidas pela malversação de tais verbas.
Como corolário, não se atribui a competência das Câmaras Municipais para o julgamento definitivo acerca das contas públicas, seja pela sua subserviência ao Executivo Municipal, seja pelo esvaziamento da atuação das Cortes de Contas.
Decerto, o pensamento oposto vulnera a função precípua da Corte de Contas – apurar eventuais irregularidades na gestão da coisa pública –, permitindo a perpetuação de fraudes e corrupções pelos Municípios ao longo do país.
Se ficar configurado que o Prefeito titulariza a competência, específica e individualizada, de administrar a aplicação dos recursos públicos em sua municipalidade, como é o que se verifica no caso dos autos, franqueia-se ao Tribunal de Contas a possibilidade de proceder ao julgamento das contas municipais, com caráter de definitividade. Destarte, afasta-se a incidência, em tais casos do art. 71, inciso I, da Constituição de 1988, na medida em que se encontra adstrito aos aspectos mais gerais relacionados à execução do orçamento (contas políticas ou de governo).Perfilhando idêntico entendimento, o e. Ministro Joaquim Barbosa, tem indeferido o pleito cautelar em casos como o dos presentes autos. Em sua arguta análise, nos autos da Reclamação no 13.898, do qual era Relator, o e. Ministro assentou:
“Para o TCM/CE, o Chefe do Executivo Municipal também atua como administrador responsável pelo dinheiro público e, portanto, está a todo o momento sujeito à fiscalização pelo órgão auxiliar do Legislativo. Como a sua atuação como gestor contínuo não se confunde com a responsabilidade política apurável diretamente pelo Legislativo (art. 71, I da Constituição), a autoridade reclamada entende ter competência para efetivamente julgar e aplicar pena ao prefeito, na qualidade de responsável específico e individualizável pela execução eventualmente ilegal de certas despesas publicas.
Devido à ausência de atualização da lei de normas gerais de direito financeiro (arts. 163, caput e 165, § 9o, I e II da Constituição e art. 35, § 2o do ADCT) e à superveniência de diversos outros textos legais relevantes (e.g., a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC 101/2000), não é possível afastar, a priori e em termos definitivos, a cisão entre a atuação político- orçamentária, submetida ao controle direto pelo Legislativo, e a atuação concreta, sujeita ao exame técnico dos Tribunais de contas, em relação ao chefe do Executivo.”
Neste particular, ponho-me a discordar, com o máximo respeito, do entendimento do posicionamento adotado por alguns do eminentes Ministros desta Suprema Corte que vem deferindo o pleito cautelar em casos como este.
Nos autos da Reclamação no 13.956, o e. Relator Ministro Celso de Mello, afirmou que “a dualidade de regimes jurídicos a que os agentes públicos estão sujeitos no procedimento de prestação e julgamento de suas contas” obstaculizaria a apreciação pelas Cortes de Contas das contas prestadas dos chefes do Poder Executivo. Em suas palavras “Essa diversidade de tratamento jurídico, estipulada ratione muneris pelo ordenamento constitucional, põe em relevo a condição político- administrativa do Chefe do Poder Executivo”.
Similar linha de argumentação tem sido utilizada pelo e. Ministro Gilmar Mendes para deferir tais pleitos cautelares. Em suas palavras, na Reclamação no 13.963, de sua relatoria, o Ministro Gilmar Mendes afirma:
“Dessa forma, esta Corte também tem entendido que, no contexto do art. 75 da Constituição Federal, dentre as normas constitucionais de observância obrigatória pelos Estados- membros incluem-se as atinentes às competências institucionais do Tribunal de Contas da União (ADI n° 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.1999).
No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre:
1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88;
2) a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88 (ADI n° 1.779-1/PE, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14.9.2001; ADI n° 1.140-5/RR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 26.9.2003; ADI n° 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.1999).
No primeiro caso, cabe ao Tribunal de Contas apenas apreciar, mediante parecer prévio, as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. A competência para julgar essas contas fica a cargo do Congresso Nacional, por força do art. 49, inciso IX, da Constituição.
Na segunda hipótese, a competência conferida constitucionalmente ao Tribunal de Contas é de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (art. 71, II, CF/88). “
Não se questiona a dualidade de regimes jurídicos a que se submetem os agentes públicos quanto à apreciação de suas contas.
Sucede que o que se está a debater nos autos desta Reclamação é algo distinto e que este Supremo Tribunal Federal ainda não enfrentou.
Trata-se de saber se, mesmo nos casos em que o Prefeito atue como ordenador de despesas (contas de gestão), como é o caso dos autos, a Corte de Contas deve apenas emitir parecer prévio, incumbindo a apreciação destas contas às Câmaras Municipais, ou, por outro lado, compete à própria Corte de Contas proceder a apreciação definitiva das contas do chefe do Poder Executivo Municipal.
Diante disso, reitero que inexiste identidade material entre os acórdãos tomados como paradigma e a decisão reclamada.
Com outras linhas de fundamentação, mas com resultados semelhantes, registro as decisões dos eminentes Ministros Ayres Britto (Rcl 10.680, DJe de 18.05.2011), Ricardo Lewandowski (Rcl 11484, DJe de 14.04.2011), Cármen Lúcia (Rcl 11.479, DJe de 15.04.2001) e Joaquim Barbosa (Rcl 10557, DJ de 13.09.2010; Rcl 13898, DJe de 05.06.2012 e Rcl 13905, DJe de 05.06.2012).
Por essas razões, afirmo que a questão de fundo debatida nos acórdãos paradigmas em nada se assemelha com o objeto desta Reclamação.
Ex positis, indefiro o pedido de cautelar, mantendo-se os efeitos do Acórdão objeto desta Reclamação proferido pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás.
Comunique-se o conteúdo desta decisão às autoridades reclamadas. Na mesma oportunidade, solicitem-se informações, que devem ser prestadas no prazo de dez dias. Após, ao Ministério Público Federal para se manifestar.
Publique-se. Int..
Brasília, 21 de junho de 2013.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Vencido
o impasse preambular, passa-se à perquisição fenomenológica
específica da temática.
Na
visão de MAFRA [2013, p. 23.] o Brasil apresenta um baixíssimo
índice de adimplemento das decisões dos tribunais de contas,
quando, citando o TCU [TCU, 1999, p. 47], alude um percentual
que se move entre 0,5% a 1% do montante das condenações impostas
pelo próprio TCU .
Daí,
resulta um aumento imponente aumento do chamado custo de transação14.
Nesse diapasão, referenda MAFRA a preocupação de Borges de
Carvalho (2003, p. 206; apud MAFRA, 2013), que se revela na
seguinte expressão:
[...] há de ser feita a pergunta: quem se responsabiliza pela execução do título executivo, na hipótese de inadimplência do devedor? O Município. Ora, torna-se muito provável, então, que fixada multa pelo TCM ao Administrador, seja ele o próprio responsável - enquanto chefe do Executivo municipal - pela exigibilidade da mesma em Juízo. E o que dizer se a sanção foi imposta ao Presidente da Câmara quando este é aliado, de longas datas, do prefeito? Mais uma vez, como de fato ocorre, dificilmente haverá pagamento ou, ainda, este será procrastinado ao máximo. A sabedoria popular sempre alertou aos perigos de conferir à raposa a responsabilidade pela guarda do galinheiro [...].
Aqui,
resta clara a questão da eficiência e da eficácia da execução
das decisões das cortes de contas, momento em que afeta diretamente
os detentores de poder na municipalidade.
Uma
questão importante sobre as condenações dos TCs levanta Leon
Frejda Szklarowsky [1998], como segue:
As decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de debito ou multa têm eficácia de título executivo, de conformidade com o § 3º do artigo 71 da Constituição da República. Assim, não há que se inscrever como dívida ativa, para a constituição do título executivo, porquanto este deriva da própria Carta Política.
Em face dos artigos 75, 25, 29 e 32 da Constituição, que manda aplicar, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os princípios estabelecidos nesta Carta, as decisões de Tribunais ou Conselhos de Contas estaduais e municipais carecem de inscrição, para constituição do titulo executivo. (10)
A inscrição, como dívida ativa, cria o título, mas essas decisões já se constituem em título, por que assim quer a Carta Política, prescindindo então daquele ato.
[…]
O sujeito ativo da execução fiscal está descrito, de forma exaustiva, no artigo 1º da LEF, regendo esta a execução judicial para a cobrança da dívida ativa Fazenda Pública, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Dessas
lições, se toma que a decisão prolatada pelo TC é um título
executivo por força de dispositivo constitucional, porquanto
prescinde de inscrição na dívida ativa e que o sujeito ativo da
execução dessas decisões é respectivamente a União, o
Estado e o Município.
Feitas
essas considerações, resta analisar a questão do objeto principal
e do objeto acessório da condenação aqui analisada.
-
Principal
Quanto
ao principal, é entendimento pacífico na doutrina, que este
é devido ao ente público prejudicado pela irregularidade, por
se constituir numa depredação patrimonial, porquanto
imprescindível e legítima a restauração dessa depredação.
Entrementes,
no caso específico da municipalidade e da corrosiva a arraigada
impregnação corruptiva de suas estruturas políticas e
administrativas, há tendências na jurisprudência e na doutrina,
que não autoriza oportunizar a entrega dos frutos pecuniarius
das condenações, mesmo quando em resultado de depredação
patrimonial da urbe.
Nesses
casos, com alicerces nos princípios constitucionais da
Eficácia, da Eficiência e da Efetividade na Administração
Pública, como ponto nodal , entende-se que não se deve consignar os
haveres depredados ao agente dessa depredação, mas sim ao
ente público que estatuiu o órgão prolator da decisão,
nomeadamente o ente federado.
Nessa
linha de pensamento, é de fundamental importância explorar o
conceito dinâmico de irregularidade, que na visão de Costa
[2012. p. 8] não é estático e imodificável .
Ele ainda leciona:
Uma irregularidade será sanada ou insanada em um momento e sob circunstâncias perfeitamente definidas, podendo sua qualidade alterar-se em momento ulterior, quando novamente verificada.
Veja-se, por exemplo, o caso de um presidente de Câmara, condenado a ressarcir os cofres públicos dos valores por sessões indevidamente pagas aos vereadores de sua edilidade. Não recolhida a importância até o julgamento de suas contas de gestão o Tribunal de Contas, certamente terá subsídio para pronunciar-se pela sua rejeição. Haverá uma irregularidade insanada. Porém, nada impede que o edil venha a quitar a dívida, suprindo a falha, que passa ao campo das irregularidades sanadas, bastando ao Tribunal certificar o fato, independente de nova decisão.
Mas, o que seriam irregularidades insanadas? Ou sanadas? Qual seu traço diferenciador?
Ora, parece-nos claro que em procedimentos de análise de contas irregularidades insanáveis são tão somente aquelas anormalidades que tenham gerado dano ao erário. (Destaquei)
Essa
sedição nos leva a questionar sobre quem realmente restou
lesado nos casos de irregularidades e depredações do patrimônio
público. Acima, indica Costa com as melhores das propriedades como
sendo o Erário Público o lesado. Porquanto não é o Ente, como no
exemplo supra referido, a Câmara Municipal.
Desse
pressuposto, urge que se diligencie pesquisas e estudos no intento de
desenvolver teses, que promovam a quebra de paradigmas e
vivifiquem a construção de novo entendimento jurisprudencial em
direção à pacificação do acolhimento da lesão do erário nos
casos de depredação do patrimônio público por
irregularidades constatadas pelos órgãos de controle da ação dos
agentes e gestores públicos, em desfavor do atual entendimento,
para uma lesão ao ente público.
Perspectivas
Dialéticas
Dentro
da ambiência circundante à formulação de dimensões dialéticas
rumo a formulação de teses que venham a encorajar o surgimento de
uma nova postura jurisprudencial em prol da necessidade e
obrigatoriedade do crédito do principal em favor do Estado, passa-se
a discutir alguns relevantes pontos de convencimento judicial, à
luz da melhor transcendência dialética.
Ao
estudo otimizado do conceito de erário público facilmente
divisa-se uma abrangência bem maior que leva a um intimo liame
ao conceito de Estado em si, menos às diversas composições
do próprio Estado ou municípios. Realizado esse ciclo,
decididamente, a questão da reparação da depredação do
patrimônio público, em especial ao nível municipal, estaria
elevada a uma dimensão de eficiência e de inteireza, posto que a
execução do principal privilegiaria o erário público estadual, ao
invés dos próprios agentes e/ou gestores depredantes do bem comum,
enquanto mandatários nivelado à planície da estrutura
estatal.
Vale
ressaltar ainda, a subsistência do Princípio da Unidade de
Tesouraria insculpido no art. 56 da Lei N.º 4.320/1964, que
estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e que assim se revela:
Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais. (Destaquei)
Decerto,
como acima cuidado, o legislador se expressa pela vedação de
'caixas especiais', mas não seria desarrazoado defender esse
princípio na materialidade aqui tratada, porquanto urge a realização
de aprofundados estudos no âmbito dessa logicidade, que melhor sirva
ao interesse do Estado na defesa da legitimidade para executar o
principal no tocante às condenações subsistente face à
corrosão do patrimônio público.
No
arrabalde da argumentação e formulação de teses em favor da
execução do principal em benefício do Estado-membro, também
vale relevar a tônica infestada pelo cognominado Princípio do
Custo de Transação, que remota de estudos sobre a natureza da
empresa, realizados pelo brilhante economista britânico Ronald
Coase [1937], laureado com o Nobel de Economia em 1991.
Esse
princípio se preocupa com a transação como conceito em si e
exprime a relevância dos direitos de propriedade - a nível de
mensuração e fiscalização - em face de bens e serviços na
ambiência de relações transacionais entre, no mínimo, dois
parceiros contratuais. Averígua, nesse contexto, a influência de
canones como o da eficiência, do menor custo de produção,
como também evoluções na realização, controle e organização
transacionais, ao mesmo tempo que enfrenta a problemática de
fenômenos inerentes aos atores transacionais como o da racionalidade
limitada, o do oportunismo e o da neutralidade de risco.
Em
síntese o Princípio do Custo de Transação se deixa
estigmatizar conforme segue:
O
modelo acima retrata possíveis atores de transações (Estado
e/ou Empresas) e indica-nos possibilidades de monitoramento do
desempenho, quando se pode mensurar a vantagem econômica
institucional e demonstrar beneficio econômico nos
casos em que os custos de transação do mercado localizar-se em
patamar superior aos internos.
No
que tange ao domínio de aplicação do Princípio do Custo de
Transação encontramos tanto o setor privado, como o setor público,
onde se destaca os mecanismos de controle social e, maiormente, a
eficácia, eficiência e efetividade dos serviços públicos;
por excelência destaca-se como área de aplicação, o singular
fenômeno endógeno conhecido como 'Custo Brasil'.
Nessa
acepção, PIMENTA [2006, p. 54] nos leciona:
Desse modo, numa análise econômica do Direito, como os agentes econômicos e as autoridades administrativas estão sujeitas a toda espécie de oportunismo e não podem prever todas as contingências a que estarão sujeitos, pois todos os envolvidos atuam sempre com o objetivo de maximizar seus próprios interesses, existe o dispêndio de tempo e de dinheiro para a constituição das relações em geral, os chamados custos de transação. (Destaquei)
Grande
relevância assume, nessa articulação, o conceito da Nova
Economia Institucional (NEI), percepção essa também tratada
por Ronald Coase em seu trabalha The Nature of the Firm e
posteriormente aperfeiçoada em 1975 por Oliver Williamson15.
Esse novel propósito cuida da análise das instituições que
conduzem o desempenho da economia, tomando como marcante, em
face à gênese e à evolução das instituições
neoinstitucionalistas, avaliar custos de transação e sua
mitigação. Nesse mister, há a utilização de três abordagens
diferentes e complementares: a teoria dos direitos de propriedade,
a teoria do agente principal e a teoria dos custos de
transação.
Na
avaliação de MAFRA [2013, p. 27], o sistema jurídico,
enquanto controle sócio-econômico, influi consideravelmente no
avanço econômico, como se pode tomar do que segue:
Portanto, segundo a Nova Teoria Institucional de Douglas North, Prêmio Nobel de Economia de 1993, nas sociedades, os custos de transação estão associados ao seu grau de desenvolvimento e derivam de sua capacidade de desenhar instituições sólidas. Quando o sistema jurídico funciona mal, a economia também tende a ir mal. Num ambiente no qual as leis não são cumpridas, as pessoas e as empresas se retraem, reduzindo os negócios, pois têm receio de prejuízo.
Se
a Nova Economia Institucional, enquanto princípio econômico
clássico sem custos de transação, operante em condições
de pleno equilíbrio e na procura da eficiência, objetivamente
poderá prestar grande serviço no encontrar destino para o principal
aqui em análise.
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Acessório
Analisando
o objeto acessório das condenações das cortes de contas, no
que toque a cognição do credor há pacífica acepção
jurisprudencial e doutrinária, que esteja destinada ao ente
público que erigiu o órgão prolator da decisão. E é na
advertência de MAFRA [2013, p. 24-25], que encontramos os
fundamentos para essa asseveração, como a seguir se pode
constatar:
Isto porque as multas se caracterizam como sanção a um comportamento ilegal da pessoa fiscalizada e, diversamente da imputação de débito/ressarcimento ao erário (em que se busca a recomposição do dano sofrido pelo ente público), há uma punição à conduta ilegítima ou irregular da pessoa fiscalizada. Logo, deve-se concluir que as multas têm por escopo fortalecer a fiscalização desincumbida pela própria corte de contas, que certamente perderia em sua efetividade caso não houvesse a previsão de tal instrumento sancionador. A solução adequada é proporcionar ao próprio ente estatal ao qual esteja vinculada a corte de contas a titularidade do crédito decorrente da cominação da multa por ela aplicada no exercício de seu mister.
Assente-se
ainda uma suposta antinomia entre os tribunais superiores sobre essa
vicissitude, mas que restou com muita cristalinidade
deslindada, como se reduz a seguir:
AgRg no RECURSO ESPECIAL No 1.181.122 - RS (2010/0031858-6)
RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUESAGRAVANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPROCURADOR : PAULO ROBERTO BASSO E OUTRO(S)
AGRAVADO : LEONEL AMORETY GORNATTI
ADVOGADO : SYLVIO CADEMARTORI NETO E OUTRO(S)EMENTAADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA EXECUTAR MULTA IMPOSTA A DIRETOR DE DEPARTAMENTO MUNICIPAL POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PESSOA JURÍDICA QUE MANTÉM A CORTE DE CONTAS.1. Em diversos precedentes esta Corte concluiu que a legitimidade para executar multa imposta a gestor público municipal por Tribunal de Contas Estadual é do próprio ente municipal fiscalizado, em razão do resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 223037-1/SE, de relatoria do Min. Maurício Corrêa (AgRg no Ag 1215704/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 2.2.2010; AgRg no REsp 1065785/RS, Rel. Min. Francisco Falcão,
Primeira Turma, DJe 29.10.2008; e REsp 898.471/AC, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 31.5.2007).
2. Contudo, a mudança de entendimento ora preconizada decorre, com todas as vênias dos que vinham entendendo em contrário, de interpretação equivocada do mencionado julgamento, especificamente em razão da redação do item 2 de sua ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3o). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto.
2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente.
3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido.
(RE 223037, Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 2.8.2002)
3. Com base no precedente da Corte Suprema, extraiu-se a exegese de que em qualquer modalidade de condenação - seja por imputação de débito, seja por multa - seria sempre o ente estatal sob o qual atuasse o gestor autuado o legítimo para cobrar a reprimenda. Todavia, após nova análise, concluiu-se que o voto de Sua Excelência jamais caminhou por tal senda, tanto assim que, no âmbito do Tribunal de Contas da União tal tema é vencido e positivado por ato administrativo daquela Corte de Contas.
4. Em nenhum momento a Suprema Corte atribuiu aos entes fiscalizados a qualidade de credor das multas cominadas pelos Tribunais de Contas. Na realidade, o julgamento assentou que nos casos de ressarcimento ao erário/imputação de débito a pessoa jurídica que teve seu patrimônio lesado é quem - com toda a razão - detém a titularidade do crédito consolidado no acórdão da Corte de Contas.
5. Diversamente da imputação de débito/ressarcimento ao erário, em que se busca a recomposição do dano sofrido pelo ente público, nas multas há uma sanção a um comportamento ilegal da pessoa fiscalizada, tai como, verbi gratia, nos casos de contas julgadas irregulares sem resultar débito; descumprimento das diligências ou decisões do Tribunal de Contas; embaraço ao exercício das inspeções e auditorias; sonegação de processo, documento ou informação; ou reincidência no descumprimento de determinação da Corte de Contas.
6. As multas têm por escopo fortalecer a fiscalização desincumbida pela própria Corte de Contas, que certamente perderia em sua efetividade caso não houvesse a previsão de tal instrumento sancionador. Em decorrência dessa distinção essencial entre ambos - imputação de débito e multa - é que se merece conferir tratamento distinto.
7. A solução adequada é proporcionar ao próprio ente estatal ao qual esteja vinculada a Corte de Contas a titularidade do crédito decorrente da cominação da multa por ela aplicada no exercício de seu mister.
8. "Diferentemente, porém, do que até aqui foi visto, em se tratando de multa, a mesma não deve reverter para a pessoa jurídica cujas contas se cuida. Nesse caso, deve reverter em favor da entidade que mantém o Tribunal de Contas." (Jorge Ulisses Jacoby Fernandes in Tribunais de Contas do Brasil – Jurisdição e Competência).
9. Não foi outra a solução preconizada pela próprio Tribunal de Contas da União, por meio da Portaria n. 209, de 26 de Junho de 2001 (BTCU n. 46/2001), relativa ao Manual para Formalização de Processos de Cobrança Executiva, no qual se destacou que "a multa é sempre recolhida aos cofres da União ou Tesouro Nacional". Em seguida, por meio da Portaria-SEGECEX n. 9, de 18.8.2006, também relativa ao Manual de Cobrança Executiva (BTCU n. 8/2006), a Corte de Contas da União dispôs:
A multa é sempre recolhida aos cofres da União ou Tesouro Nacional e sua execução judicial está sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da União/AGU.10. Logo, mesmo nos casos em que a Corte de Contas da União fiscaliza outros entes que não a própria União, a multa eventualmente aplicada é revertida sempre à União - pessoa jurídica a qual está vinculada - e não à entidade objeto da fiscalização.
11. Este mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação aos Tribunais de Contas Estaduais, de modo que as multas deverão ser revertidas ao ente público ao qual a Corte está vinculada, mesmo se aplicadas contra gestor municipal.
12. Dessarte, a legitimidade para ajuizar a ação de cobrança relativa ao crédito originado de multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte - in casu, o Estado do Rio Grande do Sul -, que atuará por intermédio de sua Procuradoria.13. Agravo regimental provido.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO No 1.138.822 – RS (2010/0094923-2)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
EMBARGANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR: PAULO ROBERTO BASSO E OUTRO(S)
EMBARGADO : LUIZ PEDRO BONETTI
ADVOGADO : LEONARDO ZANELLA BONETTI E OUTRO(S)
EMENTAADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MULTA APLICADA POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL A GESTOR MUNICIPAL. RECEITA DO ENTE FEDERATIVO A QUE SE VINCULA O ÓRGÃO SANCIONADOR. LEGITIMIDADE DO ESTADO PARA AJUIZAR A COBRANÇA.
1. A controvérsia diz respeito à titularidade da cobrança de crédito decorrente de multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas estadual. O acórdão embargado consignou que a cobrança compete ao próprio município, enquanto o paradigma entende que a legitimidade para a execução é do Estado a que se vincula a Corte de Contas.
2. Ambas as Turmas da Primeira Seção adotavam o mesmo posicionamento, no sentido do acórdão embargado, até o julgamento do REsp 1.181.122/RS, no qual a Segunda Turma reviu sua jurisprudência.
3. Devem-se distinguir os casos de imputação de débito/ressarcimento ao Erário – em que se busca a recomposição do dano sofrido, e, portanto, o crédito pertence ao ente público cujo patrimônio foi atingido – dos de aplicação de multa, que, na ausência de disposição legal específica, deve ser revertida em favor do ente a que se vincula o órgão sancionador.
4. Não foi outra a solução preconizada pelo Tribunal de Contas da União, em cujo âmbito as multas, mesmo que aplicadas a gestores estaduais ou municipais, sempre são recolhidas aos cofres da União.
5. Este mesmo raciocínio deve ser aplicado aos Tribunais de Contas estaduais, de modo que as multas deverão ser revertidas ao ente público ao qual a Corte está vinculada, mesmo se aplicadas contra gestor municipal.
6. Dessa forma, a legitimidade para cobrar os créditos referentes a multas aplicadas por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte – na espécie, o Estado do Rio Grande do Sul –, por intermédio de sua Procuradoria.
7. Embargos de Divergência providos. (Destaquei)
A
importância do acessório para a Fazenda Pública é de extrema
importância, não só pelo peso moral e ético da medida, como pelo
volume a ser arrecadado, que por crédito a relato da imprensa,
somente no primeiro semestre deste ano, alcançou o valor de R$
41,7 milhões em multas.16
Em recente levantamento, o Tribunal de Contas dos Municípios do
Ceará (TCM) constatou que todos os 184 municípios possuem gestores
com contas desaprovadas com um total de 4.115 gestores condenados.
5.
Construção de Jurisprudência
A
PGE do Rio Grande do Sul contribui incisivamente, há já
bastante tempo, para a quebra de paradigmas e para o
desenvolvimento de teses que sustentem o interesse do
Estado-federado. Aqui, têm os gaúchos empenhado-se num
trabalho empírico-experimental rumo à construção de
novel entendimento jurisprudencial, que atenda aos novos desafios
da atualidade governamental e administrativa.
Como
sabido, o Direito é uma área essencialmente fundada na dinâmica
dialética e exige de seus profissionais uma versalidade, uma
atualidade extrema e completude nos esforços de reengenharia das
proposituras e teses, seguindo as evoluções do tempo e as
intempéries dos enfrentamentos sociais e políticos.
Seguindo
esse emblema a PGE-RS, logo que surgiu a dissensão sobre a
competência para executar as multas aplicadas por TCM, em sede de
Embargos de Divergência (n.º 1.138.822) induz o STJ ao
reconhecimento da legitimidade do Estado para a execução das
referidas multas.17
IV.
Conclusão
Fonte: Internet. |
A
competência da PGE para executar o obulus das condenações
do TCM, ainda não chegou, em nível de STF, à cristalinidade,
embora esteja sobejamente pacificado no STJ. Dessa forma, há ainda
um vigoroso esforço a inferir no intento do nítido império
jurisprudencial privilegiando o interesse do Estado.
Impende
assinalar deste ensaio que a PGE também deve contribuir
decisivamente, incorporada da essência oriunda da estruturação
do Estado Democrático de Direito, para garantir à sociedade
uma evolução em direção à transparência e para corroborar
o poder sancionatório em face dos agentes públicos, que não
atuam em consonância com os fundamentos insculpidos na
Constituição Federal. Nesse sentido, deve a PGE vislumbrar
novos horizontes, com o uso da dialética, para, por exemplo,
produzir entendimento jurisprudencial, com alicerces
nos princípios constitucionais da Eficácia, da Eficiência
e da Efetividade na Administração Pública, em favor da
legitimidade do Estado para cobrar o principal, até quando o
ente prejudicado é a municipalidade.
Imprescindível
se evidencia um cooperação estreita da PGE com todos os órgãos de
controle e de julgamento tanto a nível estadual, bem como a
nível federal e municipal, em qual entorno possa esgueirar-se
qualquer interesse patrimonial do Estado, em especial, em
relação aos seguinte órgãos: TCU, TCE, TCM, MPF, MPE,
Procuradoria de Contas, Justiça Federal e Justiça Estadual.
Summa
maxima, os desafios pelos quais o Estado perpassa na
contemporaneidade exige a urgente composição de uma Célula de
Pesquisa e Desenvolvimento com a incumbência de desenvolvimento
de teses, de reengenharia de proposituras sistemáticas novas e de
quebra de paradigmas anosos, que venham enfrentar, com sucesso, os
impasses jurídicos atuais com mais eficiência e qualidade, bem
como, erigir produção de exímio trabalho empírico-experimental na
ambiência do eficaz amparo das teses mais benéficas ao Estado,
rumando à construção de novas jurisprudências benignas
aos seus interesses nupérrimos, até mesmo os efêmeros e, em
especial, os de grande expressão social.
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11:00.
Fale com o autor.
Para citar este
documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Pontes, Acelino: Procuradoria Estadual: Competência para Execução de Acessório. Praxis
Jurídica, Ano III, N.º 03, 09.05.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível
em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/06/procuradoria-estadual-competencia-para.html>. Acesso em:
1As
decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa
terão eficácia de título executivo.
2BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Processo ADIN n. 789-1. Relator: Min.
Celso de Mello, Diário de Justiça, Brasília, dez 1994
3BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Processo RE 223.037/SE. Relator: Min.
Maurício Corrêa. Diário de Justiça, Brasília, 05 dez.
2010.
6Fonte:
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/institucional/conheca_tcu/historia.
Acesso 04.08.2014 12:49.
8http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2007/01/22/ult4294u21.jhtm.
Acesso: 08.08.2014 10:30.
11http://www.tcm.ce.gov.br/site/institucional/noticias/2014/materia50.php#.U9EasyS—js.
Acesso: 08.08.2014 10:50.
14Fenômeno
coadunado a gasto com o controle, monitoramento e demais afincos
definhados para propelir os agentes e gestores públicos a cumprirem
com seus deveres.
15Oliver
E. Williamson: Die ökonomischen Institutionen des Kapitalismus.
Mohr (Paul Siebeck), Tübingen 1990.
16http://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2013/10/19/noticiasjornalpolitica,3149099/cobranca-de-multas-do-tcm-mudara-para-que-gestores-paguem.shtml
17http://www.pge.rs.gov.br/noticia.asp?ta=5&cod_noticia=3402
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