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Fonte: Pinterest. |
Acelino
Pontes
ex-Max Planck-Institut für Hirnforschung, Köln.
Estudos do Direito, Filosofia, Física, Matemática, Medicina, Psicologia e
Teologia;
em
Berlin, Fortaleza, Köln
[Colônia], Lisboa e em München
[Munique].
Sumário
A presente
abordagem sobre a Prova Diabólica demarca inicialmente a
definição do conceito numa visão comparada no âmbito
internacional. Daí, se passa a verificar a aplicação desse
instituto em prol do hipossuficiente, exemplificada em diversas áreas
do direito, perpassando a relação consumerista, econômica,
penal, no trânsito, administrativa, ambiental, na anistia política,
trabalhista e securitária. A aplicação em desfavor do
hipossuficiente resta elucidada na práxis do entorno eleitoral,
tributário, da responsabilidade civil e administrativo. Dá-se
um relevo especial na confrontação da Condenação Branca,
referente à absolvição penal 'por falta de prova', em
cotejo à sua utilização no processo cível, vista como ferimento
dos direitos naturais e fundamentais do homem e da sociedade,
assim como do postulado constitucional da presunção da
inocência, do direito da personalidade e da dignidade humana.
Palavras
Chave: Prova Diabólica – Teoria Dinâmica - Condenação Branca –
Presunção de Inocência - Direito da Personalidade.
-
Introdução
Perpassando
a problemática da prova e suas constituições vislumbramos a
ostentação de três características fáticas: a controvertida, a
relevante para a causa e a determinada, mas que,
nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu o de provar os fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do autor. Ainda, ao réu cabe assumir dois ônus, sendo eles: o de provar a inexistência do fato colocado ou de provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. [RIBEIRO JUNIOR, 2010]
Entretanto,
há casos em que a prova se mostra extremamente difícil - ou até
impossível – de ser constituída
e há casos de prova negativa, que não se pacificam nessas
alternativas e conceituações dispostas no Codéx
Processual. Essas situações são indicadas pela doutrina e pela
jurisprudência como Probatio
diabolica, entendidas
sob a égide de teoria dinâmica da distribuição do onus
probandi.
Esse
fenômeno já perpassa todo o ambiente jurídico e encontra na
inversão do ônus da prova uma âncora, que nem sempre saneia as
questões envolvidas na manifestação prática da problemática.
Aqui, se ressalte com ênfase a prova negativa de fato indeterminado,
que deixa transparecer toda a complexidade do evento.
Importante
ressaltar, que na área criminal esse fenômeno fulmina a
chamada presunção de inocência, consagrada pelo artigo 5º, inciso
LVII, da Constituição Federal, produzindo uma verdadeira Condenação
Branca
com o embasamento da absolvição por falta de prova.
1a.
Justificativa
A
complexidade do Direito traz aos seus operadores novos desafios, que
urgem por soluções atuais e que exigem a formulação de uma
metafísica jurídica, que atenda à finalidade última do direito. A
complexidade da hodiernidade exige do Direito uma adequação e
formulação de soluções, que ofereçam à sociedade a plenitude na
garantia dos direitos do jurisdicionado.
Dentre
esses desafios se encontra o repto da prova diabólica, que insta por
uma solução e adequação doutrinária, viabilizada por uma análise
profunda e transcendente, sem que, ao entendimento de Spinoza,
se afaste da imanência jurídica.
A
probatio diabolica tem suas raízes no processo inquisitório
medieval e não pode prevalecer no nosso ordenamento jurídico com os
efeitos, que apresentava nessa época de trevas. Em sobrepujando, que
o faço, sem causar detrimento a um processo dialético e formal, a
favor do hipossuficiente.
1b.
Objetivos
Numa
fase preliminar, ideologicamente e a partir da análise da
jurisprudência e da doutrina
procura-se, sob abrangência teleológica, estabelecer vínculos de
conteúdo e de método, para conectar uma visão de congruência
epistemológica, que articula necessitude e práxis do uso da
prova segundo a teoria dinâmica.
Ao
estudo dos sistemas de formação e de especialização, que permeiam
e viabilizam todo o processo do uso da prova em todo o ambiente do
direito, se procura encontrar acosto acadêmico e jurisdicional para
justificar e possibilitar a aplicação da teoria dinâmica em favor
e em desfavor do insuficiente.
Por
fim, a título de objetivo específico, se faz inevitável um estudo
pontual de situações e aplicações das teorias estática e
dinâmica e sua reengenharia à luz dos princípios defendidos na
doutrina e na jurisprudência,
que se possa aplicar na situação especializada e sua problemática.
Dentro dessa problemática se dará ênfase à avaliação crítica e
ontológica da institucionalização judicial do aqui apontado como
fenômeno da Condenação Branca.
1c.
Metodologia
No
presente estudo aplica-se método qualitativo com abordagem
descritiva, interpretativa, observacional, analítica de dados por
acesso ao respectivo ambiente físico ou via internet.
Da
revisão literária se aclara e se remata conceitos essenciais para o
manejo do estudo, identificando embasamento para o desenvolvimento do
trabalho. Daí também se consubstancia aspectos e perspectivas de
reconhecida dessuetude no convencional da matéria em empenho.
Na
computação de dados e na análise de conteúdos referentes a
jurisprudência, doutrina e legislação, o uso da ferramenta
‘internet’ será de importância prima, em especial por
conferir ao corolário
analítico a qualidade de atualidade instantânea.
Ao
destilar o procedere metodológico sequencial, será realizado
o estudo das principais correntes de
entendimento jurídico-filosófico na espécie.
Se
parte
então
para
o
estudo
crítico
de exemplos específico da
aplicação do conceito probatio diabolica,
com o propósito de retratar aspectos de congruência
teleológicas com a problemática contemporânea, para concluir que
espécies e qualidades de implementações se fazem necessárias, mas
não sem antes propor uma metafísica jurídico-filosofica aplicável
à questão.
-
Problematização
2a.
Conceito
O
fenômeno da Prova
Diabólica
é conhecido no Direito Internacional pela denominação latina de
Probatio diabolica, sempre no sentido da exigência da
apresentação de uma prova impossível ou da negativa indeterminada
[CARPES, 2008]. Em alguns países essa prova recebe também alguma
característica específica:
-
Devil’s proof [2012] (inglês): com o significado genérico de prova impossível, mas com estreita ligação com a ferramenta da inversão do ônus da prova.
-
Teuflischer Beweis [2011] (alemão): mormente aplicado na relação patrimonial.
-
Prueba inquisitorial [2011] (em espanhol): como já o nome aduz, nesse fenômeno se vislumbra uma intimidade com os processos da Inquisição e com o Antigo Regime espanhol, onde a presunção da inocência “e, muitas vezes incorriam em absurdos lógicos dos quais os acusados não podiam se livrar (por exemplo, se você confessar, você é culpado, se você não confessar, nem mesmo sob tortura, é porque o diabo lhe deu força para suportá-la e, portanto, também é culpado)” [Ibid.].
-
Prova del diavolo [2011] (italiano): esse instituto é utilizado no direito italiano no âmbito do direito patrimonial, especificamente nas ques-tões de usucapião.
No
direito brasileiro a
Prova diabólica é a chamada prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida, como a prova de fato negativo, sendo que tal problema reside na prova do fato negativo indeterminado, pois, salvo melhor juízo, não há como provar, por exemplo, que alguém nunca trabalhou para determinado empregador. [D'Andrea et alia, 2008]
Entrementes,
há grande divergência na abordagem doutrinária da aplicação
desse instrumento, já por demais recorrente nos nossos tribunais.
Revela-se daí uma corrente expressiva, que ver na teoria dinâmica
um obstáculo ao direito fundamental e ao processo justo [CARPES,
2008].
2b.
Aplicação a favor do hipossuficiente
O
embasamento do ônus da prova à luz do Codex processual
pátrio adota duas teorias: a estática e a dinâmica. Enquanto a
estática amarra o onus probandi a quem alega, a
dinâmica onera quem puder suportar. Em geral, a teoria estática
domina no nosso ordenamento jurídico [AZÁRIO, 2006], mas há várias
exceções, onde o emprego da teoria dinâmica se reveste de grande
relevância, isso sem desprezo da visão solidarista1,
apontada por AZÁRIO [op. Cit., p. 119] e defendida pelo
jurista argentino Augusto Mario Morello2.
a.Direito
do Consumidor
Notadamente,
a teoria dinâmica é aplicada nas relações consumeristas
[GUILHERME, 2010], eximindo assim, o consumidor da produção da
Prova Diabólica.
Nesse
sentindo, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela aplicação
da teoria dinâmica no Direito do Consumidor, com o fundamento de que
a prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a chamada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afastava-se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Destarte, compete à Instituição que promoveu o ato demissionário demonstrar a inexistência de motivação política.3
Dessarte,
o Código de Defesa do Consumidor aponta como situação de prova
diabólica a dois momentos no bojo de seu texto, conforme tomamos
abaixo:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[...]VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;[…]Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
b.Direito
Econômico
A
literatura aponta uma “situação anacrônica atual em relação
à fraude de execução” [FREITAS,
2010]. Esse fato se dá pelo seguinte:
O Superior Tribunal de Justiça, em 20/03/2009, editou a Súmula 375 que prevê: “o reconhecimento da fraude de execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” [Ibid.]
Com
a exigência de prova de má-fé entende FREITAS, que está
substanciada a produção de Prova Diabólica, dificultando assim o
reconhecimento da fraude de execução. Mas, como o próprio autor
indica, essa súmula surgiu no trato com julgados específicos em
casos de fraude contra credores, que, na sua ótica, embora
semelhantes, são institutos díspares. Daí, conclui FREITAS, que
tal mescla acabou por desvirtuar a realidade do reconhecimento judicial da fraude. [Ibid.]
c.Direito
Penal
Aqui
se apresenta um exemplo de Prova Diabólica encontrado em apaixonada
crítica formulada por um procurador de Justiça no Rio Grande do
Sul, que embora seja favorável ao hipossuficiente, certamente será
difícil de enquadrá-lo em ambiente ético. Antes, de entrarmos no
objeto, gostaríamos de revelar uma ideia do animus do autor
ao formular a citada crítica, através da citação de um trecho do
texto:
Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie equívocos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do ministro Luiz Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo J’accuse, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a injustiça cometida contra o capitão Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado como Zola. [STRECK, 2011]
A
partir daí STRECK
aponta uma série de supostos equívocos praticados pelo Ministro Lux
(STF). Em determinado momento ele aponta o uso da teoria da actio
libera in causa,
na concessão de um Habeas
corpus.
Segundo a teoria da actio
libera in causa
(ação livre na causa) “considera-se
imputável quem se põe em estado de inconsciência ou de
incapacidade de autocontrole, seja dolosa ou culposamente, e nessa
situação comete o crime”
[RAMOS, 2005]. Essa teoria é fundada na expressão da
responsabilidade penal objetiva, que foi abolida com o advento da Lei
7.209, de 11.7.1984, que produziu a reforma da Parte Geral do Código
Penal.
Pelo
relato do procurador, o Ministro concedeu o Habeas Corpus
invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto, respeitasse o STF a origem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a partir de agora, algo inusitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um crime”. Prova, pois, diabólica. Impossível de se fazer. Aliás, nunca houve no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa não é um princípio. E tampouco é uma regra. Nem mais se estuda essa tese nas salas de aula. Porém, o ministro Fux proferiu um belo voto. Pergunto: e os efeitos colaterais dessa decisão? [STRECK, 2011]
d.Direito
do Trânsito
Em
ação agravo de instrumento (nº
83474/2011) e afirmando “que
cabe aos órgãos de trânsito e não ao motorista a demonstração
das notifica-ções de infrações de trânsito”,
a 4.ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso concedeu tutela
por unanimidade ao autor. A decisão foi fundamentada nas Súmulas
nº 1274
e 3125
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme consta abaixo:
O relator da ação, desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, concordou com a argumentação da empresa de que há margem para aplicação, em caráter cautelar, da Súmula 127 do STJ quando a autoridade de trânsito propositalmente não discrimina, ao expedir o extrato do veículo solicitado pelo condutor via internet, se as infrações apuradas foram na condição de flagrância ou não, e se houve ou não a notificação do condutor. Até porque não é ônus do Impetrante/Agravante colacionar prova negativa (probatio diabólica) de suas alegações nos autos do processo, arguiu. Destarte, devem ser aplicadas as Súmulas n.º 312 e 127, ambas do Superior Tribunal de Justiça. [TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO, 2012]
e.Direito
Administrativo
No
ambiente administrativo a constituição da prova diabólica se torna
mais frequente do que em outros ramos do Direito. Mas, um dos setores
mais sensíveis é o do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
De lá tomamos o paradigma a elucidar neste estudo.
Escolhemos
o Processo de n.º 017/05 (Representação nº 54/05) que teve como
denunciado o ex-deputado federal Etivaldo Vadão Gomes (PP-SP)
representado sob a acusação de que teria infringido o art. 4º,
inciso II do Código de Ética e Decoro Parlamentar, por envolvimento
no “Escândalo do Mensalão”. O citado parlamentar, que em 2011
findou falindo a uma acusação sustentada pelo Ministério Público
de São Paulo no “Escândalo no Denacoop” [MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL(SP), 2011], foi absolvido por falta de
provas e com a seguinte motivação:
No mérito, tem-se que todas as provas produzidas neste Conselho e, particularmente, nas investigações desenvolvidas pela CPMI dos Correios, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal demonstraram não ter ocorrido qualquer tipo de quebra de decoro parlamentar pelo Deputado Vadão Gomes.O princípio constitucional reza que o direito processual penal, aplicável subsidiariamente aos processos administrativos disciplinares, estabelece que o ônus da prova compete à acusação quanto aos fatos que demonstrem a autoria e materialidade do delito.Tal disposição visa evitar que o acusado de um processo crime ou processo administrativo disciplinar como o presente, veja-se obrigado a fazer a chamada “ prova diabólica” ou de fatos negativos.[…]No caso em tela, em reforço à insuficiência de indícios simples para estear um decreto condenatório, todas as provas convergiram para a absolvição do Representado. [CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2005, p. 2-3]
Como
daí tomamos, ao contrário da práxis na área penal, onde a
jurisprudência institucionalizou a Condenação Branca,
o Direito Civil, inclusive em casos polêmicos como o acima relatado,
aplica impreterivelmente o princípio constitucional da presunção
da inocência.
f.Direito
Ambiental
O
meio ambiente está no foco das preocupações de toda a sociedade
mundial. Os países com grandes riquezas ambientais assumem assim uma
responsabilidade ímpar ante as demais, pelo ônus da preservação e
da sustentabilidade.
Na
defesa do meio ambiente os STJ inaugurou com a teoria dinâmica ao
REsp 1.049.822-RS, reconhecendo a hipossuficiência da sociedade nas
questões ambientais, que ao relato de BRAGA
[2009, p. 2] o aresto assim restou substanciado:
Resumidamente, o Superior Tribunal de Justiça se dividiu. A tese vencedora foi a encabeçada pelo relator, Min. Francisco Falcão, acompanhado pelos Mins. Luiz Fux e Benedito Gonçalves, que votaram pelo não provimento do recurso, alegando que não pode haver óbices à propositura de ações que visem a defesa de direitos fundamentais, pois a responsabilidade ambiental é de interesse público e a sociedade é hipossuficiente, motivo pelo qual deve ser transferido ao empreendedor o ônus da prova de que sua conduta não gerou riscos ambientais, em atenção aos princípios da precaução e da prevenção.
g.Anistia
Política
Outra
situação em que o Direito pátrio aplica a teoria dinâmica se
refere às demanda no âmbito da Anistia Política conforme pontifica
o artigo 8º do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias,
ad litteram:
Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos:[Omissis]§ 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º. (Destaquei)
A
regulamentação dessas disposições constitucionais acima
citadas foi efetivada através da Lei nº 10.559/02, que assim se
expressa:
Art. 1.º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos:I - declaração da condição de anistiado político;[Omissis]Art. 2o São declarados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, foram:[Omissis]VI - punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, sendo trabalhadores do setor privado ou dirigentes e representantes sindicais, nos termos do § 2o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;[Omissis]IX - demitidos, sendo servidores públicos civis e empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações públicas, empresas públicas ou empresas mistas ou sob controle estatal, exceto nos Comandos militares no que se refere ao disposto no § 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;[Omissis]XI - desligados, licenciados, expulsos ou de qualquer forma compelidos ao afastamento de suas atividades remuneradas, ainda que com fundamento na legislação comum, ou decorrentes de expedientes oficiais sigilosos.” (Destaquei)
Pelo
exposto, com fundamento nos dispositivos acima referidos,
assiste ao
hipossuficiente o direito personalíssimo ao reconhecimento e
declaração da condição de anistiado, desde que apresente a
relação de causalidade. Nesse sentido, vejamos o seguinte
acórdão:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PROVA DIRETA OU MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO DEMONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DEMISSÃO DO RECORRENTE. PROVA EM CONTRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. A prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao serviço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política.2. A prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a chamada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afastava-se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Dest'arte, compete à Instituição que promoveu o ato demissionário demonstrar a inexistência de motivação política.3. Na presente hipótese, o contexto da demissão do recorrente, revelado pela (I) sua participação ativa em movimentos então denominados esquerdistas ou subversivos, (II) a perseguição e a Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas demissão de pessoas próximas, inclusive familiares, (III) o forte conceito que mantinha na Universidade, sem qualquer mácula em sua conduta profissional e acadêmica, bem como (IV) o fato de ter sido anistiado pelo Ministério do Trabalho em face de sua demissão da Petrobras, demonstram a motivação política do seu afastamento dos quadros da UNB.4. Não se cuida, aqui, de mero reexame de matéria fático-probatória, realmente incabível em sede recursal especial, mas de valoração da prova, abstratamente considerada, passível de realização nesta instância.5. A questão da prova direta não é a nuclear no processo de anistia e nem mesmo constitui o fulcro do pedido, porque em hipótese que tal a avaliação do pleito há de seguir a trilha do art. 8o. Do ADCT e da Lei 10.559/02 (Lei de Anistia), elaborada com o ânimo de pacificar o espírito nacional, aproximar os contrários e instalar o clima de recíprocas confianças entre grupos d'antes desentendidos.6. Recurso Especial conhecido e provido." (REsp 823122/DF, 5.ª Turma, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ de 18/02/2008.) (Destaquei)
h.Direito
do Trabalho
No
direito trabalhista o ônus da prova está sempre a cargo do
empregador, pela sua reconhecida hipersuficiência ante o contratado.
Nesse ambiente, a inversão do ônus probatório é por demais
relevante em se trata de acidente do trabalho.
Como
cediço, em casos de descumprimento de normas de segurança por parte
do empregado, eximirá o empregador do ônus indenizatório. Com o
advento da lei n.º 11.430/2006 não mais estará o trabalhador com o
ônus de provar o nexo causal em acidentes e incapacitações, mas
sim na incumbência do empregador comprovar que eventuais acidentes
ou incapacidades não são decorrentes da(s) atividade(s)
desenvolvida(s) pelo empregado no ambiente de trabalho [PONTES,
1990].
Ainda
no âmbito trabalhista, deve-se realçar o Princípio da Não
Discriminação ancorado na “Constituição Federal, em especial
os arts. 3º, IV, 5º, caput, XLI e XLII, e 7º, XX, XXX, XXXI e
XXXII; e em vários diplomas legais brasileiros, como na Lei nº
9.029/95, que se aplicam, em especial, às relações de emprego”
[CHEHAB, 2010, p. 53]. O mesmo autor, escorado no texto da Convenção
nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, define
discriminação como “toda distinção, exclusão ou
preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião
política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito
anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no
emprego ou profissão” [Ibid.].
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Fonte: Internet. |
i.Direito
Securitário
Na
matéria de cobertura de seguro de vida em casos de suicídio, o
Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo de Instrumento de
n.º 1.244.022/RS, inovou com recente interpretação do caput do
art. 7987,
momento em que
prevaleceu o entendimento apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, no sentido de que o suicídio cometido durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, período de carência, a seguradora só estará isenta do pagamento da indenização securitária, se comprovar que o ato do segurado foi premeditado. [MARENSI, 2011]
Conquanto,
seja o setor securitário também atingido pela legislação
consumerista, é de grande validade tratar essa matéria motu
proprio, pelo fato
de a questão de mérito ser de grande proeminência, pois toca
direito fundamental e natural, qual seja, o direito à vida. Demais,
o fato da seguradora ficar obriga a provar se “o
segurado teria premeditado, ou não, o suicídio quando da
contratação do seguro de vida”
[ibid.],
certamente vai gerar grande polêmica na jurisprudência, com maior
propriedade ainda, na doutrina.
Se
nos enveredarmos na jurisprudência, pelo que se toma da ementa a
seguir exposta, estar de permeio o princípio da presunção da
boa-fé e resta clara a aplicação da teoria dinâmica no presente
caso, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO COMETIDO DENTRO DO PRAZO DE 2 (DOIS) ANOS DE INÍCIO DE VIGÊNCIA DA APÓLICE DE SEGURO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO. ART. 798 DO CC/2002. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIPLOMA CIVIL. PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DA PREMEDITAÇÃO PARA AFASTAR-SE A COBERTURA SECURITÁRIA. PRECEDENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL. ANÁLISE DE PROVAS. AFASTADA A PREMEDITAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Nas razões do recurso especial, não foi evidenciada de que forma o acórdão recorrido teria vulnerado os arts. 130, 330, 331 e 332 do CPC. Incidência da Súmula 284/STF.2. A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve ser feita de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da redação da nova codificação civil.3. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por sí só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à Seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência.4. "O artigo 798 do Código Civil de 2002, não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária." (REsp 1077342/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Terceira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 03/09/2010).5. Não há falar-se em violação ao art. 333, I, do CPC, uma vez que, nos termos do precedente citado, compete à Companhia Seguradora a prova da ocorrência de premeditação no suicídio ocorrido nos primeiros dois anos de vigência do contrato, para se eximir do pagamento da cobertura securitária contratada.6. Na hipótese, a Corte Estadual expressamente consignou que os elementos de convicção dos autos evidenciam que o suicídio não foi premeditado. Entender-se de forma diversa demandaria necessária incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, com o consequente reexame de provas, conduta vedada em sede de recurso especial, ante o óbice previsto na Súmula 7/STJ, consoante afirmado na decisão ora agravada.7. Agravo regimental a que se nega provimento.
Com
essa decisão, entendeu o STJ que a má-fé, in
casu, reclama
por comprovação,
em contrário se aplicará o que pontificam as súmulas 1058
do STF e 619
do STJ.
2c.
Aplicação em desfavor do hipossuficiente
Neste
tópico veremos exemplos de casos em que a carga probatória dinâmica
onera o hipossuficiente.
a.Direito
Eleitoral
Recentemente,
o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fixou o prazo de 180 dias,
após a diplomação do candidato, para os procuradores eleitorais
ingressarem com ações na Justiça contra doadores ilegais.
Analisando essa questão, a Vice-Procuradora-Geral eleitoral, Sandra
Cureau, lamentou a decisão em entrevista exclusiva à Folha, assim
se pronunciando:
Vou recorrer sim. Foi uma decisão judicial. Vou ter que basear o recursos na quebra do princípio da segurança jurídica e da anterioridade. Não existe prazo fixado na lei. Se o tribunal resolver fixar um prazo tem que ser para as próximas eleições. Não havia dispositivo legal que havia prazo para entrar com a ação. O tribunal mandou muito tempo depois os dados. É uma prova diabólica, não tem como fazer uma prova dessa. Vamos perder todas as ações e, consequentemente a lisura do processo eleitoral vai ficar muito abalada. [CUREAU, 2010]
b.Direito
Tributário
Tramita
no Congresso Nacional o PLP 469/2009, no intuito de atualizar o
Código Tributário Nacional, no que se refere às possibilidades de
responsabilização tributária dos sócios e administradores. A
respeito ao artigo 134/CTN, a propositura manufatura a inversão da
chamada presunção de inocência, consagrada pelo artigo 5º, inciso
LVII, da Constituição Federal, concebendo a heteróclita
necessidade de provar o que já prognosticado à suficiência pela
própria Constituição, a boa-fé.
Porquanto,
a modificação proposta intenta a transferência do ônus tributário
das sociedades para seus sócios, gerentes e assemelhados, conforme
se toma abaixo:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, pelo contribuinte, respondem subsidiariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de forem responsáveis: (...) VIII. o administrador ou gestor que: a) deixar de provar que empregou, no exercício de sua atividade, o cuidado e a diligência que se costuma dispensar à administração de negócios, cumprindo com o dever de diligência que a lei lhe incumbe. [CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2009]
Resta
cristalina a subsistência da prova diabólica nesse dispositivo, já
que o futuro ditame legal obriga a hipossuficiente por demonstrar que
não praticou alguma conduta imprevisível, que é algo impossível
e, numa inversão, até aqui, não acolhida pela jurisprudência
pátria.
c.
Responsabilidade Civil
Um
ambiente extremamente sensível tomamos de CARPES [2008, p. 96-97],
conforme segue:
Outro exemplo de probatio diabolica é encontrado nas ações de responsabilidade civil por erro médico. Em tais casos, é a vítima e, portanto, a parte autora, quem normalmente se encontra na condição de hipossuficiente em relação ao médico, pois é pessoa leiga na medicina, de sorte a não conhecer, por exemplo, quais os métodos existentes, por exemplo, para a realização de uma simples cirurgia de catarata ou quais os exames são necessários para a realização de uma cirurgia de redução de estômago.Evidentemente existe dificuldade na produção da prova da culpa do médico, não apenas quanto ao contexto da sua culpa, mas também quanto à caracterização dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, como a ocorrência do dano e o nexo de causalidade. A vítima normalmente encontra-se em posição afastada das provas que serviriam para demonstrar a ocorrência dos fatos constitutivos da responsabilidade do profissional, pois os dados relativos ao acompanhamento da enfermidade encontram-se nos prontuários médicos, na posse do próprio profissional ou da clínica em que trabalha. Não raro, é o médico que também acaba retendo os exames, circunstância que, por óbvio, também dificulta o acesso à prova. Sem falar no ato cirúrgico em si, momento em que, no mais das vezes, a vítima se encontra sedada, o que lhe impede de observar as circunstâncias em que se deu o evento danoso, nem as pessoas que o testemunharam. A dificuldade na produção da prova é evidente, o que a torna uma autêntica probatio diabolica.
O
exercício da medicina é geralmente tida como atividade-meio,
porquanto subjugada á responsabilidade civil subjetiva. Somente, no
ambiente da cirurgia plástica se encontra na jurisprudência a
aplicação da caracterização de atividade-fim, acarretando assim o
princípio da responsabilidade civil objetiva.
Porém,
não raro, há casos na relação médico-paciente, em que o paciente
está absolutamente impossibilitado de produzir provas, em especial,
quando essa produção depende de conhecimentos médico-científicos
específicos, com maior propriedade ainda, quando o paciente não
está em poder de todas as suas faculdades, como no acima citado
exemplo da sedação ou o da anestesia geral.
c.
Processo Administrativo
A
presunção da inocência deveria ter idêntica aplicação tanto no
processo civil quanto no processo penal. Mas, essa premissa não
encontra ressonância na práxis do direito pátrio, como verifica-se
a seguir:
Embora os conhecidos conceitos de presunção absoluta (praesumptiones juris et de jure) e de presunção relativa (praesumptiones juris tantum) sejam comuns a ambas as esferas, deve-se notar que a lei civil e a lei penal tratam da presunção em geral de maneira sensivelmente diversa.Na esfera civil, basta folhear o atual Código para encontrar algumas situações específicas em que é permitido, de maneira expressa, o uso da presunção: presunção de morte simultânea daqueles que falecem na mesma ocasião, quando não é possível determinar se um morreu primeiro do que o outro (art. 8º); o pagamento da última cota periódica implica a presunção de pagamento das anteriores (art. 322); a entrega de título de crédito ao devedor implica a presunção de pagamento do crédito respectivo (art. 324); presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal, ou os nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal (art. 1597, I e II), entre outros casos. [ALMEIDA, 2010]
A
comunicação das duas áreas embasa-se no art. 65 usque
67/CPP, in verbis:
Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.
Daí
se toma que em casos de sentenças absolutórias na área criminal,
só beneficiará ao réu, sentença em cujo bojo seja
“categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”.
Mas,
em grande parte das acusações penais sem fundamento sólido, é
praticamente exigido do réu que apresente prova de negativa, da
inexistência material do fato, qual seja a Prova Diabólica.
Assim, resta o réu absolvido por falta de provas, o que chamamos de
Condenação Branca, visto que, no cível, o hipossuficiente
subsistirá, em se aplicando o disposto no art. 66/CPP, como se
condenado fosse.
Essa
premissa não se aplica nem mais no entendimento, ainda severamente
arcáico, da Igreja Católica, que elege o seguinte pontificado:
Para o Papa, o direito relaciona-se umbilicalmente com a dignidade da pessoa humana, de maneira que o direito é ontologicamente a justiça e o bem, neste sentido o direito não se esgota na lei. [NOGUEIRA, 2012]
Dignidade
humana deve prevalecer nas relações jurídicas, com maior
propriedade ainda no processo judicial, em especial, na sua expressão
da presunção da inocência com mesmo peso no cível, quão no
penal. Pois, em assim não se procedendo, certamente se exporá o
hipossuficiente há uma situação, como a levantada pelo douto
Ministro Napoleão Maia Filho, do STJ, conforme se extrai abaixo:
Imagine-se um servidor público processado pela prática de um fato que se configura, ao mesmo tempo, como ilícito penal (crime em tese) e como ilícito administrativo (infração disciplinar em tese), correndo em paralelo ambos os feitos sancionatórios; segundo a compreensão que apregoa a "independência das instâncias", nada haveria a anotar quanto à simultaneidade dos procedimentos, de vez que distintos, diferentes os objetivos e inconfundíveis as sanções. Mesmo se aceitando essa lógica procedimental, não há como ocultar que os procedimentos poderiam chegar a resultados diversos e mesmo opostos, podendo ocorrer de o Servidor ser inocentado em um e condenado no outro, como aliás ocorre com não rara frequência.Imagine-se agora que a esse mesmo servidor público foi aplicada a sanção de demissão, ao fim do procedimento disciplinar, pela prática da dita infração, mas veio ele a ser absolvido "por falta de provas" no processo criminal; dir-se-á, com base na "independência das instâncias", que será nenhuma a repercussão dessa absolvição na esfera administrativa, pelo que a sanção de demissão, no caso, deverá prevalecer e ser mantida, pois somente haveria repercussão na instância administrativa "se a absolvição tivesse se dado pela demonstração da inocência do acusado, pela comprovação de que o fato não ocorreu ou de que o imputado não contribuiu para a sua prática" (art. 386 do CPP). [MAIA FILHO, 2009]
Assim,
a dignidade humana enaltecida pelo Papa se perde nos trâmites
processuais, dizimada por uma legislação eticamente inexequível,
ainda com ranço medieval.
-
Conclusão
Decididamente,
ainda persiste na doutrina e na jurisprudência uma extensa polêmica
sobre a aplicação da Probatio Diabolica. Entrementes, se
mostra importante focar a aplicação em desfavor do hipossuficiente,
pois fundamentalmente fere de morte os primordiais direitos naturais
e fundamentais do homem e da sociedade, em especial, o princípio da
presunção de inocência.
Ressalte-se
aqui a questão da Condenação Branca (absolvição penal por
falta de provas), que também fere diretamente o Direito da
Personalidade. Como direitos da
personalidade conhecemos a expressão da inerência ontológica à
pessoa e à sua dignidade. Prima
facie, encontramos
na concepção de grandezas como a vida, a integridade física,
a honra, a
imagem, o
nome e a intimidade a configuração inicial formal desses
direitos, que como direitos fundamentais da pessoa natural, exsurgem
como bem
indisponível, inalienável, irrenunciável, imodificável,
intransmissível e imprescritível.
Como direitos da personalidade conhecemos a expressão da inerência ontológica à pessoa e à sua dignidade.
A
imagem física apreende-se objetivamente, através dos sentidos
físicos. A fama, a priori, depreende-se subjetivamente,
a partir da conceituação de que goza o homem na
comunidade social em que vive. A
evidenciação da fama de alguém, com sua solidificação,
ultrapassa o subjetivismo e passa a compor a própria imagem
daquela pessoa, de forma indissociável.
Pelo
que ensina a renomada Maria Helena Diniz, como tutela do direito à
imagem e dos direitos a ela conexos,
como a fama, entende-se “o
direito: à própria imagem, ao uso ou à difusão da imagem; à
imagem das coisas próprias e à imagem em coisas, palavras ou
escritos em publicações; de obter imagem ou de consentir em
sua capitação por qualquer meio tecnológico. O direito à imagem é
autônomo, não precisando estar em conjunto com a intimidade, a
identidade a honra etc. Embora possam estar, em certos casos, tais
bens a ele conexos, isto não faz que sejam partes integrantes
um do outro”.10
Ainda
vale lembrar o que encontramos em CUNHA, citando SILVA [2000], que
“considera que o direito à intimidade, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas são direitos conexos do direito à
vida, pronunciado no caput
do art. 5º. Destaca, ainda, que prefere utilizar a
expressão 'direito à privacidade', num sentido genérico
e amplo, abarcando todas as manifestações da esfera íntima,
privada e da personalidade”.11
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Fonte: Internet. |
Com
tudo isso, resiste a necessidade de um estudo amplo da questão da
teoria dinâmica, que implique na formulação de uma metafísica
própria, desvendando a polêmica crescente na abordagem do presente
tema.
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Notas
1
“bien entendida funcionalidad del principio de cooperación (o
de efectiva colaboración) que a su vez radica en el más
comprensivo y de mayor furza operativa que es el de solidaridad. Y
ambos en el de buena fé”
2
MORELLO, Augusto Mario. La prueba: tendencias modernas. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1991. (apud AZÁRIO, 2006)
3
STJ, Resp 823.122 DF, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
DJ 18/fev/2008.
4
É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao
pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.
5
No processo administrativo para imposição de multa de trânsito,
são necessárias as notificações da autuação e da
aplicação da pena decorrente da infração.
6
CAMBI, Eduardo: Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo:
direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo
judiciário. São Paulo: RT, 2009. P. 361.
7
Art. 798 – O beneficiário não tem direito ao capital estipulado
quando o segurado se suicida nos primeiros 2 (dois) anos de
vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de
suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo
antecedente.
8
Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no
período contratual de carência não exime o segurador do pagamento
do seguro.
9
O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.
10
DINIZ, Maria Helena: Parte Geral. Apud Fiúza,
Ricardo (Coord.): Novo Código Civil Comentado. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 31 a 32.
11
Cunha, Maria Inês M. S. Alves da: Os Direitos de Personalidade e o
Contrato Individual de Trabalho. Rev. TST, Brasília, vol. 70, nº
1, jan/jul 2004. P. 91-100.
13
„Unmündigkeit
ist
das
Unvermögen,
sich
seines
Verstandes
ohne
Leitung
eines
anderen
zu
bedienen.“
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
PONTES,
Acelino: Probatio
Diabolica - aspectos metafísicos e inquisitoriais..
Praxis Jurídica, Fortaleza, 07.11.2014. Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2014/11/probatio-diabolica-aspectos-metafisicos.html>.
Acesso em: .
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