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Nationaltheater Weimar. Fonte: Internet. |
João
Victor Holanda do Amaral
(Graduado
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado
lato sensu em Direito e Processo Constitucional pelo Sentido Único
Gestão Educacional. Servidor do Ministério Público do Estado do
Ceará.)
RESUMO
O
presente trabalho tem por escopo analisar a questão relacionada à
possibilidade de protesto de Certidão de Dívida Ativa – CDA,
tendo em vista a controvérsia que gira em torno da matéria, já que
muitos não a admitem sob a justificativa de que o protesto seria
instituto típico do direito cambiário, de modo que a Fazenda
Pública já teria em seu favor a execução fiscal como meio efetivo
e diferenciado de cobrança de seus créditos, além do que a
possibilidade de protesto de CDA se apresentaria como sanção
política, sendo vedada a utilização pelo Fisco de meios indiretos
de cobrança que afetem ou limitem direitos dos contribuintes. Lado
outro, há forte corrente que entende pela constitucionalidade da
medida em epígrafe, inclusive é a adotada pelos tribunais
superiores, de modo que não haveria desproporcionalidade no protesto
da certidão, sendo apenas mais um meio de a Fazenda Pública
conseguir a satisfação de seus créditos. Portanto, o intuito do
presente trabalho é apresentar de forma breve o instituto, bem como
as correntes que entendem pela constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da medida, lançando entendimento ao final
acerca da posição majoritariamente adotada na atualidade.
PALAVRAS-CHAVE:
Direito Tributário; Cobrança do Crédito Tributário; Fazenda
Pública; Protesto de CDA; Constitucionalidade.
ABSTRACT
The
present work has as scope to analyze the question related to the
possibility of protest of Certificate of Active Debt - CDA, in view
of the controversy that revolves around the matter, since many do not
admit it under the justification that the protest would be typical
institute Of the exchange law, so that the Public Treasury would
already have in its favor tax enforcement as an effective and
differentiated means of collecting its credits, in addition to that
the possibility of protest of CDA would be presented as a political
sanction, being prohibited the use by the Treasury Of indirect means
of collection that affect or limit the rights of taxpayers. On the
other hand, there is a strong current that understands the
constitutionality of the measure in question, including that adopted
by the superior courts, so that there would be no disproportionality
in the protest of the certificate, being only one more way for the
Public Treasury to obtain the satisfaction of its credits. Therefore,
the purpose of this paper is to present briefly the institute, as
well as the currents that understand the constitutionality or
unconstitutionality of the measure, launching an understanding at the
end about the position most widely adopted today
KEY-WORDS:
Tax
law; Collection of Tax Credit; Protest of CDA; Constitutionality.
INTRODUÇÃO
A
Fazenda Pública ao cobrar os créditos inscritos no âmbito da
dívida ativa estadual se vale de um meio de cobrança único e
exclusivo, que é a execução fiscal. A execução fiscal como
instrumento típico da Fazenda Pública não pode ser utilizada pelas
demais pessoas, mas tão somente no interesse do Fisco.
Frise-se
que tal procedimento é caracterizado por ser de natureza mais
simples e célere do que a execução comum, com o objetivo de dar
efetividade à atuação da Administração Pública ao cobrar seus
créditos. Ademais, regra geral a execução fiscal é instruída com
o título executivo extrajudicial produzido de forma unilateralmente
pela própria Fazenda, o que também é considerado como uma grande
vantagem para o ente público.
Diante
das circunstâncias apontadas muitos entendem que, pelo fato de a
Fazenda Pública já ser titular de um meio diferenciado de cobrança,
não seria possível a utilização do protesto para cobrar os seus
créditos, pois este instituto seria típico do direito privado, mais
especificamente do direito cambiário, não sendo dado ao Fisco a
utilização de um meio indireto de cobrança que não foi
originariamente instituído em seu benefício.
Frise-se,
no sentido da impossibilidade, que alguns afirmam que o protesto de
CDA se constitui em sanção política e portanto um meio indireto
que venha a limitar direitos dos devedores e contribuintes tão
somente no intuito da administração de receber seus créditos não
seria possível, se constituindo em mais um argumento contrário.
De
outro lado, para os que entendem pela possibilidade, o protesto de
CDA seria perfeitamente utilizável pela Fazenda Pública, ante a
inexistência de impedimento ou até mesmo, através de uma
modificação legal, a expressa permissão na lei para utilização
do instituto pelo Fisco.
Ademais,
protesto de CDA não se constituiria em sanção política, ao revés,
a adoção de tal medida pelo Fisco seria até menos invasiva ao
contribuinte do que o ajuizamento de execução fiscal, o que no
mínimo levaria à contratação de advogados pelo executado, bem
como, possivelmente, poderia desaguar numa constrição judicial, de
modo que a execução efetivamente seria um meio de cobrança mais
invasivo do que o simples protesto realizado perante o tabelionato de
protesto de títulos.
Assim,
instaura-se a controvérsia sobre a viabilidade ou não de utilização
do instituto pela Fazenda Pública como meio de cobrança de suas
dívidas, de modo que através do presente trabalho pretende-se fazer
uma breve apresentação do instituto, trazendo de forma mais
detalhada as posições acerca da possibilidade ou não do protesto
de certidão de dívida ativa, bem como o entendimento prevalecente
atualmente sobre a matéria.
-
PROTESTO: DEFINIÇÃO, PROCEDIMENTO E UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO.
Como
dito linhas atrás, o protesto é instituto que originariamente
surgiu no âmbito do direito empresarial, mais especificamente na
tutela dos títulos de crédito mercantis.
Segundo
Ramos (2015, pág. 505) protesto pode ser definido como “o ato
formal pelo qual se atesta um fato relevante para a relação
cambial”. Nesse sentido, esse fato relevante pode ser a falta de
aceite do título de crédito, a falta de devolução do título ou a
falta de pagamento, que é a hipótese mais comum.
Portanto,
levando em consideração a hipótese habitualmente utilizada como
causa para o protesto, tem-se que este pode ser definido como ato
público, formal e solene, realizado pelo tabelião de protesto de
títulos com a finalidade de provar a inadimplência e o
descumprimento de obrigação constante de título de crédito ou de
qualquer outro documento de dívida.
Frise-se
que o protesto é regulamentado pela Lei nº 9.492/97, que define em
seu artigo 1º,
in verbis:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Assim,
pode-se concluir que o principal objetivo do protesto é provar que o
devedor não cumpriu uma obrigação ao qual se comprometeu,
demonstrando perante o mercado que este devedor não cumpre com a
suas obrigações, o que pode acabar gerando dificuldade ao mesmo
para realizar negócios no âmbito de sua atividade.
Desta
feita, o credor tem total interesse em realizar o protesto do
documento de dívida ou título de crédito em desfavor do devedor, a
fim de provar perante a sociedade que o devedor está inadimplente
com suas obrigações, além de funcionar como um meio de coerção
indireta para que o devedor venha a cumprir sua obrigação sem
necessidade de ação judicial para tanto.
Isso
porque o protesto, como dito, gera um abalo no crédito do devedor, o
qual é inscrito nos cadastros de inadimplentes, de modo que o receio
de ter um título protestado serve como um meio de cobrança
extrajudicial do débito e, diante das restrições decorrentes deste
protesto, ao ser intimado do mesmo, o devedor encontra uma forma de
quitar essa dívida.
Nos
termos da Lei n 9.492/97 indicada acima, o protesto é ato de
competência privativa do tabelião de protesto de títulos. O
procedimento do protesto se inicia com o ato do credor que leva ao
tabelionato competente o título, requerendo que haja o protesto e
informando os dados e endereço do devedor.
Analisando
o título ou documento de dívida, caso não haja vícios, o tabelião
intima o devedor para adimplemento do débito indicado no título, no
prazo de 3 dias, ou para que providencie a sua sustação, antes de o
protesto ser efetivamente lavrado.
Após
a intimação é possível que ocorram quatro situações: o devedor
pode pagar a dívida, o apresentante pode desistir do protesto e
retirar o título, o protesto pode vir a ser sustado judicialmente ou
devedor fica inerte ou não consegue sustar o protesto, de modo que
nesse último caso ele será efetivamente levado a efeito pelo
tabelião.
Caso
seja realmente levado a efeito pelo tabelião todas as consequências
acima indicadas tendem a acontecer, de modo que as restrições
impostas ao devedor serão determinantes para que este venha a tentar
adimplir a dívida, evitando-se assim todos os inconvenientes
decorrentes de um processo judicial.
-
PROTESTO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – CDA: ENTENDIMENTO INICIAL SOBRE O INSTITUTO E POSTERIOR MUDANÇA DA LEI 9.492/97.
A
Fazenda Pública, entendendo ser a certidão de dívida ativa um
documento de dívida, nos termos em que previsto inicialmente na Lei
nº 9.492/97 em sua redação original passou a protestar as suas
certidões com o objetivo de dar publicidade em relação aos
devedores que possuíam pendências com o Fisco, ao mesmo tempo em
que se valia de um meio de coerção indireto para a cobrança de
seus créditos.
Nesse
sentido, no entender da Fazenda Pública, o protesto de CDA era
necessário para dar efetividade às suas cobranças, pois o protesto
como meio extrajudicial de coerção indireta ao pagamento seria
muito menos invasivo do que o ajuizamento de uma ação de execução
fiscal, a qual muitas vezes possui um gasto elevado e que não
compensaria ao Estado se valer desse instituto para cobrar em sua
maioria créditos em que seus valores totais seriam muito menores do
que o próprio gasto do Estado para movimentar a máquina judiciária.
Entretanto,
apesar dos argumentos do Fisco quanto à legalidade do protesto de
CDA, muitos contribuintes passaram a contestar judicialmente esse ato
afirmando que não haveria interesse da Administração na realização
do protesto, pois a própria CDA já teria o condão de tornar a
existência do débito de conhecimento público. De outro lado, a
própria Fazenda Pública já teria em seu âmbito de atuação
entidades específicas, como o CADIN, por exemplo, para centralizar
informações sobre os seus devedores.
Aliado
a essa argumentação dos contribuintes, tinha-se que a Leiº
9.492/97 não possuía qualquer previsão acerca da possibilidade ou
não de protesto de CDA, o que levava alguns a entenderem que o
protesto de CDA não seria permitido.
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA - CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na divida ativa. 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no Ag: 1316190 PR 2010/0101917-5, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 17/05/2011, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2011) (grifo meu)
Portanto,
o Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento consolidado
acerca da impossibilidade de protesto da certidão de dívida ativa,
sob o argumento de que a CDA já gozava de presunção de certeza e
liquidez, de modo que faltaria interesse de agir à Fisco.
Frise-se
que vários eram os arestos jurisprudenciais oriundos do Superior
Tribunal de Justiça no sentido da impossibilidade do protesto de
CDA1.
Todavia,
em meados de 2012, foi promulgada a Lei nº 12.767 de 2012 que
acrescentou o parágrafo único ao
art. 1º da Lei 9.492/97, o qual passou a vigorar com o seguinte
teor:
Parágrafo
único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as
certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações
públicas. (Incluído
pela Lei nº 12.767, de 2012).
Portanto,
a partir da Lei referida acima, tem-se que a legislação relacionada
ao protesto de títulos passou a prever de maneira expressa a
possibilidade de protesto de CDA, o que foi determinante para a
mudança de entendimento quanto ao tema em questão.
Inicialmente,
cumpre ressaltar que a primeira mudança em relação ao entendimento
de viabilidade do protesto de CDA partiu do próprio Conselho
Nacional de Justiça – CNJ. Isso porque, no Pedido de Providências
– PP nº 0004537-54.2009.2.00.0000 entendeu-se pela legalidade de
norma expedida pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro que orientava seus órgãos a providenciar e admitir o
protesto de CDA.
No
entendimento do CNJ a autorização para o protesto de CDA estaria no
fato de a Lei nº 9.492/97 não conter nenhuma vedação ou
desautorização para a realização do protesto, de modo que este
seria perfeitamente admissível, ou seja, o Conselho Nacional de
Justiça realizou uma interpretação e chegou ao sentido oposto
daqueles que alegavam a impossibilidade de protesto de CDA por
ausência de previsão legal.
Nesse
sentido, tem-se que restou ementada a decisão do CNJ nos seguinte
termos:
CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. PROTESTO EXTRAJUDICIAL. CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEGALIDADE DO ATO EXPEDIDO. Inexiste qualquer dispositivo legal ou regra que vede ou desautorize o protesto dos créditos inscritos em dívida ativa em momento prévio à propositura da ação judicial de execução, desde que observados os requisitos previstos na legislação correlata. Reconhecimento da legalidade do ato normativo expedido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. (CNJ, PP nº 0004537-54.2009.2.00.0000, Relatora: Morgana Richa, Data de Julgamento: 06.04.2010) (grifo meu)
Desta
feita, tem-se que ainda no ano de 2010, antes mesmo da inclusão do
parágrafo único no artigo 1º da Lei nº 9.492/97, o CNJ já
entendia pela legalidade da realização do protesto de CDA,
afastando quaisquer argumentos no sentido de ausência de interesse
de agir da Fazenda ou inexistência de autorização legal.
Um
dos argumentos utilizados foi o de que, efetivamente, o protesto não
tem como único intuito o de comprovar a inadimplência ou o
descumprimento da obrigação por parte do devedor, mas também o de
estimular este ao adimplemento da obrigação, sendo talvez a
principal função.
Isso
porque, como dito linhas atrás, o protesto traz uma série de
restrições ao devedor, de modo a indiretamente coagi-lo ao
pagamento como forma de até mesmo impedir ou inviabilizar o
desenvolvimento de sua atividade habitual.
Ante
o exposto, até o presente ponto, tem-se que a corrente que
inicialmente se formou apontava no sentido de inviabilidade do
protesto de CDA, seja pela inexistência de autorização legal ou
até mesmo pela ausência de interesse de agir do Fisco, de modo que
o próprio Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento
esposado em vários precedentes no sentido da inviabilidade de
protesto de CDA.
Todavia,
o panorama começou a mudar a partir do entendimento exposto pelo
Conselho Nacional de Justiça quanto à legalidade de norma expedida
pela Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro determinando
que os seus órgãos procedessem ao protesto de certidão de dívida
ativa.
Por
fim, para sedimentar a virada de entendimento majoritário quanto à
matéria foi essencial a inclusão na Lei nº 9.492/97 do parágrafo
único de seu artigo 1º, onde passou a prever expressamente a
possibilidade de protesto das certidões de dívida ativa da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas.
-
DA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Como
dito no tópico anterior, o entendimento inicialmente proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça era no sentido de impossibilidade de
protesto de certidão de dívida ativa.
Todavia
e principalmente após a autorização legislativa, o STJ modificou
completamente o seu entendimento, passando a admitir o protesto de
certidão de dívida ativa. Tal mudança de posicionamento se deu no
âmbito do Recurso Especial nº 1.126.515 – PR, de relatoria do
Ministro Herman Benjamin, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980. 2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas". 3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão. 4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. 5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado. 6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. 7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade. 8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito. 9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial. 10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo. 11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.). 12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio. 13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto. 14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo". 15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares. 16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes - de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços). 17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ. (STJ - REsp: 1126515 PR 2009/0042064-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 03/12/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/12/2013) (grifo meu)
Destarte,
o Superior Tribunal de Justiça, através do tão bem elaborado voto
do Ministro Herman Benjamin modificou completamente sua
jurisprudência, afastando qualquer interpretação que pudesse vir a
proibir o protesto de CDA.
Inicialmente,
o STJ destacou a alteração legislativa como um dos fatores
determinantes para a mudança de entendimento do Tribunal. De outro
lado, reafirmou a natureza bifronte do protesto, ao servir não só
de publicidade da dívida, mas também como meio de coerção
indireto e extrajudicial de cobrança da dívida.
Ato
contínuo, entendeu-se por falaciosos os argumentos de que a Fazenda
Pública já possuía um instrumento de recuperação do crédito
fiscal (execução fiscal) e de que o contribuinte não participaria
da constituição do crédito que viria a ser posteriormente
protestado.
Isso
porque, a existência da execução fiscal, efetivamente, não afasta
a possibilidade de o Fisco se valer de outros meios de cobrança. Já
em relação à participação na constituição do crédito,
entendeu o STJ que o contribuinte sempre participa do processo
administrativo fiscal ou até mesmo preenche a confissão de dívida
que vem a dar supedâneo a uma posterior inscrição em dívida, o
que por certo afastam as argumentações que, nos termos do relator,
são falaciosas.
Desta
feita, após o precedente acima indicado aliado à alteração
legislativa e à anterior decisão do CNJ no sentido da viabilidade e
legitimidade do protesto de certidão de dívida ativa, tem-se que a
corrente que admitia a utilização do instituto pela Fazenda Pública
ganhou muitos adeptos. Entretanto, ainda faltava a decisão do
Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, a fim de solidificar o
entendimento e afastar quaisquer alegações eventuais de
impossibilidade.
Nesse
sentido, o Supremo Tribunal Federal, no final do ano de 2016 proferiu
seu entendimento e ratificou a constitucionalidade do procedimento de
protesto de certidão de dívida ativa, ao julgar improcedente a Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 5135/DF, em decisão de relatoria
do Ministro Luís Roberto Barroso, assim ementada:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou improcedente o pedido formulado, vencidos os Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Fixada tese nos seguintes termos: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política”. (STF. Plenário. ADI 5135/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 3 e 9/11/2016) (grifo meu)
Portanto,
o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI ajuizada pela
Confederação Nacional da Indústria – CNI contra o parágrafo
único do art. 1º da Lei nº 9.492/97, ao entender pela
constitucionalidade da legislação quanto à previsão de
legitimidade do protesto de CDA.
O
STF afastou os argumentos relacionados à desproporcionalidade do
instituto, bem como entendeu não se tratar o protesto de CDA de
sanção política, julgando improcedentes os argumentos levantados.
Inicialmente
quanto ao argumento de que o protesto de CDA seria medida
desproporcional decidiu o Supremo decidiu que, ao revés, ela
representa a própria aplicação do referido princípio. Isso porque
o protesto causa menor sacrifício ao contribuinte, se comparado aos
demais instrumentos de cobrança disponíveis, em especial a execução
fiscal. Por meio do protesto,
exclui-se
o risco de penhora de bens, rendas e faturamentos e de expropriação
do patrimônio do devedor, assim como se dispensa o pagamento de
diversos valores, como custas, honorários sucumbenciais, registro da
distribuição da execução fiscal e se possibilita a redução do
encargo legal.
Assim,
o protesto de CDA proporciona ganhos que compensam largamente as
leves e eventuais restrições aos direitos fundamentais dos
devedores. Daí por que, além de adequada e necessária, a medida é
também proporcional em sentido estrito.
De
outro lado, quanto ao argumento de sanção política, tem-se que o
STF também afastou referida argumentação. Isso porque o fato de o
Poder Público adotar medidas coercitivas ou que restrinjam direitos
dos contribuintes como forma de cobrar o tributo não significa que
isso seja considerado como uma sanção política. Exige-se, além
disso, que tais restrições sejam desproporcionais ou desarrazoadas.
Assim,
conforme explanado linhas atrás, o protesto de CDA é medida
proporcional e mais favorável ao contribuinte do que a própria
utilização de execução fiscal, de modo que não há que se falar
em sanção política quando há proporcionalidade na medida.
Desse
modo, encerrou-se qualquer debate quanto à impossibilidade de a
Fazenda Pública se valer do protesto de CDA para a cobrança
extrajudicial de seus créditos, de modo que o entendimento
consolidado hoje tanto no âmbito do STF quanto no âmbito do STJ
é
de que o protesto de certidão de dívida ativa é medida
proporcional, legal e, principalmente, constitucional.
CONCLUSÃO
Ante
o exposto, tem-se que a protesto de certidão de dívida ativa é
perfeitamente possível, tanto por expressa previsão legal na Lei
que trata da matéria, quanto pelas decisões ratificadoras de sua
legitimidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quanto do
Superior Tribunal de Justiça.
É
bem verdade que a Fazenda Pública já possui seu procedimento célere
e diferenciado de cobrança do crédito tributário, que é a
execução fiscal, mas isso não pode ser tido como um fator
impeditivo de o Fisco se utilizar de outros meios de cobrança para
saciar seus créditos.
A
bem da verdade, o STF acabou por realizar uma interpretação
compatível com o instituto, tendo em vista que muitas vezes o
protesto como meio extrajudicial de cobrança irá ser bem menos
custoso ao contribuinte, o qual não precisará se submeter a um
processo, com condenação em honorários, custas e demais gastos
decorrentes de um litígio judicial.
De
outro lado, a efetivação dos créditos da Fazenda Pública através
do protesto representa a própria proteção do interesse público
primário, tendo em vista que é através do recolhimento dos seus
créditos de maneira efetiva que o Estado conseguirá prestar os
serviços públicos a que está obrigado por força de mandamento
constitucional.
Assim,
tem-se que a função primordial do protesto de CDA que é dar
efetividade ao processo de cobrança de seus créditos, realizados
pela administração pública, como forma de conseguir prestar os
serviços públicos, de saúde, educação, infraestrutura e diversos
outros de maneira adequada.
Então,
ao fim e ao cabo, a utilização do protesto de CDA pela Fazenda
Pública favorece a população de uma maneira geral, além de, como
dito, representar uma medida adequada e proporcional por parte do
Fisco, sendo forçoso o reconhecimento de sua legitimidade e
constitucionalidade.
REFERÊNCIAS
BARROS,
Guilherme Freire de Melo. Poder
Público em Juízo.
6ª edição, Salvador: Juspodium, 2016.
BRASIL.
Lei
nº 9.492/1997.
Brasília, 10 de setembro de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9492.htm>.
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________.
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1
Nesse sentido: STJ, 1ª Turma, Resp 287.824/MG, Rel. Min. Francisco
Falcão, j. 20.10.2005, DJ 20.02.2006, p. 205; STJ 1ª Turma,
AgRg no Ag 936.606/PR, Rel. Min. Jose Delgado, j. 06.05.2008,DJe
04.06.2008; STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1.172.684/PR, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, j. 05.08.2010, DJe 03.09.2010.
Para citar este
documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Amaral, João Victor
Holanda do: Protesto de CDA: uma análise da constitucionalidade do
instituto. Práxis
Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível
em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/03/protesto-de-cda-uma-analise-da.html>. Acesso em:
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