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Na ilha de Valaam 1873, by A. I. Kuíndji. Fonte: Internet. |
João
Victor Holanda do Amaral
(Graduado
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado
lato sensu em Direito e Processo Constitucional pelo Sentido Único
Gestão Educacional. Servidor do Ministério Público do Estado do
Ceará.)
Poder Constituinte Difuso, Poder Constituinte, Poder Constituinte Difuso, Mutação Constitucional,
RESUMO
O
presente trabalho tem por escopo analisar o instituto do poder
constituinte difuso, assim considerado uma das espécies de poder
constituinte. Tal espécie de poder pode se manifestar através do
costume constitucional ou pelas convenções constitucionais, mas o
seu principal instrumento vem a ser a mutação constitucional, assim
entendida como a alteração da norma através de uma nova
interpretação conferida pelos intérpretes, mas sem alterar o texto
constitucional. Assim, por meio do sucinto trabalho, pretende-se
discorrer de maneira breve sobre as espécies de poder constituinte e
analisar de forma mais detida o poder constituinte difuso, como
proporcionador de alterações informais da constituição. Por fim,
no âmbito do poder constituinte difuso pretende-se analisar de modo
especial o fenômeno das mutações constitucionais, tendo em vista
que dentre as espécies de modificação informal esta é a que
prepondera e ocorre com a maior frequência, dando destaque à sua
definição, bem como aos seus limites de aplicabilidade dentro do
permitido pelo ordenamento jurídico pátrio.
PALAVRAS-CHAVE:
Poder Constituinte; Poder Constituinte Difuso; Mutação
Constitucional.
ABSTRACT
The
present work has as scope to analyze the diffuse constituent power
institute, thus considered one of the species of constituent power.
Such a kind of power may manifest itself through constitutional
custom or constitutional conventions, but its main instrument becomes
constitutional mutation, understood as the change of the norm through
a new interpretation conferred by the interpreters, but without
altering the constitutional text . Thus, through the succinct work,
it is intended to speak briefly about the species of constituent
power and to analyze in a more permanent way the diffuse constituent
power, as a proportion of informal changes in the constitution.
Finally, in the ambit of diffuse constituent power, we intend to
analyze in a special way the phenomenon of constitutional mutations,
considering that among the species of informal modification this is
the one that preponderates and occurs with the highest frequency,
highlighting its definition, As well as its limits of applicability
within the allowed by the legal order of the country.
KEY-WORDS:
Constituent Power; Diffuse Constituent Power; Constitutional
Mutation.
INTRODUÇÃO
A
Teoria do Poder Constituinte teve surgimento ao longo do período
iluminista, especialmente pelo texto publicado pelo abade Emmanuel
Sieyès às vésperas da Revolução Francesa de 1789.
Assim,
logo surgiram várias teoria acerca da organicidade do poder
constituinte, o que levou ao surgimento, pelo menos no Brasil, de
subespécies desse poder, podendo ser citado o poder constituinte
originário, o poder constituinte derivado, este subdividido em
reformador, decorrente e revisor, além do poder constituinte difuso,
alvo principal do presente trabalho.
Desta
feita, pretende-se ao longo desse sucinto artigo tratar acerca dessas
espécies de poder constituinte tratando acerca de suas principais
características e importância para a própria formação do Estado,
além de explanar especificamente sobre o poder constituinte difuso.
Este
poder difuso destoa dos demais e tem aplicabilidade a partir da
atuação dos intérpretes do direito, não passando por um
procedimento formal de modificação da constituição, motivo pelo
qual foi escolhido como o poder constituinte sobre o qual se
analisará com mais vagar no presente trabalho.
As
principais formas de manifestação do poder constituinte difuso são
os costumes e convenções constitucionais, bem como a mutação
constitucional, procedimento de mudança da constituição sem
alteração de seu texto e que é o instituto mais conhecido por meio
do qual se exterioriza o poder constituinte difuso, de modo que
quanto a este tema será dado maior importância ao longo do texto.
Assim,
essa é a intenção deste breve trabalho, ou seja, traçar um
panorama geral acerca do poder constituinte e analisar
especificamente o poder constituinte difuso como meio de alteração
informal da constituição e que, por não obedecer a um procedimento
formal para sua exteriorização, depende de forma preponderante da
atuação dos intérpretes constitucionais, de modo que sua
sistematização é importante para que se estabeleçam limites que
pautem a conduta do intérprete, a fim de que o poder difuso não
surja como um meio ilegítimo de modificação constitucional.
-
PODER CONSTITUINTE: DEFINIÇÃO, ESPÉCIES E CARACTERÍSITCAS.
1.1
Aspectos
gerais
Nos
termos da teoria do poder constituinte, há um poder distinto
daqueles estabelecidos pela própria constituição. Esse poder,
chamado de poder constituinte, sempre existiu e sempre existirá como
instrumento ou meio para estabelecer e restabelecer a constituição
e, portanto, a forma de Estado, a organização e a estrutura da
sociedade política.
Assim,
poder constituinte pode ser definido como a manifestação de vontade
soberana de um povo, social e juridicamente organizado, ou seja, a
expressão da vontade capaz de fazer nascer um núcleo social.
Quanto
à sua natureza jurídica há uma controvérsia estabelecida entre as
correntes positivista e jusnaturalista. Isso porque, para a corrente
positivista o poder constituinte seria um poder de fato, tendo em
vista que estes não admitem a existência de qualquer forma de
direito além das previstas ou das admitidas pelo direito positivo,
ou seja, a poder constituinte ao se manifestar não se embasa em
nenhuma disciplina normativa anterior.
Já
a corrente jusnaturalista encara o poder constituinte como um poder
de direito, pois este poder adviria de uma base normativa anterior,
que seria o próprio direito natural, e que lhe daria fundamentos
jurídicos e lhe condicionaria a validade, de modo que o poder
constituinte, efetivamente, seria um poder de direito.
Portanto,
a doutrina diverge quanto à natureza jurídica do poder
constituinte. No entanto, apesar da divergência, tem-se que o poder
constituinte, em realidade, deve ser encarado, pelo menos em sua
forma principal, como um poder que institui uma nova ordem
constitucional.
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Fonte: Internet. |
Nesse
sentido, também se torna importante mencionar acerca do titular do
poder constituinte. Anteriormente, acreditava-se que o poder
constituinte emanava de uma manifestação divina. Todavia, a partir
das revoluções burguesas do século XVIII, passou-se a creditá-lo
ao povo.
Desse
modo, a titularidade do poder constituinte é do próprio povo, o
qual estabelece as normas principais relacionadas à organização do
Estado, bem como os direitos considerados fundamentais e considerados
caros à nação. De outro lado, tem-se que não se deve confundir o
titular do poder constituinte com os agentes respectivos, tendo em
vista que no âmbito da teoria ora estudada o poder constituinte é
exercido efetivamente pelos representantes eleitos pelo povo em
assembleia nacional constituinte com o objetivo de criação de uma
nova ordem constitucional.
Portanto,
titular do poder constituinte é o próprio povo, que não se
confunda de maneira alguma com os seus agentes, ou seja,
representantes eleitos de maneira legítima para representar a
vontade desse povo numa assembleia nacional constituinte.
1.2
Espécies
e características
O
poder constituinte ele pode ser tratado de maneira diversa a depender
da qualidade da sua manifestação, ou seja, se se trata de
instituição de uma nova ordem jurídica ou se de mera reforma de
certa constituição vigente.
Assim
é que o poder constituinte pode ser subdividido em poder
constituinte originário e poder constituinte derivado. Já este
último pode ser classificado em poder constituinte derivado
reformador, decorrente ou revisor, além do próprio poder
constituinte difuso, responsável pela modificação informal das
constituições.
O
poder constituinte que tem o condão de instituir uma nova ordem
constitucional é chamado de poder constituinte originário. Segundo
a doutrina, a manifestação desse poder constituinte pode se dar em
sentido material, que seria a hipótese de as mudanças
constitucionais alterarem os princípios supremos de uma constituição
em vigor, ainda que haja obediência aos procedimentos formais, e em
sentido formal, que ocorreria toda vez que mudanças constitucionais
fossem implementadas sem a observância dos procedimentos
necessários.
Ato
contínuo, ainda em relação ao poder constituinte originário, a
doutrina costuma estabelecer algumas características desse poder.
Inicialmente tem-se que o poder constituinte originário seria
inicial, pois sua obra é a base de uma nova ordem jurídica, bem
como juridicamente ilimitado, porquanto não teria que respeitar os
limites impostos pelo direito antecessor.
De
outro lado, tem-se que esse poder seria ainda incondicionado, pois
sua manifestação não estaria sujeita a qualquer regra de forma ou
de fundo e, por fim, seria autônomo, tendo em vista que a
estruturação da nova constituição seria estabelecida pelo próprio
poder constituinte originário.
Frise-se
a existência de certa controvérsia doutrinária acerca dos limites
ao poder constituinte originário. Isso porque, apesar de a maioria
dos doutrinadores concordarem com a característica de que o poder
constituinte á ilimitado juridicamente, tem-se que alguns
doutrinadores apontam limites a que estaria submetido esse poder
constituinte originário.
Nesse
sentido, tem-se que o poder constituinte originário estaria
submetido aos limites transcendentes, assim considerados como aqueles
que se antepõem à própria vontade do estado, tais como os
imperativos do direito natural ou de outros valores éticos
superiores. Ademais, estaria submetido, ainda, aos limites imanentes,
que decorrem da própria soberania e da forma de estado habitualmente
adotada, além dos limites heterônomos, assim considerados aqueles
provenientes de outros ordenamentos jurídicos, de modo que o poder
constituinte originário não poderia subverter certas regras
provenientes do direito internacional.
Já
o poder constituinte derivado decorre da necessidade de modificação
do ordenamento jurídico constitucional para adaptá-lo às mudanças
sociais a que estão constantemente submetidas a sociedade. Assim, ao
contrário do poder constituinte originário, o poder constituinte
derivado é poder constituído por aquele para proporcionar a
modificação e atualização da constituição.
Desta
feita, o poder constituinte derivado possui como característica a
sua limitação jurídica, tendo em vista que sua atuação deverá
atender às limitações estabelecidas pelo próprio poder
originário, bem como o fato de ser condicionado, de modo que a sua
manifestação deve se submeter a determinado rito também previsto
pelo poder constituinte originário.
Quanto
às suas subespécies, como dito anteriormente, o poder constituinte
derivado pode ser reformador, revisor ou decorrente. O poder
constituinte derivado reformador está relacionado à possibilidade
de alteração das constituições, ou seja, o poder constituinte
originário o constitui para que possa alterar a constituição e
atualizá-la de acordo com os anseios oriundos da sociedade em
determinado momento no tempo.
Quanto
à sua manifestação, tem-se que o poder reformador é condicionado
e limitado. Desta feita, existem algumas limitações à sua atuação.
Essas limitações podem ser divididas em formais, materiais,
circunstanciais e temporais.
As
limitações formais estão relacionadas ao rito para modificação
da constituição. Assim, no caso pátrio, tem-se a iniciativa
reservada para apresentação de emenda constitucional, bem como o
quórum qualificado para a sua aprovação que é de três quintos em
ambas as casas em dois turnos de votação. Já as limitações
materiais estão relacionadas às cláusulas pétreas, ou seja, à
impossibilidade de apresentação de emendas tendentes abolir a forma
federativa de estado, a separação de poderes, o voto direto,
secreto, universal e periódico, bem como os direitos individuais e
coletivos.
Por
sua vez, as limitações circunstanciais estão relacionadas à
impossibilidade de modificações da constituição na vigência de
certos fenômenos de estabilização constitucional, como o estado de
sítio, estado de defesa e intervenção federal. Por fim, as
limitações temporais estão relacionadas a períodos em que a
constituição não poderia ser modificada, entretanto, o
entendimento majoritário é o de que a nossa Constituição não
previu em seu texto qualquer tipo de limitação temporal.
Já
o poder constituinte derivado decorrente decorre da própria forma
federativa de estado em que os entes que compõe a federação
possuem autonomia para criarem as próprias ordens constitucionais
internas, desde que observados os limites impostos pelo poder
constituinte originário. Assim, o poder constituinte decorrente
pode ser definido como o poder que possuem os estados para elaborarem
as constituições estaduais.
Como
dito, tal poder não é ilimitado e se submete a limites oriundos da
vontade do poder constituinte originário. Assim, a doutrina
estabelece que o poder constituinte derivado decorrente está
submetido à observância obrigatória dos princípios
constitucionais sensíveis, estabelecidos e extensíveis.
Os
princípios constitucionais sensíveis ou enumerados são aqueles que
possuem uma importância diferenciada, de modo que a sua
desobediência autoriza a decretação de intervenção federal,
estando previstos no art. 34, da Constituição Federal de 1988.
Já
os princípios constitucionais estabelecidos são o conjunto de
normas que limitam a autonomia estadual, em obediência à regra
segundo a qual aos Estados-membros se reservam os poderes que não
lhes sejam vedados. Por fim, há os princípios constitucionais
extensíveis, assim entendidos como as normas que regulam a
organização da União, mas que precisam ser observadas pelos
Estados-membros por conta da aplicação do princípio da simetria.
Por
fim, há o poder constituinte derivado revisor, assim entendido como
a previsão constitucional de certas oportunidades para modificação
da constituição através de um procedimento simplificado, com o
objetivo principal de atualizar as normas constitucionais e mais uma
vez permitir ao poder constituído que altere a constituição com o
objetivo de alinhá-la aos anseios sociais.
Desta
feita, essa é a classificação clássica quanto à divisão do
poder constituinte e suas espécies. Entretanto, existe uma outra
classificação relacionada às modificações informais da
Constituição, a qual será apresentada no próximo tópico. Assim,
as espécies de poder constituinte aqui relacionadas dizem respeito à
instituição de uma nova ordem constitucional, bem como de
modificações formais da mesma, cabendo agora passar ao poder
constituinte responsável pelas modificações informais da
constituição.
-
PODER CONSTITUINTE DIFUSO: COSTUME CONSTITUCIONAL, CONVENÇÕES CONSTITUCIONAIS E MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL.
2.1
Aspectos
gerais
O
poder constituinte difuso, como dito linhas atrás, não está
previsto de maneira expressa no ordenamento, mas é considerado como
uma importante fonte de criação e desenvolvimento da eficácia de
normas constitucionais, sem a respectiva alteração formal de seu
texto.
Assim,
o poder constituinte difuso se manifesta geralmente quando órgãos
incumbidos de aplicar as normas constitucionais se deparam com
imperfeições ou obscuridades, espaços vazios ou omissões deixados
na constituição, motivo pelo qual buscam corrigir esses defeitos
por meio de expedientes não previstos formalmente pelo texto
constitucional, mormente a mutação constitucional.
Nesse
sentido, tem-se, portanto, que o poder constituinte difuso, à
semelhança dos demais poderes de alteração da constituição, é
limitado juridicamente, de forma que deve obediência ao próprio
poder constituinte originário, ou seja, a interpretação realizada
pelo intérprete jamais poderá modificar a vontade oriunda do poder
originário.
Importante
frisar que o poder constituinte em análise possui a nomenclatura de
difuso, tendo em vista que por representar um processo de mudança
informal da constituição não é possível identificar o “como”
nem o “quando” se implementam, ocasião que justifica ser chamado
de poder constituinte difuso.
Assim,
tem-se que a maior manifestação desse poder se dá através da
mutação constitucional, a qual será analisada com mais vagar no
próximo tópico.
2.2
Mutação
Constitucional
A
mutação constitucional remonta suas origens ao direito alemão.
Mais especificamente à Constituição de 1871, tendo em vista que,
nos termos da doutrina, tal diploma sofria frequentes mudanças
quanto ao funcionamento das instituições do Estado, sem a
consequente reforma constitucional.
Assim,
como dito linhas atrás, tem-se que mutação constitucional é um
processo de mudança informal da constituição. Isso porque, como
cediço, as constituições rígidas, como é o caso da atual
Constituição brasileira, possuem procedimentos formais para sua
mudança, ou seja, processos legislativos que devem ser obedecidos
quando se almeja a alteração da constituição, sob pena de se ter
declarada a inconstitucionalidade formal das respectivas mudanças.
Entretanto,
como afirmado também em linhas anteriores, há no ordenamento meios
informais de alteração da norma constitucional, de modo que se tem
como mutação constitucional um mecanismo que permite a modificação
no sentido e alcance de determinada norma, sem que se efetue qualquer
reforma em sua literalidade. Portanto, altera-se o significado que
aquela norma representa, geralmente por meio de nova interpretação,
sem haver mudança de texto.
Ademais,
importante que se ressalte, também, sobre qual fundamento repousa a
mutação constitucional. Isso porque, no caso brasileiro
principalmente, à vista de uma rigidez constitucional, as mudanças
que em tese restariam válidas seriam aquelas advindas dos processos
formais de reforma da Constituição, os quais seriam de observância
obrigatória, sob pena, como dito, de se ter decretada a
inconstitucionalidade formal da emenda de reforma.
Entretanto,
é preciso que não se perca de vista o fato de que uma Constituição
representa os anseios políticos, sociais, econômicos e culturais de
uma determinada sociedade, em um determinado momento. Destarte, esses
anseios podem se modificar ao longo do tempo, como realmente se
modificam, sendo certo que uma determinada norma que comportava uma
interpretação X, ao longo do tempo vai se modificando e dando azo a
uma interpretação Y, pois a sociedade está em constante
transformação, almejando novos valores e conquistas.
Portanto,
a mutação constitucional situa-se no limite entre a realidade (e
sua respectiva mudança) e a positivação do texto constitucional,
não podendo de forma alguma o direito se limitar àquilo disposto no
texto constitucional, pois aí seria fechar os olhos para a
realidade, que está em constante alteração. Assim, percebe-se que
o fundamento das mutações constitucionais é a própria necessidade
de atualização nas normas constitucionais à realidade social que
ela regula.
Todavia,
apesar da sólida base sobre a qual se fundamenta a mutação
constitucional não se pode perder de vista que, assim como todo
poder, as mutações também possuem limites, já que sendo
resultado, em sua maioria, de atividade interpretativa do aplicador
do direito pode servir ao cometimento de arbitrariedades.
Quanto
aos limites das mutações constitucionais, a doutrina pátria
costuma estabelecer dois limites de maneira geral às mutações,
quais sejam: a) as possibilidades semânticas do relato da norma,
vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo
interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios
fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição.
Se o sentido novo que se quer dar não couber no texto, será
necessária a convocação do poder constituinte reformador. E se não
couber nos princípios fundamentais, será preciso tirar do estado de
latência o poder constituinte originário.
Esses
limites, vale dizer, são limites gerais, apontados em consonância
com o que dispõe a nossa Carta Maior, sendo certo que apesar de não
se dar por meio de um estudo sistematizado, permite estabelecer
parâmetros para a utilização do instituto, de forma a se impedir
as temidas mutações inconstitucionais.
Desta
feita, as mutações constitucionais demandam a existência de uma
norma polissêmica, ou seja, uma norma a que se possa dar diferentes
significados, tendo em vista que se o texto emana um comando fechado
não seria possível a realização da modificação através da
mutação constitucional.
Já
o outro limite tem a ver com o respeito aos princípios
constitucionais inseridos na Constituição. Assim é que o aplicador
ou intérprete não pode ir além, utilizando-se da mutação
constitucional, para imprimir determinada interpretação a uma norma
que se confronte aos princípios basilares da própria Carta Magna.
Portanto,
princípios como o da separação dos poderes, devido processo legal,
sistema federativo, direitos e garantias fundamentais, dentre outros,
não podem ser confrontados pela aplicação de mutação
constitucional, o que inegavelmente também representa um limite à
aplicação do instituto.
Apresentada
a definição de mutação constitucional, bem como os limites a que
estão submetidas tais mutações, importante que se discorra acerca
do meio de efetivação de tais mutações.
Nesta
senda, tem-se que a atividade interpretativa é o principal meio de
manifestação das mutações, apesar de ser possível a sua
ocorrência também através da construção constitucional, dos
costumes constitucionais ou até mesmo por meio da via legislativa.
Pode-se
dizer que a mutação constitucional pela via interpretativa ocorre
pela mudança de uma interpretação dada previamente à norma, já
que praticamente toda norma exige interpretação para a sua
aplicação e, assim, a mudança de um entendimento em relação ao
significado e alcance dessa mesma norma faz com que surja a mutação.
Ademais,
tem-se que muitos dos elementos previstos na Constituição,
inclusive os princípios, possuem conceitos vagos, cabendo ao
aplicador da lei a delimitação do campo de atuação de uma
determinada norma ou até mesmo de um princípio.
Portanto,
tem-se que em sendo necessária a atuação do aplicador da lei para
a efetivação dos mandamentos constitucionais, é quase que
inevitável a ocorrência de mutação constitucional na medida em
que os valores e prioridades da sociedade vão se alterando, de modo
que tal fenômeno tem surgido de maneira frequente no âmbito do
ordenamento, diante da dinâmica social, a qual estabelece valores
distintos e caros à sociedade de forma cada vez mais rápida,
exigindo, assim, a atuação do intérprete para acompanhar e
implementar os anseios sociais.
Ante
o exposto, tem-se que, ao lado dos métodos de modificação formais
da constituição, também se encontram os meios informais de
alterações dessas constituições, sendo a mutação constitucional
o instituto que representa o poder constituinte difuso por
excelência, não havendo dúvidas quanto à sua importância como
meio de dar efetividade aos mandamentos constitucionais diante das
mudanças na realidade fática que habitualmente ocorrem.
CONCLUSÃO
Desta
feita, tem-se que o poder constituinte, entendido como aquele
responsável pelo inauguração da ordem jurídica tem importância
essencial na construção da sociedade.
Diante
de tal importância é que a doutrina costuma dividi-lo de acordo com
a sua manifestação exterior, se para fundar uma nova ordem jurídica
ou se para modificar a ordem jurídica existente. No primeiro caso
tem-se o poder constituinte originário, de manifestação inicial,
ilimitado juridicamente e incondicionado. No segundo caso tem-se o
poder constituinte derivado, poder constituído pelo primeiro para
atualizar de maneira formal os mandamentos constitucionais.
Entretanto,
a doutrina construiu uma nova espécie de poder constituinte, o
chamado poder constituinte difuso, responsável pelas modificações
informais da constituição, alterando o sentido da norma, mas sem
alterar o seu texto. Como manifestação desse poder constituinte
difuso, destacou-se a mutação constitucional, instituto de origem
alemã e que hoje tem aplicabilidade aos diversos ordenamentos
jurídicos, o que não poderia ser diferente também no Brasil.
Como
dito, apesar de modificar a constituição de maneira informal e se
exteriorizar de maneira preponderante através da interpretação,
tem-se que tal poder também é constituído e permeado de limites à
sua manifestação, tais como as possibilidade interpretativas do
texto, bem como a obediência aos princípios fundamentais da
constituição, o que se permite concluir que a sua utilização
indevida pode vir a ser declarada inconstitucional.
Destarte,
a mutação constitucional como principal meio de exteriorização da
atuação do poder constituinte difuso tem importância fundamental
no nosso ordenamento, sendo o responsável pela alteração do
significado de um determinado texto constitucional com o objetivo de
atualizá-lo e afiná-lo com os anseios sociais, que em última
análise é o próprio titular do poder constituinte originário, de
onde se pode, assim, retirar o fundamento de validade e de
importância das mutações constitucionais.
BARROSO,
Luís Roberto. Curso
de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e
a Constituição do Novo Modelo. 3.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BONAVIDES,
Paulo. Curso
de direito constitucional.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
BULOS,
Uadi Lammêgo. Curso
de Direito Constitucional. 6.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
CUNHA
JÚNIOR, Dirley da. Curso
de Direito Constitucional. 4.
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MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 1432 p.
SILVA,
José Afonso da. Curso
de direito constitucional positivo.
37. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2014.
Para citar este
documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Amaral, João Victor
Holanda do: Poder Constituinte Difuso: a modificação informal da
Constituição. Práxis
Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível
em: <https://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/03/poder-constituinte-difuso-modificacao.html>. Acesso em:
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