Akhenaten e Nefertiti. |
Vitor Carvalho Curvina Costa de
Araujo
(Bacharel em Direito pela UFC)
RESUMO
O presente
trabalho tem por abordagem principal a análise da aplicação da
imunidade tributária recíproca em face das empresas públicas e
sociedades de economia mista sob a ótica do Supremo Tribunal
Federal. Para tanto, busca-se uma pormenorizada investigação do
instituto, seus fundamentos constitucionais, bem como as
classificações e a conceituação, expressadas pela doutrina
especializada. Diferenciando os vários
institutos que ensejam o não pagamento de tributo, quais sejam, a
imunidade, isenção, a não-incidência
e a alíquota zero, analisamos cada uma delas para distingui-las sob
o ponto de vista dogmático para, enfim, abordar a imunidade
recíproca em si, especialmente no que se refere a aplicação ou não
em benefício de empresas públicas e sociedades de economia mista
prestadoras de serviço público, bem como o seu eventual conflito
com o princípio da livre concorrência e da liberdade de iniciativa,
tudo sob uma ótica eminentemente prática, através da análise
detalhada dos precedentes do guardião máximo da Constituição
Federal.
Palavras-chave:
Imunidade tributária. Imunidade
tributária recíproca. Empresas públicas e sociedades e economia
mista.
1 INTRODUÇÃO
A ideia da construção de um
Estado enquanto ente soberano e capaz de imprimir sua vontade em face
dos particulares foi um passo significativo para o desenvolvimento do
ser humano, tornando-se, hoje, uma instituição indispensável ao
modelo de sociedade na qual vivemos.
Através do Estado obtivemos
os meios necessários para que o homem deixasse de viver em uma
condição de absoluta selvageria, em guerra constante, para, enfim,
se unir em sociedade, abdicando de parte de sua liberdade em prol de
um “guarda noturno” invisível capaz de garantir o mínimo de
segurança a todos. Nestes termos, Hugo de Brito Machado (2012, p.
23) nos ensina:
[...] para viver em sociedade, necessitou o homem de uma entidade com força superior, bastante para fazer as regras de conduta, para construir o direito positivo. Dessa necessidade nasceu o Estado, cuja noção se pressupõe conhecida de quantos iniciam o estudo do direito tributário.
Assim, o que o homem fez, ao
organizar-se em coletividades, foi abdicar de parte de sua liberdade
por meio de uma espécie de pacto social para obter um pouco mais de
segurança, pois esta sempre foi uma condição imprescindível para
o seu pleno desenvolvimento. (Araújo, 2014)
É essa a linha geral que
seguem os contratualistas, Thomas Hobbes, John Lock e Jean-Jacques
Rousseau, que explicam o surgimento da sociedade civil, ainda que com
consideráveis diferenças em suas premissas, a partir de um contrato
social celebrado entre os indivíduos, que renunciaram parte de sua
liberdade a fim de que uma entidade dotada de autoridade suficiente
possa impor sua vontade a todos. (Araújo, 2014)
Nesta toada, Cristiano
Carvalho (2013, p. 137) sobre as funções do Estado assim se
manifesta:
[...] [O Estado] terá a função de proteger e garantir a liberdade dos mesmos indivíduos que abdicaram de parcela dela ao pactuarem o contrato social. Por paradoxal que possa parecer, é a renúncia parcial da liberdade que possibilita a manutenção dessa mesma liberdade, pelo monopólio estatal do uso da violência, por exemplo, a segurança contra violência interna (polícia), contra violência externa (forças armadas) e árbitros para dirimir conflitos de interesses entre os indivíduos (juízes).
Para executar as suas funções
e para a própria manutenção de todo o seu aparelhamento, o Estado
demanda uma quantidade vultosa de recursos. Pagar os seus agentes;
fornecer serviços públicos para a população como saúde,
educação, segurança, assistência social, previdência;
custeamento das forças armadas, execução de obras públicas;
manutenção da estrutura estatal dos poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário são alguns dos vários gastos que Estado possui.
(Araújo, 2014)
Em vista disso, conforme nos
ensina Renato Lopes Becho (2014, p. 27), “é necessário que o
Estado tenha um sistema de finanças públicas para realizar e
suportar os dispêndios, em moeda, para sua manutenção e do seu
povo.”
Todavia, não são muitas as
forma que o Poder Público detém para capitalizar-se. Muito pelo
contrário, os meios de financiamento do Estado utilizados ao longo
de toda a história da humanidade resumem-se a apenas cinco: 1)
realizar extorsões sobre outros povos ou deles receber doações
voluntárias; 2) recolher as rendas produzidas pelo desenvolvimento
de seu próprio capital, através de seus bens e empresas; 3) exigir
coativamente tributos ou penalidades; 4) tomar ou forçar
empréstimos; 5) emitir dinheiro metálico ou de papel. (Araújo,
2014)
Ainda assim, atualmente, não
são mais todas essas fontes utilizadas, segundo leciona Renato Lopes
Becho (2014, p. 27), que assim afirma:
[...] há algumas possibilidades para arrecadar dinheiro aos cofres públicos: exploração do patrimônio estatal [2], arrecadação de tributos [3] e mecanismos financeiros [4 e 5], por exemplo. O Estado recebe quando explora seu patrimônio, produzindo e extraindo bens que são vendidos em troca de moeda. Arrecada tributos quando exige das pessoas que estão sujeitas a seu império a entrega de parte de suas riquezas a ele, Estado. O Poder Público vale-se de mecanismos financeiros, v.g., quando produz a própria moeda, quando toma empréstimos, quando aplica no mercado financeiro ou quando emite títulos.
Neste diapasão, dentre essas
opções que os governos soberanos possuem de arrecadação, destaca
Hugo de Brito Machado (2012, p.24):
A tributação é, sem sombra de dúvidas, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica. O tributo é inegavelmente a grande e talvez única arma contra a estatização da economia.
Podemos, assim, concluir da
mesma forma que Machado (2012, p. 23-24), de que:
[...] qualquer que seja a concepção de Estado que se venha a adotar, é inegável que ele desenvolve atividade financeira. Para alcançar seus objetivos precisa de recursos financeiros e desenvolve atividade para obter, gerir e aplicar recursos. Isto não significa que não possa atuar no campo econômico. E atua, com maior ou menor intensidade, ora explorando o patrimônio seu, com o fim de lucrar, ora intervindo no setor privado da economia, na defesa da coletividade. De qualquer forma, pelo menos em princípio, o Estado não prescinde de recursos financeiros que arrecada do setor privado, no exercício de sua soberania.
Portanto, é possível
afirmarmos que, sem tributos, não há viabilidade de existência
para qualquer tipo de Estado que seja. Os dois institutos estão
intimamente ligados. A existência de um, implica necessariamente na
existência do outro. É o que destaca Leandro Paulsen (2013, p 15),
ao assim afirmar:
A tributação é inerente ao Estado, seja totalitário ou democrático. Independentemente de o Estado servir de instrumento da sociedade ou servir-se dela, a busca de recursos privados para a manutenção do Estado é uma constante na história.
Em razão da importância que
a tributação assume como principal fonte de custeio para os
serviços públicos, o direito positivo dos atuais regimes
democráticos têm uma enorme preocupação em estabelecer limites a
essa prerrogativa estatal de exigir coativamente do contribuinte
prestações pecuniárias. (Araújo, 2014)
A avidez por recursos do
Poder Público é ilimitada e se apresenta como uma ameaça à livre
iniciativa e às liberdades individuais, caso não seja restringida.
“Por isso, as normas jurídicas que têm por objeto os tributos
despontam em importância no quadro das normas de direito público.”
(Becho, 2014, p. 27)
O Legislador Constituinte de
1988, prolixo como foi ao longo de todo o texto constitucional, seja
a matéria que fosse, deu tratamento especial à Ordem Tributária,
separando um título inteiro da Constituição Federal (Título VI)
só para o disciplinamento da matéria “tributação e orçamento”,
fixando assim as balizas constitucionais do Sistema Tributário
Nacional nos arts. 145 a 162.
Nessa esteira, foram
estabelecidas as imunidades constitucionais, verdadeiros limites
constitucionais no exercício do poder constitucional de tributar,
tema sobre o qual o presente trabalho pretende se debruçar, mais
especificamente no que tange àquela fixada no art. 150, VI, alínea
“a”, da Constituição Federal, mais conhecida como imunidade
recíproca ou mútua, a qual se classifica como uma imunidade
ontológica, pois veda a imposição de tributos sobre o patrimônio,
renda e serviços de um ente político sobre o outro em decorrência
lógica do próprio conteúdo e essência do pacto federativo.
Assim, em um primeiro
momento, enfrentaremos o tema a respeito da imunidade tributária,
sob uma abordagem mais genérica, analisando os conceitos trazidos
pela doutrina brasileira, as suas espécies fixadas pela
Constituição, sua relação com as normas de competência
tributária, bem como os preceitos interpretativos que norteiam a sua
aplicação.
Ademais, será destacada a
classificação doutrinária a respeito das várias espécies de
imunidade tributária, sempre destacando em qual se insere a
imunidade intergovernamental recíproca, principal objeto de estudo
deste trabalho monográfico.
Mais adiante, se passará a
abordar a imunidade tributária recíproca em si, momento no qual
será abordado a sua origem histórica e o seu fundamento
principiológico, notadamente o princípio federativo, o da isonomia
entre os entes estatais e a capacidade contributiva.
Em seguida, abordaremos o
verdadeiro alcance da imunidade intergovernamental recíproca, tanto
no que tange à expressão “patrimônio, renda e serviços”, como
no aspecto das espécies tributárias.
Por derradeiro, faremos uma
análise pormenorizada a respeito da aplicação da imunidade
tributária recíproca em face das empresas públicas e sociedades de
economia mista, as opiniões a respeito do tema, bem como os limites
e condições para a sua aplicação na visão do Supremo Tribunal
Federal, o que se fará através da análise de quatro casos
concretos já enfrentados pelo tribunal, quais sejam, o caso da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), da Empresa
Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), da Casa da
moeda (CMB) e o caso da Companhia Docas do Estado de São Paulo
(CODESP).
2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
O Estado precisa
realizar uma série de despesas para a manutenção de toda a sua
estrutura, bem como para o cumprimento dos objetivos para o qual foi
criado, especialmente quando falamos do modelo de Estado tal qual
configurado pelo constituinte de 1988, onde o Poder Público avocou
para si uma relação enorme de deveres a serem cumpridos e de
serviços públicos a serem prestados em benefício dos cidadãos.
Sendo assim, para realizar
todos os mandamentos constitucionais contidos no Texto Maior, fazendo
com que sejam efetivados os direitos fundamentais nele assegurados e
cumprindo o seu desiderato maior, que é a satisfação do interesse
público, o Estado necessita angariar uma monta significativa de
recursos econômicos, o que faz especialmente através da tributação.
É exatamente por isso que a
legislação tributária ganha grande importância no ordenamento
jurídico brasileiro, pois, sendo a tributação a principal fonte de
receita estatal, ao mesmo tempo em que é uma atividade extremamente
invasiva, que suprime o patrimônio privado dos contribuintes,
preocupou-se, pois, o constituinte em estabelecer balizas bem
estruturadas de limitação ao poder constitucional de tributar.
É nesse contexto que a
Constituição apresenta toda uma seção (Seção II, do Capítulo
I, do Título VI) referente às normas destinadas à limitação do
poder de tributar do Estado. Não obstante referida seção, que vai
do artigo 150 ao 152 da CF, outros dispositivos limitadores surgem ao
longo do texto constitucional, seja de forma explícita ou implícita,
além dos princípios constitucionais tributários, tais como
legalidade, anualidade, igualdade, uniformidade e irretroatividade.
Se o rol de imunidades mais
famoso está no citado artigo, é importante ressaltar, neste
momento, que ele não é exaustivo, tão pouco se pode afirmar,
conforme já defendeu parte da doutrina (Machado, 2011, p. 286), que
a imunidade é figura restrita a espécie tributária impostos.
Renato Lopes Becho (2014, p.
485), por exemplo, em seu livro Lições de Direito Tributário,
elenca algumas das normas imunizantes fora do art. 150 e que não se
referem a impostos, são elas:
1) art. 5º, XXXIV, a e b: direito de petição, obtenção de certidão etc.2) art. 5º, LXXIII: ação popular isenta de custas.3) art. 5º, LXXIV: assistência judiciária gratuita.4) art. 5º, LXXVI, a e b: certidão de nascimento e óbito para os pobres.5) art. 5º, LXXVII: habeas corpus e habeas data6) art. 203, caput: assistência social independente de contribuição7) art. 208, I: ensino fundamental obrigatório e gratuito.8) art. 226, §1º: gratuidade da celebração do casamento.9) art. 230, §2º: gratuidade no transporte coletivo aos maiores de 65 anos.
As razões para a instituição
de imunidades são as mais diversas possíveis, mas todas elas visam,
em última análise, promover algum valor constitucionalmente
consagrado, podendo ser o desenvolvimento nacional através das
exportações, a difusão do conhecimento, dentre várias outras logo
mais analisadas quando da classificação das imunidades.
Neste contexto, salutar são
os ensinamentos de Luciano Amaro (2012, p. 240), em seu curso de
direito tributário, a respeito dos fundamentos das normas
imunizantes:
O
fundamento das imunidades é a preservação de valores que a
Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a
liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de
expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva)
capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada situação),
proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a
não tributabilidade das pessoas ou situações imunes.
Isto posto, faz-se necessária
uma incursão no conceito de imunidade tributária, definindo os
métodos de interpretação aplicados às normas imunizantes, além
de distingui-la da isenção, da não-incidência e da alíquota
zero. Em seguida, passa-se ao estudo das imunidades genéricas
previstas no artigo 150, VI, da CF, ressaltando os valores
constitucionalmente protegidos em tais normas.
2.1 Imunidade tributária como limite à competência tributária
Conforme já aventado, a
competência tributária e os limites para o seu exercício é
claramente uma matéria de ordem constitucional. Na Constituição
Federal, por exemplo, traz-se ao longo de seu texto a competência da
União, Estados e Municípios para instituir impostos, taxas e
contribuição de melhoria, consoante art. 145, da mesma forma as
imunidades estão espalhadas pelos mais diversos dispositivos da
Carta Magna, sendo o mais famoso deles aquele que trata dos impostos,
no art. 150, VI.
Desta feita, a noção de
imunidade tributária passa diretamente pelo conceito de competência
tributária. É que, ao mesmo tempo em que a Constituição outorga a
prerrogativa a determinado ente para instituir algum tributo, ela
também aponta situações em que ela de forma alguma poderá ser
exercida, ou seja, ela define casos em que se fica vedada a
incidência tributária, limitando a competência que ela mesma
atribui.
Nesse sentido, Ricardo
Alexandre (2015, p 319) ensina que as imunidades são limitações ao
poder de tributar consistentes na delimitação da competência
tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos.
Da mesma forma, leciona Hugo
de Brito Machado (2011, p 285) sobre a imunidade nos seguintes
termos:
Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. A imunidade impede que a lei defina com hipóteses de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência tributária.
Já Roque Carrazza (2010, p
752) explica a imunidade a partir do ponto de vista de que ela se
trata de uma incompetência constitucionalmente qualificada para
tributar:
Sempre que a Constituição estabelecer uma imunidade, está, em última análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, de conseguinte, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.
Sabbag (2013, p. 287), por
sua vez, defende que a imunidade para tributos representa uma
delimitação negativa de competência tributária. Para o autor, o
legislador constituinte adotou a técnica de traçar, de modo
cuidadoso, as áreas que refutam a incidência das exações
tributárias, levando-se em consideração nosso sistema rígido de
distribuição de competências impositivas.
Importante destacar, por
outro lado, conforme o faz Hugo de Brito Machado (2011, p 286), que
há quem diga que a imunidade não é propriamente uma limitação a
competência de tributar, tendo em vista que, para que tal ocorresse,
teria que ser posterior à outorga. Ou seja, se toda atribuição de
competência importa uma limitação, e se a regra que imuniza
participa da demarcação da competência tributária, resulta
evidente que a imunidade é uma delimitação dessa competência.
Luciano Amaro (2012, p. 240),
por exemplo, é um desses autores que defende ser a imunidade não
uma limitação ao poder de tributar, mas a sua própria delimitação,
o que faz nas seguintes palavras:
Tradicionalmente estudada como uma “limitação do poder tributar”, no sentido de “supressão”, “proibição” ou “vedação” do poder de tributar, a imunidade [...] configura uma simples técnica legislativa por meio da qual o constituinte exclui do campo tributável determinadas situações sobre as quais ele não quer que incida este ou aquele gravame fiscal, cuja instituição é autorizada, em regra, sobre o gênero de situações pelo qual aquelas estariam compreendidas.
Não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, pela boa razão de que, nas situações imunes não existe (nem preexiste) poder de tributar.
Paulo de Barros Carvalho
(2004, p. 172) também segue a mesma linha e defende que “a
imunidade não exclui nem suprime competências tributárias, uma vez
que estas representam o resultado de uma conjunção de normas
constitucionais, entre elas, as de imunidade tributária.”
Na mesma linha ainda as
brilhantes lições do consagrado Aliomar Baleeiro (2005, p. 228) que
assim conceitua a imunidade:
[...] é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal.
É que a Constituição Federal, ao partilhar o poder tributário entre as pessoas estatais que integram a Federação, se utiliza da técnica de atribuição e de denegação (ou supressão parcial). De um lado, encontramos atribuições de poder para instituir tributo, concedidas em caráter positivo (arts. 145, 148, 149, 1453 e 156) e normas que reduzem, diminuem, suprimem parcialmente a abrangência das primeiras, realizando a enformação ou a modelagem da competência, constitucionalmente delimitada. A imunidade é, portanto, regra de exceção, somente inteligível se conjugada à outra, que concede o poder tributário, limitando-lhe a extensão, de forma lógica e não sucessiva no tempo.
De toda forma, é bom
ficarmos aqui com a conclusão que chega Hugo de Brito Machado ao
refletir sobre o tema (2011, p. 286):
O importante é notar que a regra da imunidade estabelece exceção. A constituição define o âmbito do tributo, vale dizer, o campo dentro do qual pode o legislador definir a hipótese de incidência da regra de tributação. A regra de imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna imune. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho constitucional do âmbito do tributo, da mesma forma que opera a regra de isenção relativamente à definição da hipótese de incidência tributária.
Em suma, a imunidade
tributária é norma constitucional delimitadora da competência
tributária que faz impedir a incidência da norma tributante e o
surgimento da obrigação tributária em determinadas situações ou
em relação a certas pessoas. Trata-se, portanto, de hipóteses
constitucionalmente qualificadas de não incidência tributária, que
acaba por conferir aos detentores de tal benefício o direito público
subjetivo de não ser tributado nas hipóteses previstas.
Conforme ensina Hugo de
Britto Machado (2011, p. 102), a palavra “interpretação” tem
vários significados. Pode significar a atividade do interprete, ou o
resultado desta. Não diz respeito apenas às normas jurídicas, mas
tudo quanto possa ser objeto do conhecimento humano. E sobre o
assunto prossegue ainda o autor (Machado, 20111, p. 102):
A interpretação das normas jurídicas pode ser considerada em sentido amplo, como a busca de uma solução para um caso concreto, e em sentido restrito, como busca do significado de uma norma. [...]
Segundo a doutrina tradicional, interpretação é atividade lógica pela qual se determina o significado de uma norma jurídica. O interprete não cria, não inova, limitando-se a considerar o mandamento legal em toda a sua plenitude, declarando-lhe o significado e o alcance.
Quanto ao papel do
interprete, embora realmente a doutrina tradicional se coloque,
conforme destacado pelo autor, ou seja, no papel de mero porta-voz do
seu sentido, não é esse o entendimento que hodiernamente prevalece.
É que, com o desenvolvimento
da teoria pós-positivista, entende-se majoritariamente hoje em dia
que o interprete não pode ser considerado como sujeito alheio ao
processo de criação da norma. Muito pelo contrário, segundo tal
entendimento, o juiz no exercício do seu ofício não realiza uma
função meramente de conhecimento técnico, direcionado a tão
somente reproduzir a solução contida no dispositivo normativo, mas
constrói a norma por meio de processo criativo do qual as condições
fáticas do caso concreto e as suas próprias convicções e valores
são relevantes para o produto final do processo interpretativo.
Sobre o tema, salutares são
os ensinamentos de Luis Roberto Barroso1:
Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.
A atividade interpretativa é,
pois, caracterizada hodiernamente por ser o processo criativo por
meio do qual se afere, através dos vários métodos desenvolvidos
pela ciência hermenêutica, o real significado e alcance de
determinada norma jurídica.
Ademais, conforme destaca
Ricardo Alexandre (2015, p. 488), toda norma precisa de
interpretação, pois por mais claro que seja o seu texto, é
necessário um mínimo de processo interpretativo para se chegar a
tal conclusão, não sendo correto o entendimento constante no antigo
brocardo in claris cessat interpretatio (as normas claras não
precisam ser interpretadas).
Quanto aos métodos
interpretativos a doutrina clássica costuma apontar quatro: 1) o
método gramatical, 2) o histórico, 3) o sistemático e 4) o
teleológico, aplicáveis todos eles a qualquer causa, sem
prevalência de um sobre o outro.
Especificando cada um deles,
a interpretação gramatical se caracteriza por ser a mais básica e
elementar de todas elas e parte da mais pura análise textual,
perquirindo-se o sentido das palavras utilizadas pelo legislador no
texto normativo. Neste sentido, a interpretação literal ou
gramatical leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico
das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro
valor. (Alexandre, 2015, p. 490)
A interpretação histórica,
por sua vez, vai buscar subsídios nos elementos do contexto
histórico em que a norma foi criada ou mesmo a evolução do
instituto ao qual se busca o sentido ao longo do tempo.
Não é outro o ensinamento
de Ricardo Alexandre (2015, p. 490):
A interpretação histórica leva em consideração as circunstâncias políticas, sociais, econômicas e culturais presentes no momento da edição da norma. Confere-se importância ímpar à análise das exposições de motivos do projeto de lei, das discussões do parlamento e da sociedade, da evolução histórica do instituto disciplinado na norma. Assim, se chega ao que o legislador pretendia dizer ao redigir o texto objeto de interpretação.
Já a interpretação
sistemática é método que procura dar significado à norma através
da análise de todo o ordenamento jurídico ao qual está envolto o
elemento interpretativo. Busca-se o confronto entre o dispositivo
isoladamente considerado e toda a matéria que lhe é pertinente,
para lhe dar sentido mais consentâneo com o contexto ao qual está
inserido.
Sobre o tema, destaca Ricardo
Alexandre (2015, p. 490):
A interpretação sistemática analisa a norma como parte de um sistema no qual está inserida, buscando a harmonia e a unicidade que devem caracterizar o ordenamento jurídico, afastando antinomias (contradições). Deixa-se de olhar exclusivamente para o texto do dispositivo interpretado e se passa a analisá-lo em conjunto com todos os demais dispositivos da mesma norma e com todas as demais normas correlatas que integram o ordenamento jurídico, respeitando a hierarquia.
Finalmente, o método
teleológico vai buscar o sentido normativo através da análise
aprofundada do propósito para qual foi criada, da intenção não do
legislador em si, mas da norma veiculada por meio do texto normativo.
O intérprete deve possuir em mente os objetivos que presidiram a
elaboração da norma, para atribuir-llhe o sentido que mais se
coadune com tais desígnios, de forma a concretizar, no mundo dos
fatos, a vontade abstrata da norma. (Alexandre, 2015, p. 490)
Não é diferente o
ensinamento de Hugo de Brito Machado (2011, p. 105):
Com este método [teleológico] o interprete empresta maior relevância ao elemento finalístico. Busca o sentido da regra jurídica tendo em vista o fim para o qual foi ela elaborada. Fundamentar-se em que todo o Direito tende a um fim, tem uma finalidade, e esta finalidade deve ser considerada interpretação, de sorte que o intérprete não extraia do texto m significado incompatível com o fim visado pelo legislador.
Importante destacar, neste
momento, que nenhum dos métodos de interpretação é suficiente,
nem deve prevalecer em todos os casos. O intérprete deve – isto,
sim – buscar o sentido da norma utilizando todos os métodos e
comparando as conclusões. Algumas certamente são de pronto
afastadas, por absurdas. Outras podem persistir ensejando dúvidas. A
rigor, sempre é possível mais de um significado. A escolha final de
um desses significados geralmente é um ato de política jurídica, e
deve recair naquele significado que melhor realize os valores
fundamentais que ao Direito cumpre preservar (Machado, 2011, p. 106).
Nesta toada, importante
destacar a lição de Amaro (2012, p. 338) sobre a aplicação do
direito tributário e a sua interpretação enquanto ramo da ciência
jurídica:
O direito tributário, desdobrado em relações jurídicas nas quais o direito do Estado é balizado pelos direitos dos indivíduos, interpreta-se consoante as regras e técnicas de interpretação aplicáveis ao direto em geral, sem que haja lugar para aplicação de critérios apriorísticos.
Ponto fulcral a respeito da
imunidade tributária em geral, seja qual for a sua espécie, é
saber o real alcance que a norma constitucional que excepciona a
competência tributária tem.
Primeiramente, é importante
destacar que é de largo conhecimento da teoria geral do direito o
mandamento hermenêutico de que as exceções devem ser interpretadas
restritivamente, nesse ponto, temos inclusive o exemplo do art. 111
do Código Tributário Nacional, que determina a interpretação
literal de normas nitidamente excepcionantes, como as regras de
isenção, de suspensão ou exclusão do crédito tributário ou de
dispensa de cumprimento de obrigações acessórias. Eis a redação
do texto normativo:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;II - outorga de isenção;III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
A necessidade de serem
interpretadas restritivamente as regras de natureza de exceção é
muito simples e muito bem explicada por Ricardo Alexandre (2015, p.
496), para o autor, “se forem permitidas interpretações
extensivas e utilização de analogias para a pesquisa do alcance das
exceções, estas tenderão a suplantar a regra, o que seria uma
subversão da ordem.”
Desta feita, sendo a
imunidade norma constitucional que excepciona o poder constitucional
de tributar do ente federativo, a conclusão mais elementar que se
poderia chegar era de que elas devem ser interpretadas
restritivamente.
Todavia, a solução não é
tão simples assim. Analisando detidamente o art. 111 do CTN, é
possível notar que em momento nenhum ele cita a imunidade
tributária, ademais disso, e este o ponto mais importante, as
imunidades, conforme já citado, são instituídas para resguardar
algum valor que o constituinte achou realmente relevante a fim de que
fosse resguardado inclusive da tributação, de modo que muitas das
vezes necessita-se dar uma interpretação ampliativa de algumas
imunidades, até para garantir o efeito desejado pelo constituinte na
fixação da imunidade e garantir a máxima efetividade da
Constituição. Foi o que, por exemplo, a Corte Constitucional fez ao
estender a imunidade cultural aos álbuns de figurinhas e cromos.
Neste ponto, Becho (2014, p.
487):
O conhecimento das regras de imunidade é alcançado partindo-se do texto constitucional. É ali que encontramos as primeiras referências textuais. Entretanto, não é correto firmar-se nesse texto, pois o Supremo Tribunal Federal – intérprete e aplicador maior da Constituição – tem por vezes ampliado e atualizado o instituto, como quando entendeu que a imunidade a “livros, jornais e periódicos” deve ser estendida várias outras publicações, como figurinhas de álbum infanto-juvenil.
A atuação do Supremo Tribunal Federal deixa claro que, em matéria de imunidade, a primeira fonte é a Constituição Federal. Abaixo dela, a fonte jurídica da imunidade é o Poder Judiciário. Não há espaço, nessa matéria, para o desenvolvimento legislativo, o que significa dizer que a lei ou o processo legislativo não é fonte do direito em relação às imunidades.
Voltando nossa atenção às decisões do órgão da cúpula do Poder Judiciário, acrescentamos que não é apenas o Supremo Tribunal Federal o detentor da competência em matéria de imunidade. Todos os órgãos do Poder Judiciário – que tenham competência fiscal – são aptos a decidir nesse assunto. As ações que discutem pleitos de imunidades integram a competência, pois, da Justiça Comum estadual e federal. Como o tema é constitucional, o Supremo Tribunal Federal será o competente para, em última instância, decidir definitivamente referidas causas judiciais.
Ante todo o exposto,
entende-se que o alcance das normas imunizantes deve ser obtido
dentro da lógica do próprio sistema constitucional. É isso que
Nogueira ensina (2003, p. 133):
A interpretação das imunidades tributárias consiste na tarefa voltada para a realidade da conduta do Estado-Fisco, através de seus agentes, e dos administrados, procurando conhecê-la e defini-la como direito (faculdades, poderes...), como lícito, como sanção, ou como prestação. Do ângulo do Estado, procura-se saber se pode ou não pode instituir tal obrigação tributária, ainda que haja norma (inválida) efetivando o exercício de competência tributária. Do ângulo do administrado, busca-se definir se a conduta estatal pode interferir na conduta do administrado no sentido de obrigá-lo a pagar determinado tributo, ou se é a conduta do administrado que interfere na conduta estatal no sentido de coibir o exercício de competência tributária, por ser legítima.
Sendo assim, entende-se como
mais correto a corrente que defende que as imunidades tributárias
devem ser interpretadas segundo os valores constitucionalmente
adotados, protegendo efetivamente os princípios os quais se destina,
utilizando-se, para tanto, todos os métodos interpretativos
clássicos já elencados.
Fonte: Internet. |
O conceito de imunidade como
hipótese constitucionalmente qualificada de não-incidência que
delimita a competência tributária através de comandos negativos
sobre os quais o ente tributante não pode atuar já foi analisado
nas linhas anteriores, assim como foi explicado a forma que tais
normas devem ser interpretadas.
Avançando no tema, é
preciso fazer algumas distinções entre situações aparentemente
semelhantes aos olhos do cidadão comum, mas que para o operador do
direito são bem distintas. Trata-se dos casos de isenção,
não-incidência e alíquota zero, tudo isso em relação ao
instituto da imunidade.
Analisando detidamente a
Constituição Federal, é possível constatar facilmente que em
nenhum momento o constituinte usa o termo imunidade tributária,
muito pelo contrário, o legislador em diversos momentos usa
equivocadamente termos cientificamente inapropriados para instituir
alguma imunidade, ficando a cargo da doutrina realizar tão
importante diferenciação, pois, se deles decorrem o mesmo resultado
prático, qual seja, o não pagamento do tributo, a tratamento
enquanto institutos são completamente diferentes, gerando assim
abordagens completamente diferentes.
Começando pela isenção,
trata-se, nos termos do art. 175 do CTN, de hipótese de exclusão do
crédito tributário, caracterizado pela doutrina majoritária como
uma dispensa legal de pagamento do tributo devido. É bem verdade que
há quem diga que a isenção não é propriamente de uma dispensa
legal de pagamento, atuando ainda antes do surgimento da obrigação
tributária impedindo a incidência da norma jurídica.
Para Hugo de Brito Machado,
por exemplo, “a lei isentiva retira uma parcela da hipótese de
incidência da lei da tributação”. Deste modo, a isenção
atuaria obstando o próprio nascimento da obrigação tributária,
sendo “o próprio poder de tributar visto ao inverso”. Ademais,
adverte ainda o referido autor:
Embora tributaristas de renome sustentem que a isenção é a dispensa de tributo devido, pressupondo, assim, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, na verdade ela exclui o próprio fato gerador, A lei isentiva retira uma parcela da hipótese de incidência da lei de tributação. Isenção, portanto, não é propriamente dispensa de tributo devido. (...) A isenção seria, assim, a dispensa do tributo que não chega a existir no plano da concreção jurídica.
Diante deste embate
doutrinário a respeito da natureza da isenção e do momento em que
ela atua, o Supremo Tribunal Federal foi instado a manifestar e em
várias oportunidades o tribunal encampou a doutrina tradicional a
qual inclusive inspirou a edição do Código Tributário Nacional,
de modo que a posição mais segura sobre o instituto é de que a
isenção é efetivamente uma mera dispensa legal do pagamento,
restando clara, portanto, a grande distinção entre este instituto e
a imunidade, pois enquanto que no primeiro há incidência
tributária, há o surgimento da obrigação tributária, bem como do
crédito, este último é dispensado por meio de norma inserida no
plano legal, ao passo que na imunidade sequer há fato gerador, pois
norma estabelecida no plano constitucional exclui a competência do
ente tributante.
Neste sentido, Luciano Amaro
(2012, p. 241) diferencia imunidade e isenção da seguinte forma:
Basicamente, a diferença entre a imunidade e a isenção está em que a primeira atua no plano da definição da competência, e a segunda opera no plano do exercício da competência. Ou seja, a Constituição, ao definir a competência, excepciona determinadas situações que, não fosse a imunidade, quedariam dentro do campo de competência, mas, por força da norma de imunidade, permanecem fora do alcance do poder de tributar outorgado pela Constituição. Já a isenção atua noutro plano, qual seja, o do exercício do poder de tributar: quando a pessoa política competente exerce esse poder, editando a lei instituidora do tributo, essa lei pode, usando a técnica da isenção, excluir determinadas situações, que, não fosse a isenção, estariam dentro do campo de incidência da lei de tributação, mas, por força da norma isentiva, permanecem fora desse campo.
A não-incidência, por sua
vez, ocorre em situações em que os acontecimentos no mundo
fenomênico não encontram correspondente hipótese de incidência,
de forma que não são definidos como situação definida em lei como
necessária e suficiente para a ocorrência do fato gerador, nos
termos do art. 114 do CTN.
Ricardo Alexandre (2015, p.
316) aponta três situações em que é possível observar o fenômeno
da não-incidência.
A primeira delas é quando o
ente tributante, tendo a competência para definir tão fato como
tributável, deixa de fazê-lo por vontade própria. É o caso
bastante comum no ITCMD em relação aos bens móveis, uma vez que
muitos estados, tendo em vista a dificuldade de fiscalização e
arrecadação em tais casos, limita-se a tributar apenas as doações
de bens móveis, cuja sujeição a registro público facilita todo o
procedimento arrecadatório.
O segundo caso de
não-incidência ocorre quando o ente tributante não dispõe da
competência para definir determinada situação como hipótese de
incidência, dado o fato de que a atribuição da norma
constitucional não abrange tão possibilidade. Seria o caso da
cobrança de IPVA sobre veículos aquáticos, por exemplo, ou mesmo
sobre veículos não motorizados como bicicletas.
Finalmente, o último caso de
não-incidência apontado pelo autor como de não-incidência é a da
própria imunidade caracterizada, diferentemente das demais, por ser
constitucionalmente qualificada como tal, pois a própria
Constituição, ao delimitar a competência do ente federativo,
impede a definição de tal fato como sujeito a tributação.
Ainda sobre a não-incidência,
digna de nota é a lição de Hugo de Brito Machado (2012, p. 229) a
respeito da sua distinção em relação ao instituto da isenção,
sem olvidar das ressalvas já apontadas de que, embora o autor
caracterize a isenção como exclusão da própria incidência
tributária, a posição dominante do STF é de que se trata de mera
dispensa legal do pagamento da obrigação tributária:
Isenção é a exclusão por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação. A não incidência, diversamente, configura-se em face da própria norma de tributação, sendo objeto da não incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência.
Por último, temos a
alíquota zero, caracterizando-se por ser mais um desses fenômenos
que no âmbito da pratica tem o mesmo efeito, qual seja, o não
recolhimento de tributo. Neste caso, o ente tributante tem
competência para definir o fato como ensejador do surgimento da
obrigação tributária e ele efetivamente o faz, ocorre que, a
despeito do surgimento da obrigação tributária, na hora do
lançamento do crédito, por uma questão de mera operação
aritmética, a prestação devida pelo contribuinte é equivalente a
zero.
Sobre os casos de alíquota
zero e a utilidade prática do seu uso Ricardo Alexandre (2015, p.
318) assim leciona:
Poder-se-ia perguntar o que levaria o legislador a instituir um tributo com alíquota igual a zero. Na realidade, os casos de alíquota zero normalmente se referem aos tributos regulatórios (II, IE, IPI e IOF), que (...) podem ter suas alíquotas alteradas por ato do Poder Executivo. Em determinados momentos, querendo incentivar certa atividade, o Presidente da República pode optar por diminuir a alíquota de um destes tributos a zero (desde que esse percentual esteja dentro dos limites estipulados em lei).
A título de exemplo, é normal que a alíquota do imposto de exportação da imensa maioria das mercadorias seja reduzida a zero, como parte da política de incentivo à exportação.
2.4 Classificação das imunidades
As imunidades tributárias
estão dispostas ao longo do texto constitucional e tem hipóteses
das mais variadas possíveis, não se restringindo tão somente aos
impostos, como outrora parcela considerável da doutrina tradicional
já defendeu, mas abrangendo taxas e contribuições também. Algumas
delas são referentes a determinadas pessoas outras relacionadas a
situações objetivamente consideradas o que leva a doutrina pátria
estabelecer as mais diversas formas de classificações a partir dos
mais variados critérios, tudo com o fito de facilitar e sistematizar
o estudo do instituto.
Tendo em vista a riqueza de
variedade de classificações, passaremos a analisar algumas delas,
somente as mais consagradas, com destaque para as classificações as
quais se encaixa a imunidade tributária recíproca, tema abordado
neste presente trabalho, sempre lembrando que não há classificação
mais correta ou equivocada. As classificações doutrinárias são
utilizadas para facilitar a compreensão do instituto e sistematizar
o seu entendimento, sendo a escolha do critério a ser adotado uma
mera escolha epistemológica, que apenas revelará se a classificação
é mais ou menos útil para um determinado fim.
2.4.1 Imunidade subjetiva, objetiva ou mista
Neste ponto, o primeiro
critério classificatório que queremos analisar é quanto ao
parâmetro para concessão, ou seja, quanto a situação ou
beneficiado sobre o qual ou a qual incide a exceção. Sendo assim, a
imunidade pode ser subjetiva, objetiva ou mesmo mista.
A imunidade subjetiva, como o
próprio nome vem a indicar, está relacionada a uma condição
subjetiva sobre a qual ela incide. Em outros termos, aquele que em
uma situação normal poderia ser considerado como contribuinte de
uma determinada exação tributária não poderá o ser porque a
Constituição Federal retira a competência tributária do ente
tributante através de norma negativa de competência.
É exatamente o caso da
imunidade tributária recíproca, onde ser veda a tributação do
patrimônio, renda ou serviço dos entes políticos, de modo que,
muito embora exista a propriedade de um veículo automotor, o que em
tese permitiria o Estado tributar por meio do IPVA, o fato de este
veículo pertencer a um ente político, como a União ou um
Município, impede a incidência tributária simplesmente pela
condição de ente político do proprietário do bem.
Ademais, neste mesmo rol
encontra-se a imunidade dos templos, que, muito embora o nome
doutrinariamente consagrado fazer referência ao templo em si, na
realidade a imunidade tributária está relacionado a instituição
religiosa como um todo e não somente em relação os espaço físico
no qual são celebradas as suas cerimônias religiosas.
A imunidade objetiva, por sua
vez, vai ocorrer em condições ou transações objetivamente
consideradas, independentemente dos agentes relacionados na operação.
É o caso, por exemplo, da
imunidade cultural, entabulado no art. 150, VI, “d”, segundo o
qual não incide impostos sobre livros, jornais, periódicos e o
papel destinado a sua impressão. Nota-se que não importa que é o
proprietário do livro, quem esta envolvido na operação, se um
grande conglomerado de mídia dono de um jornal ou uma pequena
gráfica de âmbito local, muito menos quanto ao conteúdo do livro,
jornal ou periódico. A imunidade, neste ponto, incide igual para
todos, pois a intenção do legislador quando da instituição da
imunidade foi o favorecimento a difusão da informação o do
conhecimento sem qualquer tipo de distinção.
Outro exemplo que podemos
citar de imunidade objetiva seria a novidade inserida por meio da
Emenda Constitucional nº 75, relativo aos fonogramas e
videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais
ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral
interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais
ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação
industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Finalmente a imunidade mista,
esta se caracteriza por congregar critérios comuns às outras duas
espécies já elencadas ao mesmo tempo. Em outras palavras, na
imunidade tipo mista a estrutura da regra prevista na norma
imunizante prevê critérios tanto em relação ao contribuinte
quanto ao fato objetivamente considerado. É o caso da imunidade
relativa ao Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) sobre
as pequenas glebas rurais, assim definidas em lei, quando exploradas
por proprietário que não possui outro imóvel, seja urbano ou
rural, consoante previsto no art. 153, §4º, II, da Constituição.
Tal imunidade é mista porque
depende de aspectos subjetivos (o proprietário possuir apenas um
imóvel) e objetivos (a área da pequena gleba rural estar dentro dos
limites da lei). (Alexandre, 2015, p. 325)
2.4.2 Imunidade ontológica e política
As imunidades distinguem-se
quanto a sua origem entre aquelas que são políticas e as
denominadas ontológicas.
A primeira categoria
destaca-se por decorrer diretamente de uma escolha política do
legislador, que, visando promover determinado valor, institui uma
imunidade que considerou que seria relevante para satisfazer esse
interesse. Em outras palavras, são aquelas que se destinam a
proteger princípios presentes na Constituição Federal, sendo
decorrentes de uma vontade política do legislador e não em virtude
da falta de capacidade contributiva dos beneficiários.
Temos como exemplo neste
caso, a imunidade para contribuições sociais incidentes sobre as
receitas decorrentes da exportação, instituída no art. 149,§2º,
I. Neste caso, efetivamente há manifestação de capacidade
contributiva e, se o legislador constituinte não previsse tal
imunidade, seria natural a sua tributação. Todavia, valorizando o
princípio do desenvolvimento nacional e a busca da sempre necessária
balança comercial favorável, evita-se o que se chama de exportação
de tributos, ou seja, a incidência tributária sobre bens destinados
a exportação de modo a causar a elevação do preço das
mercadorias e diminuir a competitividade do produto nacional face ao
mercado internacional.
As imunidades ontológicas,
por sua vez, caracterizam-se por serem diretamente decorrentes dos
princípios e valores mais elevados da Constituição, de modo que,
ainda que fosse suprimida regra que a prevê expressamente, seria
possível extraí-la do seu conteúdo através de normas implícitas.
Em suma, as imunidades ontológicas não são decorrentes de uma
vontade política do legislador, mas uma decorrência dos próprios
valores consagrados na Lex Mater.
Exemplo mais clássico deste
tipo de imunidade seria aquela a qual é objeto de estudo neste
trabalho, ou seja, a imunidade recíproca. É que, dado o pacto
federativo sob o qual se constituiu a República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel da União, dos Estados e
Municípios, todos autônomos, nos termos das Constituição Federal,
permitir a tributação de um ente sobre o outro seria completamente
antagônico com as idéias de pacto federativo. Não é por outra
razão alias que a imunidade recíproca nos Estados Unidos foi
reconhecida ainda que em qualquer tipo de norma expressa a
determinando, restando consagrada a célebre lição do juiz Marshall
de que “o poder de tributar envolve o poder de destruir”, não
sendo possível que os serviços e instrumentos de uma esfera de
governo fiquem à mercê de outra.
2.4.3 Imunidade específica e geral
Quanto ao grau de intensidade
e de amplitude da imunidade, esta pode ser geral ou específica, tudo
a depender dos valores os quais o constituinte pretendeu proteger.
As imunidades tributárias
gerais, também conhecidas como genéricas, estão dispostas ao longo
do art. 150, VI, da Constituição Federal, nesta espécie
estabelece-se vedação ao exercício do poder de tributar de forma
genérica, abrangendo todos os entes tributantes e diversos tributos,
todos ao mesmo tempo.
É assim que ocorre em
relação à imunidade recíproca, direcionada para todos os entes, e
impede a incidência de qualquer imposto sobre patrimônio, renda e
serviços de um ente sobre o outro. Da mesma forma ocorre com a
imunidade dos partidos políticos, templos de qualquer culto, livros,
jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Nessa espécie de imunidade,
o que buscou o constituinte foi promover a proteção de valores
considerados essenciais, como o pacto federativo, a liberdade
religiosa, a liberdade política e a livre circulação de informação
e de cultura.
As imunidades específicas,
por sua vez, são direcionadas a um tributo específico, seja este
uma taxa, imposto, contribuição de melhoria, empréstimo
compulsório ou contribuição especial. No caso, limita-se o poder
de tributar de um ente em específico na busca da efetivação de um
valor menos genérico do que aqueles protegidos nas imunidades
genéricas.
Os exemplos de imunidade
específica são os mais diversos possíveis, podendo aqui serem
citados a imunidade referente ao IPI ou ao ICMS nas operações de
exportação (arts. 153, §3º, III e 155, §2º, X, “a”, ambos
da CF), bem como da imunidade referente ao ITR para as pequenas
glebas rurais (art. 153, §4º, II, da CF).
2.4.4 Imunidade condicionada e incondicionada
Quanto à necessidade ou não
de regulamentação da imunidade, esta pode ser condicionada ou
incondicionada.
No primeiro caso, é
considerada condicionada a imunidade que necessita, para a produção
dos seus efeitos, de norma regulamentadora no âmbito
infraconstitucional. Trata-se, pois, de verdadeira norma de eficácia
limitadas, nos termos da clássica lição do mestre José Afonso da
Silva.
Como exemplo, pode-se citar
aqui a imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, que prevê a
impossibilidade de se tributar o patrimônio, renda ou serviços das
instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos definidos em lei complementar,
conforme determina o art. 146, II, da Constituição.
Já as imunidades
incondicionadas, estas tem natureza de normas de eficácia plena e
aplicabilidade imediata, dispensando qualquer regulamentação no
âmbito da legislação infraconstitucional para produzir efeitos,
além do que o beneficiado não precisa cumprir qualquer obrigação
para ter garantido a não-incidência tributária.
Neste ponto, são os mais
diversos exemplos de imunidade incondicionada, apenas para citar
alguns, aponta-se a própria imunidade tributária recíproca, objeto
de estudo do presente trabalho, bem como a imunidade cultural e a dos
templos de qualquer culto.
3 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA
As
imunidades tributárias em espécies são bastante numerosas, não
cabendo a este exíguo trabalho analisar detalhadamente cada um
deles, mas tão somente especificar uma só, para mais a frente
analisar um aspecto ainda mais específico da sua incidência. Neste
ponto, detalharemos neste capítulo a imunidade tributária
recíproca, para finalmente enfrentar no capítulo seguinte a
problemática a respeito da sua aplicação ou não em benefício das
empresas estatais.
A
imunidade tributária recíproca encontra previsão constitucional no
artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal,
entabulando que é vedado aos entes políticos, quais sejam, a União,
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, de instituírem
impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros.
Trata-se
de cláusula pétrea, por configurar importante regra protetiva do
pacto federativo ao impedir a sujeição de um ente federativo ao
poder de tributar do outro (ADI 939). (Alexandre, 2015, p. 331)
Quanto
a sua origem, Roque Antonio Carraza (2012, p. 824), nos ensina que o
instituto aqui em estudo tem como precedente histórico o caso em que
o Estado de Maryland, , em 1819, pretendeu cobrar imposto sobre a
selagem com estampilhas de uma filial do banco oficial (Bank of U.S).
O caso foi levado à Corte Suprema e ficou conhecido como o
precedente “McCulloch vs. Maryland”, transformando-se em um
verdadeiro leading case, restando fixadas as seguintes ideias, até
hoje consagradas, inclusive para o ordenamento jurídico brasileiro:
1) a competência para tributar por meio de impostos envolve,
eventualmente, a competência para destruir; 2) não se deseja – e
a própria Constituição não admite – nem que a União destrua os
Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou à União; e
3) destarte, nem a União pode exigir impostos dos Estados-membros,
nem estes da União, ou uns dos outros.
Neste
ponto, relevante destacar os ensinamentos de Renato Lopes Becho
(2014, p. 488) a respeito da imunidade tributária recíproca, ou,
como o autor gosta de chamar, imunidade intergovernamental recíproca:
Participa o presente dispositivo constitucional de uma série de normas para fazer valer um princípio constitucional (não tributário) que é o federativo (CF, art. 1º) [...], sendo o Brasil uma Federação, não é razoável juridicamente a cobrança de tributo por parte de um ente público sobre outro, que importaria descaracterizar a independência recíproca que é base do sistema federativo. A não existência do princípio em análise abriria margem, também, a perseguições políticas que em nada contribuiriam para o desenvolvimento nacional. Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADIn 939/DF, rel. Min. Sydney Sanches), julgando a Emenda Constitucional nº 3, de 17-3-1993, que autorizou a União instituir Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira – IPMF. Como o art. 2º da Emenda determinou a incidência sobre fatos imponíveis praticados por Estados, Distrito Federal e Municípios, o Supremo reconheceu que a imunidade intergovernamental recíproca é garantia da Federação, sendo cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, I).
Os §§ 2º e 3º do art. 150
vão tratar da imunidade recíproca, determinando a extensão do
benefício às autarquias e às fundações instituídas e mantidas
pelo Poder Público, desde que o patrimônio, a renda e os serviços
estejam vinculados às suas finalidades essenciais (§2º), bem como
exclui a incidência da regra ao patrimônio, à renda e aos
serviços, relativos à exploração de atividade econômica regidas
pelas normas aplicáveis ao serviço privado, ou em que haja
contraprestação ou pagamento de tarifa ou preço pelo usuário
(§3º).
Sendo assim, importante neste
ponto atentar para a redação dos dispositivos em comento, in
verbis:
Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;(...)
§ 2º A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Com efeito, nos termos do
parágrafo 2º, tem-se que a imunidade tributária recíproca é
estendida às autarquias e às fundações instituídas e mantidas
pelo Poder Público, desde que o patrimônio, a renda e os serviços
estejam vinculados às suas finalidades essenciais.
Trata-se, pois,
diferentemente da previsão do art. 150, VI, de um benefício mais
restrito, pois “a extensão da imunidade tributária recíproca às
autarquias e fundações públicas não lhes confere uma garantia de
igual amplitude àquela conferida aos tens políticos (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios). (Alexandre, 2015, p. 331)
Sobre o tema, preciosos são
os ensinamentos de Luciano Amaro (2012, p. 244):
O §2º do art. 150 explicita a extensão da imunidade recíproca às autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes. A contario sensu, o que não estiver relacionado com essas finalidades essenciais não é imune. A imunidade recíproca não se aplica “ao patrimônio, renda e serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário” (art. 150, §3º).
Neste diapasão, podemos
concluir, assim como faz Alexandre (2015, p. 331), que a diferença
fundamental entre a imunidade do art. 150, VI, e aquela trazida pelo
parágrafo 2º é de que, nos precisos termos constitucionais, para
gozar da imunidade, as autarquias e as fundações precisam manter
seu patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades
essenciais ou, pelo menos, às delas decorrentes, restrição esta,
por sua vez, inaplicável aos entes políticos (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios).
Já no que tange ao parágrafo
3º, importante a ressalva de que a referida imunidade não se aplica
ao patrimônio, à renda, e aos serviços, relacionados com a
exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja
contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.
Assim, têm-se pelo menos
duas situações nas quais o patrimônio, a renda e os serviços das
entidades públicas não são imunes, a saber: uma, quando
relacionados com a exploração de atividades econômicas; e outra,
quando relacionados a atividades em que haja contraprestação ou
pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. (Machado, 2011, p.
286)
No caso, o legislador busca
proteger a livre concorrência e a liberdade de iniciativa,
vedando-se o uso da máquina pública para estabelecer situações
caracterizadas como concorrência desleal dos entes estatais com as
pessoas jurídicas de direito privado.
Neste sentido, segue o mesmo
autor a respeito da importância da referida ressalva (Machado, 2011,
p. 286):
É plenamente justificável a exclusão da imunidade quando o patrimônio, a renda e o serviço estejam ligados a atividade econômica regulada pelas normas aplicáveis às empresas privadas. A imunidade implicaria tratamento privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Ocorre que também não há imunidade quando haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Isto quer dizer que um serviço, mesmo não considerado atividade econômica, não será imune se houver cobrança de contraprestação, ou de preço, ou de tarifa. Podem ser tributados pelos Municípios, por exemplo, os serviços de fornecimento de água e de esgoto prestados pelos Estados.
Por outro lado critica-se a
interpretação literal do dispositivo no que tange aos serviços
remunerados por meio de tarifa ou preço público, tendo em vista
que, ainda que serviços fornecidos pelo Estado fora do âmbito da
atividade empresarial, se for cobrado qualquer tipo de
contraprestação por parte do usuário, afastada estará a
imunidade, aplicando esta somente nos casos de serviços oferecidos a
título gratuito.
Nestes termos, é, por
exemplo, o raciocínio de Hugo de Brito Machado (2011, p. 287):
Pode-se argumentar, é certo, que a expressão “ou em que haja contraprestação ou pagamento de preço ou tarifa pelo usuário” apenas se presta, no caso, para qualificar a atividade como de natureza econômica, e, assim, afastar a imunidade, evitando disputar em torno do que seja uma atividade econômica. Ocorre que, se a cobrança de preços e tarifas qualifica a atividade como de natureza econômica, neste caso o alcance da ressalva será igualmente amplo, posto que, havendo tal cobrança, não se há de perquirir a respeito da natureza da atividade. Basta a cobrança para qualificá-la como de natureza econômica. Havendo cobrança de contraprestação, de preços ou tarifas, não há imunidade, seja qual for a natureza da atividade desenvolvida pela entidade estatal.
Esperamos que essa interpretação ampliativa da ressalva, que em matéria de serviços praticamente anula a regra imunizante, deixando imunes apenas os serviços gratuitos, não prevaleça. Não podemos, todavia, deixar de reconhecer que ela é razoável em face do elemento literal do dispositivo constitucional em exame.
Finalmente,
a parte final do parágrafo 3º do art. 150 determina que a regra da
imunidade política não exonera o comprador da obrigação de pagar
imposto relativo ao bem imóvel objeto de contrato particular de
promessa de compra e venda.
O
Compromisso irretratável de compra e venda é o contrato pelo qual o
promitente vendedor obriga-se a vender ao promitente comprador
determinado imóvel, pelo preço, condições e modo combinados,
outorgando-lhe a escritura definitiva assim que ocorrer o
adimplemento da obrigação. (Alexandre, 2015, p. 346)
No
caso, buscou-se evitar com tal regra o uso fraudulento da imunidade
recíproca em transações envolvendo particular e ente político, de
modo que, estabelecido o contrato particular de promessa de compra e
venda, as partes posterguem a transferência da propriedade por meio
do registro, tão somente como instrumento para fugir da tributação.
Importante
ressaltar que este entendimento já era há muito consagrado pelo
STF, inclusive com edição de súmulas a respeito, de modo que,
posteriormente, apenas foi transladado para a Constituição Federal
de 1988. Neste, termos vejamos o que Machado (2011, p. 288) tem a nos
dizer a respeito do tema em análise:
A explicitação relativa ao promitente comprador dos imóveis, que não é novidade, faz-se necessária para afastar divergência. Houve quem sustentasse que o imóvel objeto de promessa de compra e venda, continuando como propriedade do promitente vendedor, integrando, pois, o patrimônio da entidade imune, não poder ser tributado. Mas a tese na verdade era improcedente. Os efeitos da promessa de compra e venda no direito tributário não são e nem poderiam ser os mesmos do direito civil. O imóvel objeto de promessa de compra e venda na realidade sai do patrimônio do promitente vendedor e se integra no patrimônio do promitente comprador, se não como um bem, juridicamente considerado, pelo menos como expressão econômica. Mas o STF já havia decidido pela imunidade do imóvel transcrito no Registro Público em nome da autarquia, embora objeto de promessa de compra e venda a particular (súmula). Daí a necessidade da explicação feita na parte final do §3º do art. 150 da CF de 1988, à qual se amoldou a jurisprudência do Supremo (súmula 583).
Neste
diapasão, a imunidade tributária recíproca tem por fim atender os
princípios consagrados na Constituição Federal, especialmente o
pacto federativo, permitindo assim que cada ente dos entes exerça
suas atribuições sem que tenham a sua autonomia tolhida por meio da
sujeição tributária.
Desta
forma, cumpre-nos analisar alguns detalhes a respeito da imunidade
tributária recíproca, mais especificamente quanto aos fundamentos
do instituto em estudo, bem como do alcance de suas regras
imunizantes.
É
plenamente pacífico, conforme já restou muito bem demonstrado ao
longo deste trabalho, que o principal fundamento para a instituição
da imunidade intergovernamental recíproca é o princípio
federativo, bem como a incidência da isonomia e da independência
dos entes federativos em relação uns aos outros.
Por
outro lado, é importante notar que toda fundamentação para o
exercício do poder de tributar está na ideia de solidariedade entre
os indivíduos, que devem contribuir financeiramente de acordo com a
sua possibilidade financeira para que o estado possa atender todas as
necessidades públicas com as quais se compromete satisfazer. Em
outros termos, a ideia de tributação está imbricada no conceito de
capacidade contributiva, no sentido de transladar recursos
financeiros dos particulares, de acordo com a possibilidade econômica
de cada um, para o ente estatal, de modo que é ilógico cogitar a
possibilidade de manifestação de capacidade contributiva por parte
de um ente estatal, bem como a transferência de recursos de um ente
estatal para outro por meio da tributação.
No
que tange ao pacto federativo, o referido princípio está consagrado
no artigo 1º, caput, da Constituição Federal, definindo a forma de
constituição do estado da República Federativa do Brasil ao
declarar que esta é formada pela união indissolúvel dos Estados,
Municípios e do Distrito Federal.
Sobre
o Federalismo e os estado Federado, é de destaque a lição do
grande constitucionalista Dirley da Cunha Júnior (2010, p. 506):
O Princípio Federativo define a forma de Estado. Federação é a própria forma de Estado, que se constitui a partir da união indissolúvel de organizações políticas autônomas, instituída por uma Constituição rígida (a Constituição Federal), com o fim de criar um novo Estado (o Estado Federal). A esse propósito, as coletividades reunidas (Estados Federados), sem perderem as suas personalidades jurídicas, despedem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício de um todo (Estado Federal). A mais relevante delas é a soberania. Federação, etimologicamente, vem de foedus, foederis, significando aliança, pacto, união, uma vez que é da aliança entre Estados que ela nasce. O Estado Federal – resultado dessa aliança – é soberano para o Direito Internacional, ao passo que os Estados federados ou membros são autônomos para o Direito Interno.
Nesse ponto, não é demais lembrar aqui que a forma federativa de
estado é considerada cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, §
4º, da CF, de modo que fica vedada, portanto, qualquer proposta de
emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado.
No
mesmo sentido ensina Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p.143):
Não é passível de deliberação a proposta de emenda que desvirtue o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição, em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, consagrada na Lei Maior, onde os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.
Desta
forma, podemos concluir, assim como o faz Dirley da Cunha Júnior
(2010, p. 507), que o cerne do federalismo repousa na autonomia das
entidades que compõem o Estado Federal, pois somente este detém o
poder soberano, que é um poder supremo e independente. É supremo na
ordem interna, porque inexiste qualquer outro que lhe sobrepaire. É
independente na ordem externa, porque é igual aos outros poderes
soberanos de outros Estados. A soberania funciona como um poder
unificador de uma ordem jurídica estatal. Em face dela, o Estado é,
no plano externo, uno e indivisível, pouco importando que seja, no
âmbito doméstico, centralizado ou descentralizado politicamente, ou
seja, se o Estado tem forma unitária ou federal.
Sendo
assim, se os entes que compõem a federação não ostentam
soberania, eles desfrutam pelo menos de autonomia, esta lhe conferida
diretamente pela Constituição Federal de 1988. É que “a
federação só existe quando, em face da descentralização
política, as ordens central e parciais passam a usufruir de
autonomia num mesmo território, uma vez que contempladas
constitucionalmente como competência próprias. (Júnior, 2010, p.
508)
O
Brasil, portanto, é um Estado Federal, em que a União, os
Estados-membros e os Municípios, todos igualmente autônomos, ocupam
juridicamente, o mesmo plano hierárquico, devendo, por conseguinte,
receber tratamento jurídico-formal isonômico. (Júnior, 2010, p.
509)
Registra-se
que dentro do princípio federativo, além da já mencionada
autonomia e independência dos entes, o regime se caracteriza
principalmente por ter uma repartição bastante rígida de
competências estabelecidas ao longo da Carta Constitucional, de modo
que fica nitidamente definido o âmbito de atuação de casa um dos
entes. Exemplo muito ilustrativo desse aspecto é a repartição de
competência tributária atribuída sem sobreposição para cada um
dos membros da federação, garantindo assim a independência e
autonomia financeira.
Neste
sentido, Navarro Coêlho (2004, p. 65):
A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado-Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país de que se esteja a cuidar. No âmbito tributário, a sustentar a autonomia política e administrativa do Estado-Membro e do município – que, no Brasil, como vimos, tem dignidade constitucional –, impõe-se a preservação da autonomia financeira dos entes locais, sem a qual aqueloutras não existirão. Esta autonomia resguarda-se mediante a preservação da competência tributária das pessoas políticas que convivem na Federação e, também, pela equidosa discriminação constitucional das fontes de receita tributária, daí advindo a importância do tema referente à repartição das competências no Estado Federal (...). Sendo a federação um pacto de igualdade entre as pessoas políticas, e sendo a autonomia financeira o penhor da autonomia dos entes federados, tem-se que qualquer agressão, ainda que velada, a estes dogmas, constitui inconstitucionalidade.
De
todo o exposto, o que se extrai é que o pacto federativo determina o
tratamento isonômico entre os entes integrantes da federação,
inviabilizando assim a tributação de um ente sobre o outro, dada
que a natureza da relação jurídica tributária pressupõe relação
de subordinação e sujeição entre os seus sujeitos, ideia
incompatível com a autonomia e isonomia predominante na relação
entre os entes políticos.
Neste
sentido, o mestre Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 193) leciona que
seria uma imensa contradição pensar no princípio da paridade
jurídica entre os entes políticos e, simultaneamente, conceder o
exercício de suas competências impositivas sobre o patrimônio, a
renda e os serviços umas com relação às outras
E
conclui o autor (Carvalho, 2013, p. 194):
(...) uma pessoa jurídica de direito público, embasada de personalidade política e autonomia, conforme preceitos dispostos na Carta Magna, não deve se submeter aos poderes de fiscalização e de controle, que são ínsitas da administração tributária.
Já
Roque Antônio Carraza (2012, p. 823) defende a ideia de que a
imunidade intergovernamental recíproca decorre diretamente da
absoluta igualdade jurídica entre as pessoas jurídicas de direito
público, de modo que a Constituição Federal estabelece limites ao
exercício da competência tributária os quais os entes federativos
têm o dever de respeitar sob pena de vício de constitucionalidade.
Não
bastasse isso, toda a lógica da tributação está fundamentada em
alguma manifestação da capacidade contributiva por parte do
contribuinte, de modo que dela se faz surgir uma obrigação e,
posteriormente, um crédito tributário, de natureza não voluntária
(obrigação ex
lege)
e com conteúdo pecuniário cuja destinação será os cofres
públicos para fazer frente aos mais diversos gastos da máquina
estatal.
Sendo,
assim, é importante notar que o ente político, se não pode, pelo
menos não deveria manifestar capacidade contributiva, sendo
completamente ilógico que um ente integrante da federação
contribua financeiramente com outro por meio da tributação.
Em
conclusão, a imunidade tributária recíproca mostra-se como uma das
formas de promoção do princípio federativo, deixando claro quase
que de forma unânime a doutrina pátria, além do próprio Supremo
Tribunal Federal, que se trata de cláusula pétrea, bem como de
espécie de imunidade tributária de natureza ontológica, de modo
que, ainda que não estivesse prevista de forma expressa no texto
constitucional, seria possível extraí-la do seu conteúdo como
espécie de norma implícita, razão pela qual, mesmo que se tentasse
suprimir tal instituto, primeiro que não seria possível por violar
o art. 60, §4º, da Constituição Federal de 1988, segundo que de
nada produziria efeito, pois decorrente diretamente dos já
mencionados princípios da isonomia entre os entes políticos e da
capacidade contributiva.
Tema
de grande debate na doutrina e nos tribunais é a respeito do alcance
do comando normativo que estabelece a imunidade intergovernamental
recíproca para o patrimônio, renda e serviços dos entes políticos,
assim estabelecido no art. 150, VI, da Constituição.
A
Fazenda Nacional, por exemplo, por meio de sua procuradoria, a
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, já defendeu em algumas
oportunidades que a referida imunidade abrangeria tão somente o
imposto de rende (IR), o imposto sobre serviços (ISS), o imposto
predial e territorial urbano (IPTU), o imposto territorial rural
(ITR) e o imposto sobre propriedade de veículo automotor (IPVA), em
uma clara e manifesta interpretação literal e restritiva do comando
constitucional quando se refere a renda (IR), patrimônio (IPTU, ITR
e IPVA) e serviços (ISS).
Desta
forma, pretendia a fazenda pública estabelecer a incidência de
exações tributárias fora desses conceitos, tais como IOF, II, IE e
IPI.
Neste
sentido, explica a referida teoria, mesmo sem encampá-la, Sabbag
(2013, p. 300):
Urge destacar que a presente alínea, adstrita à imunidade recíproca, a par de outros comandos – (I) a alínea “c” e (II) os parágrafos 2º e 4º do próprio art. 150 da CF – menciona um rol classificatório de impostos, haurido do CTN (arts. 19 a 73), segundo o qual a imunidade abrangeria tão somente impostos sobre patrimônio, renda e serviços.
Nessa medida, o dispositivo, literalmente interpretado, alcançaria vários impostos, quais sejam: o imposto sobre Grandes Fortunas, o ITR, o ITCMD, o IPVA, o ITBI, o IR e o ISS. A contrario sensu, abrir-se-iam, entretanto, para a incidência, e.g. os “impostos sobre o comércio exterior” (imposto de importação e exportação), além dos “impostos sobre a produção e circulação” (ICMS, IPI e IOF).
Por
outro lado, parte significativa da doutrina, vem dizer que tal
interpretação não procede, aludindo, como base em toda a
argumentação aqui já ventilada a respeito do pacto federativo, da
isonomia, da capacidade contributiva, da impossibilidade de sujeição
tributária de um ente político sobre outro, que deve ser dada
interpretação ampliativa para o preceito de modo que abarque todos
os impostos.
Eduardo
Sabbag (2013, p. 301), por exemplo, cita Aliomar Baleeiro para vir
dizer que a imunidade tributária recíproca é um instituto
jurídico-político expressamente consagrado na Constituição e não
pode ser anulado pelas sutilezas e jogos de palavras do legislador
ordinário.
O
Supremo Tribunal Federal, em análise de caso que teve como fundo a
referida polêmica, encampou a tese daqueles mais favoráveis à
interpretação mais ampliativa do comando constitucional, ignorando
assim a classificação trazida pelo CTN relativa aos impostos e
impedindo a cobrança de IOF em face dos Municípios sobre as
operações financeiras por eles realizadas.
Neste
sentido, leciona o mestre Roque Antonio Carraza (2012, p. 825):
[...] a Constituição usou, nesta passagem (como em tantas outras), de uma linguagem econômica e, portanto, não jurídica. Lembramos que, para a Economia, todos os impostos ou são sobre a renda, ou sobre o patrimônio ou sobre serviços. [...] Em suma, quando aludiu aos impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, ela, na verdade, fez referência a todos eles, sem exceção.
[...] ainda que a Constituição tivesse silenciado a respeito, as pessoas políticas não poderiam exigir umas das outras impostos, exatamente para não destruí-las ou criar-lhes dificuldades de funcionamento.
Importante
lembrar, todavia, que a imunidade das entidades de direito público
não exclui o imposto sobre produtos industrializados (IPI), ou sobre
a circulação de mercadorias (ICMS), relativo aos bens que estes
adquirem de um particular.
É
que o contribuinte destes é o industrial ou comerciante, ou
produtor, que promove a saída respectiva. O STF já decidiu de modo
contrário, mas reformulou sua posição. (Machado, 2011, p. 288)
Neste
sentido, peço vênia para colacionar notável lição de Hugo de
Brito Machado (2011, p. 288) a respeito do tema:
O argumento de que o imposto sobre o produto industrializado/IPI assim como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias/ICMS não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da ciência das finanças. Não no direito tributário. A relação tributária instaura-se entre o industrial, ou o comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a Fazenda Pública, ou Fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da mercadoria e o industrial, ou comerciante, que a fornece, instaura-se uma relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual. O Estado comprador paga simplesmente o preço da mercadoria adquirida. Não o tributo. Este pode estar incluído no preço, mas neste também está incluído o salário dos empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isto não tem relevância para o Direito, no pertinente à questão de saber quem paga tais custos.
Desta
forma, resta fixado que a melhor interpretação a ser dada para a
imunidade sobre o “patrimônio, renda ou serviço” dos entes
estatais e suas autarquias e fundações públicas é a que abrange
todos os impostos, desprezando a classificação trazida pelo CTN em
relação aos impostos, satisfazendo melhor assim o consagrado
princípio constitucional da forma federativa de estado. Esse é,
pois, o já consagrado entendimento o Supremo Tribunal Federal.
Outro
ponto de destaque a respeito do tema é quanto ao alcance da
imunidade intergovernamental recíproca em relação às espécies
tributárias. Neste sentido, resta investigar aqui se o referido
instituto abrange toda e qualquer espécie tributária, adotando aqui
a teoria pentapartite das espécies tributárias, ou seria restrita
tão somente a espécie impostos, tributo dotado de característica
não-vinculada tanto quanto a sua origem, ao surgimento do fato
gerador, quanto a destinação do produto arrecadado.
Adotando
uma interpretação literal do art. 150, VI, da Constituição
Federal a conclusão imediata que chegamos é que a imunidade
recíproca limita-se a espécie impostos.
Neste
sentido posiciona-se boa parte da doutrina, exemplificada aqui por
Ricardo Alexandre (2015, p.331):
(...) a imunidade recíproca somente se aplica aos impostos, não impedindo, a título de exemplo, que um Município institua taxa pela coleta domiciliar de lixo, cobrando-a, também, pelo serviço prestado nas repartições públicas federais e estaduais localizadas em seu território.
Regina
Helena Costa (2001, p. 46),
ao discorrer a respeito da imunidade tributária no seu sentido mais
genérico, vem dizer que o referido instituto não se limita tão
somente à espécie impostos, como outrora já defendeu Hugo de Brito
Machado, podendo o texto constitucional estabelecer imunidade para
qualquer espécie tributária, todavia, ressalta a autora (COSTA,
2001, p. 139),
no caso da imunidade tributária recíproca, o legislador, por opção
política, resolveu limitar o benefício tão somente aos impostos.
A
explicação para tal é muito simples, em se tratando de espécie de
tributo não-vinculado, a sua cobrança constitui efetivo exercício
de supremacia de um ente político sobre o outro, surgindo o fato
gerador sempre através de uma manifestação externa de capacidade
contributiva por parte do contribuinte, o que não deve ocorrer em
relação aos órgãos estatais. Por outro lado, no que tange aos
tributos vinculados, a sua cobrança decorre efetivamente de uma
prestação positiva do ente estatal, de modo que o tributo cobrado
seria uma verdadeira contraprestação ao serviço oferecido.
No
sentido oposto, parte considerável e respeitável da doutrina
entende que a imunidade tributária recíproca deve ser estendida
para toda e qualquer espécie tributária. Paulo de Barros Carvalho
(2013, p. 186),
por exemplo, entende que a interpretação literal e restritiva do
instituto é descabida, caracterizando uma interpretação apressada
ou ainda como resultado de considerações metajurídicas,
desprendidas do contexto positivo vigente.
Já
Hugo de Brito Machado (2011, p. 289), ressalta a importância do
pacto federativo e do seu caráter de cláusula pétrea perante a
Constituição Federal para justificar a extensão da imunidade
intergovernamental recíproca para qualquer tributo e não somente
aos impostos, nos seguintes termos:
Ressalta-se que a imunidade recíproca é uma forma de expressão do princípio federativo. Não se pode conceber uma Federação sem a imunidade tributária recíproca. Assim, a regra da imunidade está protegida contra possível emenda constitucional, por força do disposto no art. 60, §4º, I, da CF de 1988, segundo o qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) a forma federativa de Estado”.
Não obstante esteja expressa, no art. 150, VI, da vigente CF, apenas em relação aos impostos, em razão do princípio federativo a imunidade recíproca abrange, seguramente, também os demais tributos. É que o tributo, como expressão que é da soberania estatal, não pode ser exigido de quem a tal soberania não se submete, porque é parte integrante do Estado, que da mesma é titular.
Qualquer emenda que porventura autorizar a União a cobrar qualquer tributo dos Estados, ou dos Municípios, ou autorizar qualquer destes a cobrar qualquer tributo da União, ou de qualquer outro Estado, ou Município, é inconstitucional.
Instado
a se manifestar sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal
posicionou-se no sentido de que a imunidade tributária recíproca
refere-se tão somente aos impostos, consoante redação do art. 150,
VI, da Constituição, sendo impossível a extensão da regra para
abranger outras espécies tributárias, tais como as contribuições.
Consoante
já amplamente abordado nas linhas anteriores, a imunidade tributária
recíproca abrange, nos termos do art. 150, VI, “a”, da
Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios em relação aos impostos sobre o seu patrimônio, renda
e serviços, sendo estendida mais a frente tal benesse por expressa
disposição do parágrafo 2º do art. 150 para as autarquias e para
as fundações públicas instituídas e mantidas pelo poder público,
desde que vinculadas a sua finalidade essencial.
Desta
forma, não entra na regra imunizatória, nos termos do art. 150, VI,
§3º, da Constituição Federal, o patrimônio, a renda e os
serviços referentes à exploração de atividade econômica, de modo
que empresas públicas e sociedades de economia mista, por serem
agentes atuantes no livre mercado, devem seguir exatamente as mesmas
regras obedecidas pelas entidades privadas, de modo que elas não
poderão gozar de privilégio fiscal não extensivo às companhias do
setor privado.
De
fato, se o legislador constituinte excluiu da incidência tributária
tão somente as autarquias e fundações públicas – entes
verdadeiramente públicos, que se integram à estrutura política do
país -, é de fácil constatação que haverá normal incidência
sobre as empresas públicas e as sociedades de economia mista, uma
vez que estas não gozam de imunidade tributária. (Sabbag, 2013, p.
307)
Tal
regra constitucional é deveras coerente, uma vez que se fosse
possível estender às empresas estatais exploradoras de atividade
econômica os privilégios fiscais proporcionados pela imunidade,
certamente ocorreria uma concorrência desleal, já que seus produtos
ou serviços, livres do custo da tributação, seriam
indubitavelmente mais baratos. (CARRAZA, 2012, p. 833)
Tal
preceito inclusive é, há muito tempo, consolidado no âmbito da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem na súmula nº
76 o entendimento firmado de que as sociedades de economia mista não
estão protegidas pela imunidade fiscal do Art. 31, V, “a”, da
Constituição Federal. Nota-se que o enunciado sumular tem como
referência a redação de Constituição anterior a atualmente
vigente, todavia, a base interpretativa é basicamente a mesma, sendo
perfeitamente adaptável para o contexto atual.
Em
suma, se por um lado as empresas estatais, tais como a empresa
pública e a sociedade de economia mista compõem a administração
indireta, realizando importante papel na prestação de serviço de
forma descentralizada, é preciso atentar que, a priori, eles devem
atender todos os comandos normativos aplicáveis às empresas
privadas, inclusive os referentes à sujeição tributária.
Ressalta-se,
todavia, que o constituinte, ao tempo da edição da Constituição,
não atentou para certas situações nas quais o Estado, buscando
promover uma gestão mais eficiente e descentralizada, primando pela
economicidade, bem como pela melhor prestação do serviço público,
adota a forma de empresas públicas e sociedades de economia mista
para através delas prestar serviço público de natureza obrigatória
e exclusiva do Estado, de modo que elas, ao fim e ao cabo, não atuam
perante um mercado concorrencial.
Ante
este panorama, surge a dúvida quanto ao regime jurídico aplicável
em relação a estas empresas públicas e sociedades de economia
mista, constituídas sob a forma de pessoa jurídica de direito
privado, mas que na verdade são prestadoras de serviço público.
Isto
porque a regra do art. 173, §1º, da Constituição Federal, ao
vedar o tratamento favorecido no que tange a tributação para as
empresas estatais, apenas estava se referindo às empresas públicas
e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica
no âmbito do mercado concorrencial, nada se referindo, portanto,
àquelas que prestam serviço público em caráter obrigatório e
exclusivo.
Isto
posto, o que se tem observado através de análise pormenorizado da
corte guardiã da Constituição é que o STF tem relativizado a
regra de que as empresas públicas e sociedades de economia mista não
estão abrangidas pela imunidade recíproca, para em certos casos, e
sob o atendimento de certos requisitos definidos pelo próprio
tribunal, impedir a incidência tributária em relação aos impostos
sobre patrimônio, renda e serviços das empresas estatais tais como
se fossem entidades de direito público e não pessoas jurídicas de
direito privado como efetivamente o são.
Em
relação a estes requisitos para ser inserido na regra imunizatória,
bem como os casos práticos em que o Supremo Tribunal reconheceu o
seu atendimento, este será o tema deste presente capítulo, ao longo
dos próximos tópicos, primeiro passando pela análise detalhada dos
requisitos essências para ter reconhecida a imunidade, para depois
analisar cada caso concreto, com especial destaque para o caso da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, da INFRAERO, da CAERD,
da CODESP e da Casa da Moeda.
4.2 Critérios doutrinários
e jurisprudenciais para a aplicação da imunidade recíproca às
empresas estatais
Ultrapassando
a interpretação literal da Constituição Federal, estendendo o
alcance da imunidade tributária recíproca para as empresas públicas
e sociedades de economia mista, o Supremo Tribunal Federal tem
apontado basicamente para três requisitos essências para que assim
possa ser aplicado o referido beneficio.
Primeiramente
a empresa estatal, seja empresa pública, seja sociedade de economia
mista, deve exercer atividade típica de Estado.
Neste
caso, não obstante o ente estatal atuar sob a forma de pessoa
jurídica de direito privado, sob o manto de uma empresa estatal,
trata-se de mera organização formal, pois efetivamente a atividade
exercida é tipicamente estatal.
Sendo
assim, tais entidades, com características sobremodo peculiares,
revestem-se da indumentária de autarquias, com estas se assemelhando
em demasia. (Sabbag, 2013, p. 308)
Neste
sentido, é como ensina Carraza (2012, p. 836):
Podemos, pois, dizer que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de poder público que exercitam, são, tão só quanto à forma, pessoas de direito privado. Quanto ao fundo são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia. Acabam fazendo as vezes das autarquias, embora - damo-nos pressa em proclamar – com elas não se confundam.
Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública por meio de impostos. Esta é a consequência de uma interpretação sistemática do art. 150, VI, “a”, da CF.
É
exatamente o que ocorre com a Casa da Moeda, empresa pública federal
responsável pela produção do meio circulante brasileiro, bem como
de outros produtos de segurança, tais como passaporte com chips e
selos fiscais.
Nota-se
que, não obstante ter se escolhido a forma de uma empresa pública,
a atividade exercida é típica de um ente estatal, que poderia
perfeitamente ser exercida através de uma autarquia, por exemplo, de
modo que a interpretação teleológica da Constituição Federal
determina a extensão da regra imunizatória, como efetivamente
determinou o STF em caso mais adiante analisado.
Além
disso, a atuação deve ser feita sem a intenção de lucro. É que a
atividade de exploração econômica por parte do Estado, consoante o
art. 173 da Constituição Federal de 1988, é verdadeira exceção a
ordem econômica constitucional adotada, de modo que só será
permitida nos próprios casos previstos na Constituição, atendidos
os comandos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo
que justifique a medida.
Sendo
assim, a atividade estatal não pode ser baseada na busca do lucro,
mas quando o for, nos exatos casos previstos pela Carta Magna,
aplicar-se-á todo o regramento aplicável às entidades privadas.
Finalmente,
não pode haver risco a livre concorrência. Neste ponto, o que o
tribunal determina é que, com a atuação estatal por meio de pessoa
jurídica de direito privado, não pode haver risco a livre
iniciativa e ao equilíbrio concorrência através de tratamento
tributário favorecido. É o caso, por exemplo, de companhias que
atua em regime de monopólio tal como os Correios.
A
doutrina tributária traz requisitos com nomenclaturas relativamente
diferentes, mas todos eles, ao fim e ao cabo, traduzem basicamente o
mesmo pensamento.
Roque
Antônio Carraza (2005, p. 214-215), por exemplo, vem dizer que para
a aplicação da imunidade tributária recíproca em favor de empresa
estatal é preciso o atendimento de três requisitos, quais sejam, 1)
a empresa deve prestar serviço público e não privado; 2) a pessoa
jurídica que presta o serviço é um poder público por disposição
da lei, independentemente da forma jurídica; e 3) a empresa estatal
que preste o serviço não persiga a finalidade econômica.
Por
sua vez, Humberto Ávila (2012, p. 278) elenca como requisito da
imunidade mútua: 1) tratar-se de um serviço público delegado; 2) a
entidade que exerce o serviço é – em virtude da lei – um poder
público; e 3) o serviço público é prestado por um ente público
que não persegue finalidade econômica.
Nas
palavras do autor (Ávila, 2012, p. 280), “a imunidade recíproca
alcança todos os serviços públicos, independentemente da forma
jurídica utilizada pela entidade que presta. O essencial é examinar
se o serviço prestado tem caráter de serviço público, ou se é
compatível com um negócio privado. Vale dizer: a imunidade abrange
as empresas públicas e as sociedades de economia mista, desde que
prestem serviço público.”
Assim,
para que possam fazer jus aos benefícios da imunidade recíproca, as
empresas públicas e sociedades de economia mista devem exercer
atividade que justifique o gozo de tal exoneração tributária, de
modo que os preceitos da referida imunidade, tais como o pacto
federativo, da capacidade contributiva e da isonomia, determinem a
extensão da regra.
Trata-se
do caso mais emblemático a respeito do tema imunidade recíproca
extensível à empresa estatal. No caso, o município de São Borja
promovia execução fiscal em desfavor da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos para lhe cobrar tributos de sua competência e
que entendia ser devido.
Em
defesa da tese municipal, alegava-se que a imunidade tributária
recíproca, nos termos da Constituição Federal de 1988, não
abrangia a ECT, na medida em que a carta política não assegura tal
privilégio às empresas públicas, abarcando tão somente as
autarquias e as fundações.
Por
outro lado, alegava a empresa pública que o art. 173, § 2º, da
Constituição Federal se aplica exclusivamente às empresas públicas
que exploram atividade econômica em regime de concorrência com o
setor privado, não incluindo, pois, em relação aos Correios, dado
que a empresa se caracteriza por ser uma empresa pública federal
prestadora de serviço público de competência exclusiva da União,
não perdendo o serviço postal a sua natureza e regime públicos tão
somente por ter sido delegado a uma empresa pública.
Ademais,
destacou-se que a ressalva à imunidade da União, de suas autarquias
e fundações, contida no art. 150, VI, § 3º, da Constituição
Federal, a impostos sobre o patrimônio quando houver contraprestação
ou pagamento de preço ou tarifa pelo usuário, aplica-se
exclusivamente à prestação de serviço público por particulares.
Deste
modo, os Correios gozam da imunidade tributária intergovernamental
recíproca, uma vez que a essencialidade da prestação do serviço
de correios estabelecida constitucionalmente como direito de todos à
sua utilização, amalgamado ao princípio de que o serviço público
precisa ser necessariamente contínuo, regular, correto e impessoal,
o que leva a conclusão inquestionável de que os bens postos na
execução dos serviços postais são inatingíveis por interferência
ou oneração que possam inviabilizar ou mesmo obstar a sua fruição
pela coletividade.
Analisando
o mérito da questão, o Supremo Tribunal Federal veio pela primeira
vez inovar no ordenamento jurídico brasileiro para aplicar os
benefícios da imunidade tributária recíproca aos Correios por
entender, na visão do Ministro relator, que a referida empresa
pública, ao se dedicar a prestação de serviço público em regime
de caráter exclusivo, tem natureza de verdadeira autarquia, não se
sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas, quanto às
obrigações trabalhistas e tributárias, não sendo aplicável,
nesse caso, o art. 173, §1º, da Constituição.
Nesta
toada, o fundamento utilizado no Recurso Extraordinário nº
407.099-5/RS foi exatamente aqueles já elencados aqui de que se
tratava de empresa estatal que presta serviço público de natureza
obrigatória em regime de monopólio estatal, senão vejamos o
importante trecho do voto do Min. Carlos Velloso, relator do
emblemático julgado:
Visualizada a questão do modo acima – fazendo-se a distinção entre empresa pública como instrumento da participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público – não tenho dúvida em afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art. 21, X(Celso Antônio Bandeira de Mello, ob, cit., p. 636).Dir-se-á que a Constituição Federal, no § 3º, do art. 150, estabelecendo que a imunidade do art. 150, VI,”a”, não se aplica: a) ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; b) ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; c) nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel, à ECT não se aplicaria a imunidade relacionada, por isso cobra ela preço ou tarifa do usuário.A questão não pode ser entendida dessa forma. È que o § 3º do art. 150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita no § 2º do mesmo art. 150.(STF, 2ª T., RE 407.099/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 22.06.2004, DJ 06.08.2004, p.62)
Isto
posto, restou fixado pelo tribunal que as empresas públicas
prestadoras de serviço público, tais como os Correios,
distinguem-se das que exercem atividade econômica, de modo que as
primeiras, quando prestarem serviço público de prestação
obrigatória e exclusiva do Estado, estará incluída na imunidade
estabelecida no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal.
Eis
a ementa do mencionado e importante julgado:
As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C. F., art. 150, VI, a.
(RE 407.099-5 /RS, 2a Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, Data de Publicação: 6.8.2004)
Os
contornos da imunidade recíproca estendida às empresas públicas e
sociedade de economia mista pareciam bem definidos pelo Tribunal
Constitucional ao fim da análise do mencionado caso. Em se tratando
de serviço público prestado em natureza exclusiva e obrigatória,
aplicava-se o benefício, qualquer outra atividade exercida em
concorrência com a iniciativa privada restaria fora da regra
imunizante.
Todavia,
em 2013, o Supremo Tribunal Federal veio a proferir nova decisão que
vai um pouco de encontro com essa lógica, alargando o entendimento
anteriormente explanado.
O
que ocorreu foi que, nos termos do precedente do RE 407.099, muitos
municípios passaram a tributar com ISS os serviços prestados pelos
Correios quando se tratava de serviços não-exclusivos, ou seja, que
a iniciativa privada também pode prestar, como a entrega de
encomendas, serviços bancários do banco postal, venda de títulos
de capitalização etc.
A
lógica aplicada ao julgamento anterior determinaria que o Tribunal
tomasse o posicionamento de que não havia nesses casos imunidade, de
modo que o tributo cobrado realmente era devido e o recurso dos
Correios improcedente. Não foi o que ocorreu.
Para
estender a imunidade recíproca mesmo para esses casos em que os
Correios atuam em concorrência com a iniciativa privada, o Supremo
Tribunal Federal consignou que mesmo no que concerne às atividades
exercidas fora do âmbito do serviço postal e correio aéreo
nacional, os Correios se sujeitam a um conjunto de restrições não
aplicáveis à iniciativa privada, como a obrigatoriedade de se
instalar em todos os municípios do país, bem como todas as amarras
gerenciais inerentes às pessoas jurídicas de direito público,
licitação, concurso público, prestação de contas perante o TCU
etc.
Ademais,
ressaltou-se que os serviços prestados em regime exclusivo pela
empresa são eminentemente deficitários, passando o serviço postal
nacional por um momento histórico de baixa, uma vez que vem sendo
paulatinamente substituído por meios mais modernos e eficientes de
comunicação, de modo que as receitas obtidas na prestação de
serviço não-exclusivo é toda destinada ao custeio das atividades
deficitárias as quais a empresa tem o dever constitucional de
manter, caracterizando uma espécie de subsídio cruzado,
justificando, assim, a aplicação da imunidade recíproca de forma
indistinta.
Eis
a ementa do referido julgado:
Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.(STF - RE: 601392 PR, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 28/02/2013,Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 04-06-2013 PUBLIC 05-06-2013)
A
INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária –
é uma empresa pública federal cuja criação foi autorizada pela
Lei nº 5.682/72 e fundada no dia 31 de maio de 1973 com o objetivo
de explorar e administrar serviços de infraestrutura aeroportuária
em todo o território nacional, sendo a responsável pela
administração dos principais aeroportos do Brasil.
Em
suma, a referida empresa pública atua em sua atividade-fim na
execução, em regime de monopólio, de serviços de infraestrutura
aeroportuária, função outorgada à União Federal, nos termos do
art. 21, XII, “c”, da Constituição Federal.
Neste
precedente do Supremo Tribunal Federal, o município de Salvador
buscava executar a INFRAERO com base em certidão de dívida ativa
relativa ao ISS supostamente devido pela empresa em razão do serviço
prestado.
Os
argumentos para a incidência tributária são basicamente aqueles já
enfrentados nos capítulos anteriores os quais são muito bem
resumidos por Flávio Henrique de Oliveira2
na seguinte passagem:
Assim, quando há contraprestação ou pagamento dos usuários pela prestação de serviços públicos – o que ocorre sob a forma de tarifas ou preços –, com muito mais razão estará afastada a imunidade pleiteada pela INFRAERO, haja vista que, nas mesmas condições, nem as autarquias nem as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público podem invocar o referido benefício (art. 150, § 3º, CF).
Outrossim, além dos recursos decorrentes da cobrança de tarifa dos usuários da infraestrutura aeroportuária, é de conhecimento público que a INFRAERO desenvolve uma série de outras atividades que não podem ser descritas como serviços públicos, tais como a administração das concessões de uso de áreas no interior dos aeroportos brasileiros, com finalidade claramente comercial, viabilizando a implementação dos denominados “aeroshoppings”.
Ademais, reitere-se que a simples possibilidade do serviço explorado pela embargante poder ser prestado por outra pessoa de direito privado, nos termos do art. 21, XII, CF, em razão de autorização, concessão ou permissão, evidencia o total descabimento da extensão da imunidade de impostos à INFRAERO, isto porque a concessão deste benefício à empresa estatal que presta os seus serviços em regime de concorrência com o particular acarretaria a quebra da isonomia e faria surgir uma flagrante concorrência desleal.
Em
sua defesa, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária
alegou, tal qual os Correios, que se tratava de serviço público
prestado em caráter obrigatório e em regime de monopólio, de modo
que a ausência de finalidade lucrativa da atividade findava por
afastar a incidência da regra do art. 173, § 1º, da Constituição
Federal, razão pela qual deveria ser lhe estendida a imunidade
tributária recíproca estabelecida no art. 150, VI, “a”.
O
Supremo Tribunal Federal seguiu o entendimento firmado no emblemático
caso dos Correios, estendendo assim a imunidade tributária recíproca
para a empresa publicam, nos seguintes termos:
A INFRAERO, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infra-estrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea "c", da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, "a"), do poder de tributar dos entes políticos em geral. Conseqüente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do ISS referente às atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de infra-estrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim.
O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA, QUE REPRESENTA VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA FEDERATIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. INAPLICABILIDADE, À INFRAERO, DA REGRA INSCRITA NO ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. - A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas governamentais explorarem atividade econômica em sentido estrito, não se aplicando, por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1º, da Constituição, às empresas públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos.(STF - RE: 363412 BA, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 21/03/2007, Data de Publicação: DJ 28/03/2007)
Ademais,
neste precedente, o Pretório Excelso manifestou importante lição,
qual seja, a de que o fato de a União Federal outorgar, por meio de
lei, o encargo de prestar determinado serviço público a uma empresa
governamental não lhe retira o atributo de estatalidade que lhe é
próprio, sendo tal opção de descentralização organizacional
perfeitamente possível na presente ordem constitucional, sem que tal
fato signifique renúncia ao benefício da imunidade tributária
recíproca, importante instrumento para a realização do princípio
federativo estabelecido na Constituição.
Em
suma, restou claro que a INFRAERO, apesar de formalmente se
apresentar como uma empresa pública, esta características que mais
se aproxima de uma autarquia federal, tendo em vista que foi
incumbida de executar serviço público por meio de outorga legal,
além de ser controlada na sua integralidade pelo Poder Público, o
que justifica o tratamento semelhante ao aplicado as demais entidades
integrantes da administração indireta.
A
Casa da Moeda (CMB) é uma empresa pública federal fundada em 8 de
março de 1694 pelo rei de Portugal D. Pedro II, em Salvador, com o
objetivo de atender a demanda de fabricação de moedas no país.
Hoje em dia, ela é responsável, além da execução de serviços de
emissão de moeda, pela fabricação de fichas telefônicas e a
impressão de selos postais, tudo em regime de monopólio, mediante
outorga da União Federal, conforme a competência estabelecida no
art. 21, VII, da Constituição.
No
caso julgado pelo Recurso Extraordinário nº 610.517, o município
do Rio de Janeiro buscava cobrar ISS pela emissão de papel moeda,
moeda metálica, selo postal e ficha telefônica, pois, na visão do
ente municipal, a empresa pública não faz jus a qualquer tipo de
imunidade tributária, seja subjetiva ou objetiva, primeiro por se
tratar de empresa pública; segundo, em face da realidade de que o
ISS não onera a circulação do bem corpóreo no qual o serviço
tenha sido aplicado, e sim a prestação do serviço, gravando, então
a circulação de um bem incorpóreo, que é o serviço.
O
Min. Celso de Mello, relator do caso, decidiu em sede decisão
monocrática pela improcedência do apelo municipal, destacando o
fato de que a Casa da Moeda presta serviço público mediante outorga
da União em caráter de monopólio, consoante determina o art. 21,
VII, da Constituição Federal, de modo que a outorga de delegação
à empresa pública não retira a natureza público do serviço
prestado.
Eis
a ementa da referida decisão:
EMENTA: Casa da Moeda do Brasil (CMB). Empresa governamental delegatária de serviços públicos. Emissão de papel moeda, cunhagem de moeda metálica, fabricação de fichas telefônicas e impressão de selos postais. Regime constitucional de monopólio (CF, art. 21, VII). Outorga de delegação à CMB, mediante lei, que não descaracteriza a estatalidade do serviço público, notadamente quando constitucionalmente monopolizado pela pessoa política (a União Federal, no caso) que é dele titular. A delegação da execução de serviço público, mediante outorga legal, não implica alteração do regime jurídico de direito público, inclusive o de direito tributário, que incide sobre referida atividade. Consequente extensão, a essa empresa pública, em matéria de impostos, da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”). O alto significado político-jurídico dessa prerrogativa constitucional, que traduz uma das projeções concretizadoras do princípio da Federação. Imunidade tributária da Casa da Moeda do Brasil, em face do ISS, quanto às atividades executadas no desempenho do encargo, que, a ela outorgado mediante delegação, foi deferido, constitucionalmente, à União Federal. Doutrina (Regina Helena Costa, “inter alios”). Precedentes. Recurso extraordinário improvido.(STF - RE: 610517 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Publicação: 17/06/2013)
Desta
feita, conforme já reiteradamente decidido em precedentes anteriores
da Corte Constitucional, a delegação da execução de serviço
público, mediante outorga legal, não implica alteração do regime
jurídico de direito público, especialmente o de direito tributário,
que incide sobre referida atividade, razão pela qual a empresa
pública, em matéria de impostos, goza da proteção constitucional
fundada na garantia da imunidade tributária recíproca.
Este
presente caso, julgado no Recurso Extraordinário nº 253.472/SP,
trouxe-nos novos elementos a respeito da análise da aplicação da
imunidade tributária recíproca até aqui não enfrentados.
É
que a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP -, ao
contrário das outras empresas estatais estudadas, é uma sociedade
de economia mista, ou seja, na formação do seu capital social
participa o capital privado, deixando no ar a seguinte pergunta: a
presença de capital privado na empresa estatal impede a fruição da
imunidade tributária recíproca?
O
ponto central da presente polêmica está no fato de que o
reconhecimento da imunidade tributária recíproca para as sociedades
de economia mista, por esta terem a participação do capital
privado, poderia, em última análise, beneficiar o particular
investidor, em detrimento dos princípios da livre concorrência e da
liberdade de iniciativa.
Neste
ponto, seria, inclusive, irrelevante o fato de a sociedade de
economia mista atuar em regime de monopólio ou não, tendo em vista
que, tendo ela ações negociáveis na bolsa de valores, os papéis
da empresa disputam o interesse dos investidores em igualdade de
condições com qualquer outra companhia de qualquer outro ramo de
atuação, de modo que a imunidade tributária poderia inserir um
elemento prejudicial à concorrência dado o fato de que a empresa
pública teria uma redução significativa nos seus custos,
maximizando assim os lucros da companhia que em último caso virão a
ser distribuídos entre particulares.
Nesta
toada, o que o município de São Paulo fez ao defender a
legitimidade da sua execução em relação ao IPTU foi bater na tese
de que a sociedade de economia mista é criada com o fito de explorar
atividade econômica, dado o fato que possui participação do
capital privado, invocando, portanto, a incidência da regra do art.
173 da Constituição Federal.
Não
foi a tese que predominou no julgado. Primeiramente, o Ministro
Relator do caso, o Min. Joaquim Barbosa, ressaltou que, para a
aplicação da imunidade tributária recíproca em relação às
empresas públicas e sociedades de economia mista, é necessário a
observância de três regras básicas, nas suas palavras, teste de
três estágios explicados da seguinte forma:
1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto.
2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política.
3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.
Desta forma, entendeu-se por
estender a imunidade tributária recíproca no que tange aos bens
pertencentes à União e que estavam afetados à CODESP na satisfação
da sua atividade-fim, qual seja, a prestação de serviços de
administração de porto marítimo outorgados pela Constituição
Federal à União nos termos do seu artigo 21, XII, “f”.
Em suma, a natureza do
serviço público prestado, aliado ao fato de que é prestado em
regime de monopólio, são fatores suficientes para a manutenção do
benefício fiscal, não sendo, no caso, relevante o fato de ter
participação do capital privado na constituição da sociedade de
economia mista em comento, uma vez que a participação privada no
quadro societário da CODESP é irrelevante, sendo 99,97% do seu
controle acionário pertencente à União, de modo que não há
indicação de que a empresa opera com o intuito de auferir lucro,
nem há risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou da livre
iniciativa, pois a CODESP não concorre com outras entidades em sua
área de atuação específica.
Assim como em todos os outros
demais casos analisados, a sociedade de economia mista, na visão do
Supremo Tribunal Federal, caracterizava-se mais como uma
instrumentalidade estatal, instituída como forma de otimização da
gestão pública por meio da descentralização das atividades que
lhe são incumbidas diretamente pela Constituição Federal.
Eis a ementa deste importante
julgado:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980.
1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.
2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público. 2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado. 2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento.
Importante destacar, no
entanto, que tão somente a atuação da companhia em regime de
monopólio não é suficiente para determinar a incidência da
imunidade tributária, sendo determinante para o caso a aferição se
há intuito lucrativo, bem como o percentual de participação do
capital particular na companhia.
Com base nisso, aliás, o STF
já chegou a indeferir a aplicação da imunidade tributária
recíproca em relação à Petrobras, pois restou demonstrado nos
autos o intuito lucrativo da sociedade de economia mista, de modo
que, ainda que esta atue em regime de monopólio, legítima é a
incidência tributária sobre os fatos geradores relativos ao
exercício da sua atividade. Veja-se, pois, o teor do julgado3:
2. É irrelevante para definição da aplicabilidade da imunidade tributária recíproca a circunstância de a atividade desempenhada estar ou não sujeita a monopólio estatal. O alcance da salvaguarda constitucional pressupõe o exame (i) da caracterização econômica da atividade (lucrativa ou não), (ii) do risco à concorrência e à livre iniciativa e (iii) de riscos ao pacto federativo pela pressão política ou econômica.3. A imunidade tributária recíproca não se aplica à Petrobras, pois:3.1 Trata-se de sociedade de economia mista destinada à exploração econômica em benefício de seus acionistas, pessoas de direito público e privado, e a salvaguarda não se presta a proteger aumento patrimonial dissociado do interesse público primário;3.2 A Petrobrás visa à distribuição de lucros, e, portanto, tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados;3.3 A tributação de atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo.
1. As imunidades são
limitações ao poder de tributar consistentes na delimitação da
competência tributária constitucionalmente conferida aos entes
políticos. Trata-se, pois, de uma delimitação negativa de
competência tributária que impede o ente tributante de exercer sua
competência tributaria sobre determinados fatos ou determinadas
pessoas.
2. Não é demais lembrar que
há quem diga que a imunidade não é uma limitação ao pode de
tributar, mas a sua própria delimitação, por meio da qual se
exclui do campo tributável determinadas situações sobre as quais
ele não quer que incida este ou aquele gravame fiscal, cuja
instituição é autorizada, em regra, sobre o gênero de situações
pelo qual aquelas estariam compreendidas.
3. Na interpretação das
normas imunizantes, deve-se utilizar os mesmos métodos hermenêuticos
clássicos utilizados pelo direito em geral, gramatical, histórico,
sistemático e teleológico.
4. Não é demais lembrar que
nenhum método interpretativo apresentado é prevalente ou
preponderante aos demais. Em verdade, o interprete deve buscar o
sentido da norma, se possível, utilizando todos eles em um
verdadeiro processo dialógico entre o texto e o interprete.
5. O mandamento de que a norma
de exceção deve ser interpretada de forma restritiva, ou, na
linguagem do Código Tributário Nacional, de forma literal, deve ser
visto com parcimônia no âmbito da aplicação das imunidades
tributárias, devendo o interprete buscar o alcance da norma
imunizante de acordo com a própria lógica do sistema constitucional
como um todo, de modo a dar a máxima eficácia ao texto
constitucional.
6. A isenção distingue-se da
imunidade na medida em que esta se qualifica como uma hipótese de
não-incidência constitucionalmente qualificada, ao passo que a
isenção é forma de exclusão do crédito tributário o qual, a
despeito do surgimento da obrigação tributária e da constituição
do seu respectivo crédito, tem o seu pagamento dispensado por norma
infraconstitucional, por mera opção política circunstancial,
suscetível de revisão a qualquer tempo.
7. A não-incidência,
genericamente falando, pode ocorrer sob três hipóteses, sendo a
primeira delas já adianta, qual seja a imunidade tributária,
diferenciando-se das demais por estar constitucionalmente qualificada
como uma situação que, em condições normas estaria dentro da
competência tributante, mas, por opção do constituinte, ao se
delimitar a referida competência, retirou-lhe parte do seu âmbito
de atuação. Os outros dois casos são meros acontecimentos que não
guardam correspondência com a hipótese de incidência legalmente
prevista. No primeiro caso, o ente tributante tem a competência para
tributar, mas mantém a hipótese fora de previsão legal como
ensejadora de obrigação tributária, enquanto no segundo, não há
sequer competência para instituir tal tributo.
8. Já a alíquota zero
caracteriza-se por ser a situação em que o ente tributante tem a
competência para instituir o tributo, efetivamente o faz, o fato
gerador ocorre conforme previsto na norma instituidora, mas, por mero
efeito de cálculo, a prestação devida é equivalente a zero.
9. No que tange às suas
classificações, a imunidade tributária pode ser dividida entre
subjetiva, objetiva ou mista, tudo a depender quanto ao parâmetro de
concessão, se relativo a uma pessoa determinada, a uma situação
específica, ou aos dois critérios em conjunto; de acordo com a sua
origem, pode ser ainda ontológica ou política; específica ou
geral, no que tange a sua intensidade ou amplitude; e ainda
condicionada ou incondicionada, no que se refere à necessidade ou
não de regulamentação infraconstitucional
10. Neste sentido, a imunidade
tributária recíproca caracteriza-se por ser subjetiva, ontológica,
geral e incondicionada.
11. A imunidade
intergovernamental recíproca é espécie de imunidade prevista no
art. 150, VI, "a", da Constituição Federal, determinando
que é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios
instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços uns dos
outros. Trata-se de instituto que tem natureza de cláusula pétrea
na medida em que promove o princípio do pacto federativo, tendo como
origem histórica precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos no
caso “McCulloch vs. Maryland”, no qual se decidiu por proibir o
estado de Maryland de cobrar imposto sobre a selagem com estampilhas
de uma filial do banco oficial (bank of U.S.), consagrando assim os
três preceitos que inspiraram o constituinte brasileiro desde a
Constituição de 1891, quais sejam: 1) a competência para tributar
por meio de impostos envolve, eventualmente, a competência para
destruir; 2) a própria Constituição não admite nem que a União
destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente; e
3) nem a União pode exigir impostos dos Estados-membros, nem estes
da União, ou uns dos outros.
12. Os §§ 2º e 3º do
mencionado artigo são responsáveis pela regulamentação da
referida imunidade, determinando o parágrafo segundo a extensão da
regra imunizante às autarquias e fundações instituídas e mantidas
pelo poder público, desde que o patrimônio, a renda e os serviços
estejam vinculados às suas finalidades essenciais, ao passo que o
parágrafo terceiro exclui do âmbito da imunidade o patrimônio, a
renda e o serviço relativos à exploração de atividade econômica
regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em
que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo
usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar
imposto relativamente ao bem imóvel.
13. Além do princípio
federativo, a imunidade tributária recíproca tem fundamento na
isonomia entre os entes políticos, bem como no preceito da
capacidade contributiva, princípio constitucional que norteia a
tributação. Sendo, assim, é importante notar que o ente político,
se não pode, pelo menos não deveria manifestar capacidade
contributiva, sendo completamente ilógico que um ente integrante da
federação contribua financeiramente com outro por meio da
tributação.
14. Em conclusão, a imunidade
tributária recíproca mostra-se como uma das formas de promoção do
princípio federativo, deixando claro quase que de forma unânime a
doutrina pátria, além do próprio Supremo Tribunal Federal, que se
trata de cláusula pétrea, bem como de espécie de imunidade
tributária de natureza ontológica, de modo que, ainda que não
estivesse prevista de forma expressa no texto constitucional, seria
possível extraí-la do seu conteúdo como espécie de norma
implícita, razão pela qual, mesmo que se tentasse suprimir tal
instituto, primeiro que não seria possível por violar o art. 60,
§4º, da Constituição Federal de 1988, segundo que de nada
produziria efeito, pois decorrente diretamente dos já mencionados
princípios da isonomia entre os entes políticos e da capacidade
contributiva.
15. Quanto ao alcance dos
termos patrimônio, renda e serviço, prevalece o entendimento
jurisprudencial e doutrinário de que este abrange todos os impostos,
de modo que a classificação trazida pelo CTN deve ser desprezada,
na medida em que tal interpretação satisfaz melhor os princípios
consagrados da Constituição Federal.
16. Ademais, consoante
reiterado entendimento do Supremo Tribunal Federal, a referida
imunidade constitucional abarca tão somente os imposto no que tange
às espécies tributárias à luz da teoria pentapartite, pois, em se
tratando de espécie de tributo não-vinculado, a sua cobrança
constitui efetivo exercício de supremacia de um ente político sobre
o outro, surgindo o fato gerador sempre através de uma manifestação
externa de capacidade contributiva por parte do contribuinte, o que
não deve ocorrer em relação aos órgãos estatais. Por outro lado,
no que tange aos tributos vinculados, a sua cobrança decorre
efetivamente de uma prestação positiva do ente estatal, de modo que
o tributo cobrado seria uma verdadeira contraprestação ao serviço
oferecido.
17. Finalmente, no que tange à
aplicação da imunidade tributária recíproca em face das empresas
públicas e das sociedades de economia mista, à primeira vista,
seria constitucionalmente inviável, na medida em que o legislador
constituinte excluiu da incidência tributária tão somente as
autarquias e fundações públicas – entes verdadeiramente
públicos, que se integram à estrutura política do país. Tal regra
é dotada de considerável relevância, tendo em vista que protege o
mercado de privilégios fiscais proporcionados pela imunidade, o que
certamente ensejaria uma concorrência desleal.
18. A jurisprudência do STF,
contudo, relativiza a norma, determinando a extensão da regra
imunizante em alguns casos específicos, respeitadas rigorosas
condições.
19. Primeiramente a empresa
estatal, seja empresa pública, seja sociedade de economia mista,
deve exercer atividade típica de Estado, além disso, a atuação
deve ser feita sem a intenção de lucro, ao passo que não pode
haver risco a livre concorrência.
20. Neste caso, não obstante
o ente estatal atuar sob a forma de pessoa jurídica de direito
privado, sob o manto de uma empresa estatal, trata-se de mera
organização formal, pois efetivamente a atividade exercida é
tipicamente estatal. Sendo assim, tais entidades, com características
sobremodo peculiares, revestem-se da indumentária de autarquias, com
estas se assemelhando em demasia.
21. Assim, para que possam
fazer jus aos benefícios da imunidade recíproca, as empresas
públicas e sociedades de economia mista devem exercer atividade que
justifique o gozo de tal exoneração tributária, de modo que os
preceitos da referida imunidade, tais como o pacto federativo, da
capacidade contributiva e da isonomia, determinem a extensão da
regra.
22. Foi exatamente isso o que
ocorreu nos casos analisados neste trabalho em relação aos
Correios, à INFRAERO, à Casa da Moeda e à CODESP.
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Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Araújo, Vitor Carvalho Curvina Costa de: A Imunidade Tributária Recíproca e as Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público. Práxis Jurídica, Ano III, N.º 03, 09.05.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/05/a-imunidade-tributaria-reciproca-e-as.html>. Acesso em: .
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