Bartolomé, Esteban Murillo (1617–1682). |
Luis
Eduardo Mendes Dantas
(Graduado em Direito pela
Universidade Federal do Estado do Ceará (2013) e Pós-graduação em
Direito Constitucional pela UCAMPROMINAS (2017). Servidor do Tribunal
de Justiça do Estado do Ceará.)
RESUMO
Este estudo tem como objetivo
uma análise acerca do direito fundamental à saúde, abrangendo sua
natureza de norma de eficácia limitada de caráter programático,
perpassando por uma análise das gerações/dimensões dos direitos
fundamentais, bem como o real significado do direito a saúde,
finalizando com as singularidades deste direito, que encontra-se
cristalizado na Constituição Federal de 1988, abalizado na mais
douta doutrina, além de uma pequena imersão na Lei do Sistema Único
de Saúde.
Palavras-Chaves: Direito
à Saúde. Direitos Fundamentais.Sistema Único de Saúde.
ABSTRACT
This
study aims at an analysis of the fundamental right to health,
covering its nature as a norm of limited efficacy of a programmatic
nature, going through an analysis of the generations / dimensions of
fundamental rights, as well as the real meaning of the right to
health, ending with The singularities of this right, which is
crystallized in the Federal Constitution of 1988, based on the most
learned doctrine, in addition to a small immersion in the Unified
Health System Law.
INTRDOUÇÃO
O Direito Fundamental à Saúde
é previsto na Constituição Federal de 1988, no Título VII,
referente à Ordem Social, no capítulo I, Seção II, mais
precisamente no art. 196. Tal dispositivo assegura de forma clara que
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
(BRASIL, 1988).
Trata-se aqui de um genuíno
direito social, que deve ser prestado positivamente pelo Estado
Democrático de Direito com a finalidade de proteger o bem
fundamental mais importante, a dignidade da pessoa humana. Nesse
ponto, insta revelar o pensamento de Ingo Sarlet (2012, p. 577), no
qual caracteriza o direito à saúde como algo além da simples
conexão com o direito à vida, encontrando-se igualmente vinculado
ao direito à integridade física, sendo ambos atrelados ao preceito
fundamental acima citado, gozando de indiscutível importância.
Para facilitar a compreensão
acerca da dimensão deste direito fundamental, necessário se faz
discutir acerca de pontos relevantes, como a teoria dos direitos
fundamentais, os direitos sociais, do qual a saúde é espécie, e a
eficácia destes no mundo jurídico, concluindo-se o estudo com um
aprofundamento sobre o próprio direito em pauta.
2.1 Teoria dos direitos
fundamentais.
Inicialmente, faz-se mister
conceituar o que seria direitos fundamentais, segundo o qual, na
visão da doutrina de Silva (2004, p. 558), seriam assim entendidas
aqueles que estão positivados na carta constitucional de um
determinado país, configurando verdadeiras prerrogativas e
instituições que garantem liberdades humanas, a vida com dignidade
a convivência pacífica em sociedade, sendo inerentes a própria
existência da espécie humana em seu estado social. São
fundamentais, portanto, porque sem eles não haveria nem mesmo
possibilidade de sobrevivência e coexistência. A titularidade é do
homem, aqui tratado como representante de toda humanidade.
Há de se ressaltar que tais
direitos não surgiram de forma repentina, sendo fruto, na verdade,
da evolução do próprio ser humano. Daí falar-se que uma de suas
características é a historicidade. Alguns autores narram a história
dos direitos fundamentais em paralelo com a história do surgimento
do Estado Constitucional de Direito, podendo-se dizer que tais
assuntos são dependentes um do outro. Para Sarlet (2012, p. 252
-254), existiu um momento pré-histórico dos direitos fundamentais,
quando se iniciou a concepção das primeiras ideias de direitos
naturais dos homens (Idade Média até o século XVIII), para só
então falar-se em Estados Constitucionais e direitos fundamentais
(século XVIII em diante).
Após as revoluções liberais,
deu-se início a era dos Estados Constitucionais, os quais possuíam
uma Carta que limitava o poder absolutista do monarca. A partir daí,
de forma superficial, tem-se os primeiros indícios de direitos
fundamentais, especialmente atrelados ao direito de liberdade.
É comum, nesse ponto, mostrar
as dimensões de evolução dos direitos fundamentais em gerações
ou dimensões, dada a evolução (expansão) gradativa destes, sendo
pacífico, na doutrina constitucional, apontar ao menos três
gerações ou dimensões (nomenclatura reputada mais técnica),
inspiradas no lema francês que marcou a revolução que deu fim ao
estado absolutista: liberdade, igualdade e fraternidade.
Logo, os direitos de primeira
dimensão estão relacionados à liberdade. São caracterizados como
direitos individuais de prestação negativa pelo Estado. Nesse caso,
o Estado se abstém de intervir na esfera privada, estando o
indivíduo protegido contra suas arbitrariedades, comuns no
absolutismo. Segundo Bonavides,
Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. (BONAVIDES, 2004, p. 563).
Já os direitos de segunda
geração consagram a igualdade. Surgiram com o descaso estatal para
com os problemas sociais que brotaram diante do aumento demográfico
nos países mais desenvolvidos e do agravamento das disparidades
entre os grupos sociais. Pode-se dizer que o marco para surgimento
destes foram a Constituição de Weimar (Alemanha) e a Constituição
Mexicana de 1917, por preverem em seus bojos direitos de índole
social.
Assim, conforme Gilmar Mendes
(2012, p. 172) preleciona, esses direitos não correspondem mais a
uma abstenção do Estado, e sim a uma prestação positiva, na busca
pela igualdade entre os cidadãos, em sua acepção material
(isonomia substancial). Destarte, compreende-se, de forma assente na
doutrina, que a segunda dimensão representa os direitos sociais,
como saúde, lazer, trabalho, assistência social, educação, dentre
outros.
Nesse ponto, realizando um
paralelo entre os direitos fundamentais de primeira e segunda
dimensões, Marmelstein (2008, p. 50) aduz que os de primeira
dimensão possuíam a simples tarefa de frear o Estado, ou seja,
limitar o poder estatal frente as liberdades públicas (atuação
negativa). Enquanto isso, os de segunda dimensão impõem ao Estado
diretrizes, tarefas e deveres com a finalidade de promover a justiça
social, possibilitando aos cidadãos uma melhor condição de vida,
maior dignidade, pressupostos básicos para o exercício da
liberdade, o que proporcionaria, por consequência, um maior
desenvolvimento do homem.
Há ainda os direitos
fundamentais da terceira dimensão, mais recentes na escala de
evolução do homem, que são caracterizados por não possuírem
titularidade individualizada, e sim coletiva, transbordando a alçada
dos direitos subjetivos, passando-se para dos direitos
transindividuais, consagrando o terceiro ponto do lema francês,
fraternidade ou solidariedade. Nessa dimensão, destacam-se os
direitos ao meio ambiente saudável, à biodiversidade, ao
desenvolvimento da comunicação, à informática, e ao
desenvolvimento econômico.
Para Sarlet,
Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-individuo como seu titular, destinando-se a proteção de grupos humanos (povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade transindividual (coletiva ou difusa). (SARLET, 2012, p. 262)
Ainda com base na doutrina de
Sarlet (2012, p. 263), depreende-se que a distinção deste perante
os demais direitos não reside simplesmente na sua titularidade, mas
sim na perspectiva de afetação, tendo em vista que as consequências
de violação desses direitos prejudicam toda a humanidade, e não
indivíduos isoladamente. Além disso, a sua tutela exige
responsabilidade não somente do Estado, mas de toda a coletividade
em escala mundial, muitas vezes, posto a sua grandeza.
Segundo Bonavides (2004, p.
569), os direitos em tela possuem alto grau de humanismo e
universalidade, já que os destinatários consistem em toda a raça
humana, caracterizando o próprio pressuposto da existencialidade
desta.
Com o advento das políticas
neoliberais e da globalização, a doutrina mais moderna aponta ainda
a existência de mais duas dimensões de direitos fundamentais.
Apesar de não existir consenso quanto ao conteúdo destas, é
importante mencioná-las.
A quarta dimensão, conforme
Bonavides (2004, p. 571), nasce da própria globalização política,
consistindo na última fase do estado social.
Bonavides aduz que:
São direitos da quarta geração o direito a democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (BONAVIDES, 2004, p. 572)
Já a quinta dimensão, para
Bonavides (2011, p. 590), seria o direito à paz mundial. Para este
autor, a paz seria o corolário de todos os fundamentos que homem
utiliza para reger a vida em sociedade. Tal direito surgiu com a
Declaração das Nações Unidas na busca pela paz mundial após a
Grande Segunda Guerra. A ausência de paz, segundo o autor, seria
prejudicial a consecução dos demais direitos, tornando-os inviáveis
em uma situação de caos.
2.2 Da eficácia das normas
de direito social
Para se ter uma ideia da
eficácia da norma constitucional que dispõe sobre o direito a saúde
na Constituição Federal de 1988, faz-se necessário uma breve
discussão acerca da eficácia das normas constitucionais de uma
forma geral, perpassando pela tradicional classificação proposta
primeiramente por Ruy Barbosa, e posteriormente por José Afonso da
Silva, idealizada antes da atual Carta Magna brasileira, até uma
concepção mais moderna sobre o assunto.
A classificação proposta por
Ruy Barbosa separa as normas constitucionais em autoaplicáveis,
sendo aquelas que independem de qualquer ação do poder legislativo
para surtir a eficácia esperada, e não autoaplicáveis, sendo
aquelas que dependem da ação do legislador para produzirem a
eficácia sócio jurídico proposta pelo constituinte. Segundo
Sarlet, tal classificação se dava da seguinte forma:
No que diz como primeiro grupo, o das normas autoaplicáveis (ou autoexecutáveis), Ruy Barbosa firmou posição no sentido de que normas autoaplicáveis seriam aquelas que estariam aptas a gerar seus efeitos independentemente de qualquer atuação do legislador, já que seu conteúdo se encontra devidamente determinado. (...). Já no que concerneas normas não autoaplicáveis {ou não autoexecutáveis), Ruy Barbosa, aqui também valendo-se das lições do mesmo George Tucker, salientam que muitas normas constitucionais requerem urna ação do legislador para tornar efetivos os.seus preceitos, visto que "não revestem dos meios de acção essenciais ao seu exercício os direitos, que outorgam, ou os encargos que imp6em: estabelecem competências, atribuições, poderes, cujo uso tem de aguardar que a Legislatura, segundo o seu critério, os habilite a se exercerem''. (SARLET, 2012, p. 161).
Antes de adentrar a
classificação proposta por José Afonso da Silva, deve-se explicar
a diferença entre aplicabilidade, eficácia jurídica e eficácia
social das normas constitucionais. Na doutrina de Gonçalves, (2011,
p. 92) a aplicabilidade se refere, por óbvio, à possibilidade de
sua aplicação na orbita jurídica, pois detém todos os requisitos
para tanto, quais sejam: vigência, validade e eficácia. Já
eficácia jurídica é a potencialidade que a norma possui para se
concretizar no mundo dos fatos. Para o autor acima citado, “todas
as normas constitucionais teriam eficácia jurídica, variando-se o
seu grau (e com isso aplicabilidade! Ou seja, possibilidade de
aplicação, de serem realizadas, praticadas!).” (GONÇALVES, 2011,
p. 92). Diferente desta última, a eficácia social da norma
constitucional nada mais é do que a efetividade, que seja, a real
produção de efeitos concretos da norma. Para Barroso,
Efetividade (eficácia social) significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social. (BARROSO, 1993, p. 79).
Feito este introito, passa-se a
discorrer acerca da classificação clássica no direito brasileiro
sobre a eficácia das normas constitucionais concebida por José
Afonso da Silva. O doutrinador separou-as em normas de eficácia
plena, de eficácia contida (ou restringível) e de eficácia
limitada.
Para Sarmento, as normas de
eficácia plena possuem todos os elementos necessários para produção
de seus efeitos de forma imediata, dotada, portanto, de
aplicabilidade imediata, direta. Já as normas de eficácia contida,
surgem no seio jurídico com a eficácia plena, possuindo as mesmas
características da norma de classificação anterior, no entanto,
por opção do constituinte, tal norma pode sofrer restrições
perpetradas pelo legislador infraconstitucional. Por último, as
normas de eficácia limitada, sendo aquelas que não são
autossuficientes, carecendo de uma atuação do legislador
infraconstitucional para que haja sua implementação, possuindo
aplicabilidade mediata e indireta. (SARMENTO, 2012, p. 530).
Pharaoh Akhenaten and his wife Nefertiti. |
Estas últimas normas
subdividem-se em normas de princípio institutivo e de princípio
programático. As primeiras dispõem sobre organização do estado e
criação de instituições que amparam e sustentam os direitos
constitucionais. Já o segundo institui programas a serem seguidos
pelo legislador infraconstitucional na construção do Estado
Democrático de Direito, podendo ser classificados como impositivos
(obrigação de se seguir) e facultativos (opção política do
legislador infraconstitucional).
A doutrina, adotando tal
classificação, inclui o direito à saúde no patamar de norma
constitucional de princípio programático impositivo, já que se
trata de um dever do Estado promover e concretizá-lo, não sendo uma
faculdade do legislador infraconstitucional. Assim, a política
pública de promoção da saúde se impõe aos executores e
legisladores, no entanto sua aplicação não é direta e imediata,
fazendo-se necessária uma atuação positiva dos poderes públicos.
Apesar de tradicional e
didática, a classificação acima relatada é alvo de críticas,
principalmente por ter sido construída antes da vigente Constituição
Brasileira, que traz em seu artigo 5º, parágrafo primeiro, o
seguinte: “§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.” (BRASIL, 1988). Ora, a
Carta Magna, de forma positiva, consagra que todas as normas que
definem direitos fundamentais possuem aplicação imediata, não
havendo exceção. Assim, até mesmo as normas de suposta eficácia
limitada seriam de aplicação imediata.
Tal crítica é abraçada pro
Ingo Sarlet, que aduz da seguinte forma:
No que concerne às sistematizações mais antigas (anteriores à vigência da atual Constituição), não é de se estranhar que tal tenha ocorrido, já que inexistia dispositivo similar ao consagrado no art. 5o, § 1º, de nossa Lei Fundamental (aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais), salientando-se, todavia, que alguns dos autores nominados (de modo especial Celso R. Bastos e José Afonso da Silva) dispensaram alguma atenção ao problema em obras mais recentes, sem, no entanto, procederem a uma reformulação substancial de suas concepções à luz do citado preceito. Em que pese este aspecto, suas contribuições trazem a marca de sua inequívoca autoridade intelectual e serão devidamente consideradas. (SARLET, 2009, p. 257).
No entanto, o mesmo autor
pondera que, dada as diferentes técnicas de redação utilizadas
pelo constituinte na confecção da Carta de 1988, algumas normas,
apesar de trazerem em seu seio direitos fundamentais, possuem graus
de eficácias diferenciadas (SARLET, 2009, p. 257). Assim,
sustenta-se que a definição rasa proposta pela doutrina tradicional
não deve ser encarada de forma absoluta, do mesmo modo que o
supracitado dispositivo constitucional não dever ser empregado em
sua inteireza a todas as normas definidoras de direitos fundamentais.
Assim, conclui-se, neste
tópico, que o direito à saúde se encaixa na classificação de
norma constitucional de eficácia limitada de princípio programático
impositivo, devendo-se fazer ponderações a sua aplicabilidade e
eficácia jurídica, não se podendo caracterizar como mediata e
indireta de forma absoluta.
2.3 Do direito à saúde na
Constituição de 1988
Neste tópico, far-se-á uma
análise do direito à saúde de uma forma geral, conceituando-se o
que é saúde, como se dá sua proteção, bem como, caracterizar tal
direito dentro da Constituição brasileira de 1988.
Segundo Bulos, “Saúde é
estado de completo bem estar físico, mental e espiritual do homem, e
não apenas a ausência de afecções e doenças” (BULOS, 2009, p.
1378).
Para Gonçalves,
É indiscutível que o direito à saúde relaciona-se de forma direta com o direito à vida. Todavia, não é nada fácil, nem simples, desenvolver um conceito jurídico do que seja saúde. Segundo Reissinger, o principal conceito se dá a partir do próprio preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde: “estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades.” (GONÇALVES, 2011, p. 485).
Como dito no início deste
estudo, o direito à saúde é assegurado constitucionalmente como um
dever do Estado, devendo ser ele prestado a quem necessitar. No
entanto, consoante os dizeres de Fabio de Souza Silva (, 2010, p.
16-17), não se trata de uma garantia absoluta de que todos serão
saudáveis, pois tal bem seria impossível de tutela jurídica, sendo
o Estado garantir que todos serão saudáveis, da mesma forma que é
impossível garantir a felicidade de todos os cidadãos.
O que se pretende dizer com
isso é que o Estado brasileiro, ao prever o direito à saúde em sua
Constituição, não está assegurando a saúde absoluta de todos,
mas apenas obrigando-se a prestar assistência a este bem, ou seja,
disponibilizar os meios necessários a garantir uma vida saudável.
Trata-se, na verdade, de um direito à proteção da saúde, de
disponibilização de instrumentos para a consecução desta.
O direito à saúde, por ser
direito social, concretiza-se a partir de prestações positivas e
negativas. Pela primeira, deve o Poder Público realizar medidas de
prevenção no combate às doenças potenciais, bem como deve prestar
medidas paliativas para tratar enfermidades, proporcionando o bem
estar pleno dos cidadãos.
Acerca das prestações
positivas, há subdivisão bem delineada por Martins, vejamos.
Sérgio Pinto Martins afirma que o sistema de saúde envolve, pelo menos, três espécies de categorias, quais sejam, prevenção, proteção e recuperação. A prevenção diz respeito aos meios para evitar doenças, nos quais se inserem a vigilância sanitária e epidemiológica. A proteção relaciona-se a uma atuação constante antes mesmo da manifestação da doença. Já a recuperação envolve a participação dos serviços sociais e a reabilitação profissional, com vistas à reintegração do trabalhador tanto à sua atividade profissional quanto ao meio social. (MARTINS, 2013, p. 514)
Apesar do artigo 196, da
Constituição Federal de 1988 ser tratado como norma programática,
o direito fundamental nele insculpido não pode ser postergado,
negado, condicionado a quem dele precise. Como foi dito
anteriormente, trata-se de norma impositiva, não estando no campo de
faculdade do legislador infraconstitucional, muito menos do executor
das políticas públicas.
Tal imposição se explica pelo
próprio complexo principiológico que norteia a comentada norma
fundamental. O direito à saúde possui como diretrizes a
universalidade, a isonomia e a integralidade do atendimento.
Universalidade traz a ideia de
que o serviço de proteção à saúde é direcionado a todos,
independentemente da qualidade da pessoa que está em busca deste
direito. Já a isonomia é atrelada a ideia de não segmentação, ou
seja, a política pública empreendida na proteção à saúde não é
direcionada a seguimento específico da sociedade. Já a
integralidade propõe que as ações do Poder Público de prevenção,
proteção e recuperação estejam integradas em uma estrutura
completa que proporcione a tutela devida ao direito à saúde
(FERREIRA, 2015, p. 48-50).
Para compreender de forma
minuciosa o direito estudado, importante mencionar as lições de
Gilmar Mendes, que, de forma didática, fracionou o dispositivo
constitucional em estudo (artigo 196), apontando seis pontos a serem
analisados separadamente, vejamos:
O direito à saúde está previsto no art. 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. (MENDES, 2012, p. 764)
O primeiro ponto (direito de
todos) infere-se existência de um direito, tanto individual, como
coletivo, não se podendo negar força normativa a tal norma apenas
por esta ser catalogada como programática. Assim, pode-se dizer que
há uma relação obrigacional entre Estado e indivíduos
(titularidade de todos), sendo um verdadeiro direito subjetivo
público que pode ser exigido do Estado.
O segundo ponto ressalta que
existe um dever estatal, que se estende a todas as esferas
federativas, que devem concretizar tal direito através de políticas
públicas.
O terceiro ponto destaca a
necessidade de que tal direito seja viabilizado por meio de políticas
sociais e econômicas, na qual os Poderes Públicos farão escolhas
para alocarem os recursos da melhor forma para se prestar um serviço
público digno.
O quarto ponto traduz uma
preocupação maior do constituinte com medidas preventivas,
inclusive sendo tratadas como prioritárias, conforme dispõe o
artigo 198, da Carta Magna. Essa prioridade se dá tendo em vista a
diferença dos custeios entre medidas preventivas e paliativas, sendo
estas últimas comprovadamente mais dispendiosas.
O quinto ponto fora retratado
anteriormente, sendo os princípios que embasam os serviços de
saúde. Já o derradeiro ponto refere-se a maior dificuldade de
concreção do direito à saúde, a prestação de ação por parte
do Poder Público, através de políticas públicas, tendo em vista
que nosso ordenamento jurídico é vasto quando se trata do assunto
“direito à saúde”.
Assim, tem-se uma melhor
compreensão do que se trata propriamente o direito da saúde, ou
seja, um direito subjetivo, que pode ser exigido do Estado, tendo em
vista tratar-se de obrigação fundamental do ente público assegurar
a proteção à saúde através de políticas estatais.
Compreendido o direito à
saúde, importante se faz comentar o sistema brasileiro criado para
prestar a proteção ao direito à saúde, o Sistema Único de Saúde
(SUS). Segundo Bulos (2009, p. 1381), “o Sistema Único de Saúde
(SUS) consiste numa rede regionalizada e hierarquizada de ações e
serviços públicos de saúde”.
Tal sistema foi instituído
pela Lei 8.080/90, que prevê uma organização descentralizada, na
qual as esferas federativas possuem autonomia para concretizar as
políticas públicas referentes ao direito à saúde, ao mesmo tempo
em que impõe um regime hierarquizado, no qual a União fica
responsável por traçar diretrizes nacionais a serem seguidas pelos
Estados e Municípios na formulação de suas políticas públicas.
Barroso define bem essa repartição de competência, vejamos:
A Lei nº 8.080/90 procurou ainda definir o que cabe a cada um dos entes federativos na matéria. À direção nacional do SUS, atribuiu a competência de “prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), devendo “promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal” (art. 16, XV). À direção estadual do SUS, a Lei nº 8.080/90, em seu art. 17, atribuiu as competências de promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde, de lhes prestar apoio técnico e financeiro, e de executar supletivamente ações e serviços de saúde. Por fim, à direção municipal do SUS, incumbiu de planejar, organizar, controlar, gerir e executar os serviços públicos de saúde (art. 18, I e III). (BARROSO, 2008, p. 16)
Com esse modelo de saúde, o
constituinte rompeu com os sistemas até então propostos pelas
Constituições pretéritas, ao adotar uma rede regionalizada e
hierarquizada. Gilmar Mendes confirma tal rompimento:
Ao criar o SUS, o constituinte originário rompeu com a tradição até então existente e adotou uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, como forma de melhor concretizar esse direito social. Sua concepção decorreu em parte da evolução do sistema que antes era instituído em nível ordinário, como o Sistema Nacional de Saúde, criado pela Lei n. 6.229/75, e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (MENDES, 2012, p. 766).
Segundo a Lei 8.080/90, o SUS
compreende o conjunto de ações e serviços de saúde prestados
pelos entes políticos de todas as esferas. Tais prestações podem
ser realizadas pelo setor privado de forma complementar. Ao sistema
compete a criação de políticas públicas atinentes a prevenção
(política sanitária), tratamentos, distribuição de medicamentos,
entre outros listados no artigo 6º, da mencionada Lei.
A insuficiência de tais
políticas ou a falta delas culminam na judicialização do direito à
saúde, justamente por se tratar de um direito fundamental, que,
apesar de ser insculpido em norma de caráter programático, tem o
peso de um direito subjetivo que pode ser exigido perante o Poder
Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto,
percebe-se que o direito à saúde é um direito fundamental de
segunda dimensão, mas que, dado a nova visão da doutrina moderna,
não pode ser tratado como apenas uma promessa vazia, mas como um
direito que deve ser realizado pelo Estado em seu máximo.
Assim, como um dever
constitucional imposto ao Estado por meio de uma norma de eficácia
limitada programática, cumpre este manejar políticas públicas
tendentes a concretizar tal direito.
As políticas devem seguir o
exposto na Lei que regula o Sistema Único de saúde, de forma
regionalizada e universal, seguindo os princípios lá instituídos,
de modo a fornecer uma saúde condizente com princípio da dignidade
da pessoa humana.
Ante a insuficiência da
prestação positiva do Estado, cumpre ao Poder Judiciário, na
qualidade de guardião dos direitos fundamentais, intervir em tais
políticas públicas, dentro dos limites constitucionais, para
compelir violações a esse direito.
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Editores, 2004.
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Dantas,
Luis Eduardo Mendes: Do Direito Fundamental à Saúde no Ordenamento Jurídico Nacional. Práxis Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017
(ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/07/do-direito-fundamental-saude-no.html>. Acesso em:
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