domingo, 18 de junho de 2017

A Competência da Justiça do Trabalho e a Emenda Constitucional N.º 45/2004


Fonte: Internet.


Fúlvio Oliveira Paiva
(Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará)

Emenda Constitucional nº 45, Competência, Justiça do Trabalho, Relação de Trabalho, Estatutário, Greve, Dano Moral ou Patrimonial,

RESUMO: o presente trabalho visa a analisar a alteração da competência da Justiça do Trabalho em decorrência da emenda constitucional nº 45/2004, bem como trazer e explorar temas importantes advindos dessa alteração, com a exposição dos incisos do art. 114 da Constituição Federal de 1988, bem como o estudo de alguns desses incisos, enfocando o entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 45, Competência, Justiça do Trabalho, Relação de Trabalho, Estatutário, Greve, Dano Moral ou Patrimonial.


THE COMPETENCE OF THE LABOR COURTS AND THE CONSTITUTIONAL AMENDMENT Nº 45/2004


ABSTRACT: The present study aims to analyze the change of jurisdiction of the labor courts as a result of Constitutional Amendment nº. 45/2004, as well as bring and explore important issues arising from this change, with the exhibition of the art. 114 of the Brazil Constitution, and the study of some of these items, focusing on the doctrinal and jurisprudential understanding.
Keywords: working relationship, statutory, strike, moral or material damage.

1 INTRODUÇÃO


O presente trabalho trata do impacto causado pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, mais precisamente quanto às mudanças na competência da Justiça do Trabalho advindas como novidades trazidas por essa emenda; além disso, estudo sobre o princípio da legalidade tributária, com viés à análise da inconstitucionalidade da cobrança de taxa de emissão de passaporte comum para brasileiros.

O presente trabalho visa a analisar a alteração da competência da Justiça do Trabalho em decorrência da emenda constitucional nº 45/2004, bem como trazer e explorar temas importantes advindos dessa alteração, com a exposição dos incisos do art. 114 da Constituição Federal de 1988, bem como o estudo de alguns desses incisos, enfocando o entendimento doutrinário e jurisprudencial.


2 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45


A EC nº 45/2004, além de várias outras alterações em dispositivos da Constituição Federal de 1988, resultou em uma significativa alteração na competência da Justiça do Trabalho, ao promover a modificação do texto do art. 114, da Lei Maior.
Antes da emenda, a Justiça do Trabalho preocupava-se com os litígios oriundos da relação de emprego. Após a modificação, a Justiça Trabalhista passou a abranger não somente a relação de emprego, mas um campo maior: a relação de trabalho.
Como resultado da alteração, o artigo passou a viger com a seguinte redação, ipsis litteris:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: 
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do  Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Destarte, resta configurada que a mudança foi profunda e com ela, várias dúvidas surgiram, algumas das quais serão tratadas no presente trabalho.


3 RELAÇÃO DE EMPREGO X RELAÇÃO DE TRABALHO.


Com a nova leitura do art. 114, a Justiça do trabalho passou a ser competente para processar e julgar (I) “as ações oriundas da relação de trabalho [...]”.
A relação de trabalho representa uma expressão mais abrangente do que relação de emprego. Esta está contida naquela e possui características específicas que configuram a relação de emprego.
Para que possa se falar em relação de emprego, faz-se necessária a presença dos seguintes elementos:
Trabalho por pessoa física: o empregado deve ser pessoa física.
Pessoalidade: o contrato de emprego é intuitu personae1, isto é, celebrado em atenção às qualidades pessoais de um dos contratantes, qual seja, o empregado de maneira que este deve prestar, pessoalmente, os seus serviços.
Habitualidade: a mão de obra do empregado deve corresponder a uma atividade permanente em relação ao empreendimento do empregador2.
Onerosidade: o empregado, em virtude da prestação de seus serviços, faz jus ao recebimento de uma contraprestação, a remuneração.
Subordinação jurídica: o empregado é subordinado juridicamente ao empregador, em virtude da existência de um contrato de emprego. Logo, não se exige a subordinação econômica, ou técnica, mas, tão-somente, a jurídica.
E, por fim, a alteridade: diz respeito ao fato de que os riscos da atividade devem ser suportados pelo empregador, não podendo ser repassados ao empregado.
Esses elementos que caracterizam a relação de emprego estão dispostos nos arts. 2º e 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Desta forma, a Justiça laboral passou a ser competente para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, que, como observado, representam um universo mais amplo e que inclui os litígios provenientes da relação de emprego.

Ilustração de Edgar Mendoza Mancillas.



4 OS TRABALHADORES ESTATUTÁRIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


O inciso I, do art. 114, dispõe que a competência da Justiça do Trabalho, com relação às ações oriundas da relação de trabalho, abrange os entes de direito público externo e os entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em virtude dessa redação, surgiu o questionamento no sentido de saber se a competência da Justiça do Trabalho alcançaria os litígios envolvendo a Administração Pública e seus servidores estatutários.
Inicialmente, é mister verificar os agentes da Administração Pública.
Os agentes temporários são os que prestam serviços em caráter temporário e de excepcional interesse público. São regidos por um regime jurídico de direito administrativo. Não há um contrato de trabalho que o vincule ao Poder Público; há um contrato administrativo.
Os empregados públicos (celetistas) são aqueles que exercem uma atividade permanente em relação à Administração Pública. São sujeitos a um regime jurídico contratual trabalhista. Seu vínculo com a Administração decorre de um contrato de trabalho.
Os servidores públicos (estatutários) são titulares de cargos públicos que também exercem uma atividade permanente ao Poder Público, mas o seu vínculo com a Administração Pública decorre da lei, sendo, portanto, sujeitos a um regime jurídico-administrativo.
A matéria foi discutida no Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3395, e o STF concedeu liminar com efeitos ex tunc, dando interpretação conforme a Constituição do inciso I, para suspender qualquer interpretação dada a esse inciso no sentido de incluir, na competência da Justiça do Trabalho, a “[...] apreciação [...] de causas que [...] sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.”3
Sendo assim, com essa liminar concedida pela Corte Suprema, a Justiça do Trabalho só tem competência para julgar as ações envolvendo o Poder Público e seus agentes celetistas (empregados públicos), uma vez que estes possuem um vínculo decorrente de um contrato de emprego com a Administração Pública.
Os servidores estatutários, bem como os demais agentes públicos com regime jurídico-administrativo, v.g. os agentes temporários, estão fora da competência da Justiça do Trabalho.



5 DIREITO DE GREVE


O direito de greve, de natureza social, encontra espeque na liberdade de trabalho e representa uma cessação temporária e voluntária das atividades do trabalhador, visando a obter reivindicações e benefícios pleiteados pela categoria, ou para protestar contra algo.
Pela nova redação, o art. 114, no seu inciso II, traz que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvam o direito de greve.
Acerca desse tema, deve ser ressaltada a súmula vinculante nº 23, segundo a qual “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.”
Assim, as ações possessórias, quais sejam, manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório, que envolvam o exercício do direito de greve são, a partir da emenda constitucional nº 45, da competência da Justiça Trabalhista.


6 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL OU PATRIMONIAL, DECORRENTES DA RELAÇÃO DE TRABALHO


O inciso VI, do art. 114, CF, trata do das ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves4, material (ou patrimonial)

é o dano que afeta somente o patrimônio do ofendido. Moral é o que só ofende o devedor como ser humano, não lhe atingindo o patrimônio. Acerca de dano moral, prossegue o autor aduzindo que a expressão “dano moral” deve ser reservada exclusivamente para designar a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial.

Pontes de Miranda abre o seu estudo sobre o dano moral fixando um conceito básico, in Tratado de Direito Privado, Borsói, T. LIII, §§ 5.509 e 5. 510, T. XXVI. § 3. 108, esclarecendo que "nos danos morais, a esfera ética da pessoa é que é ofendida; sendo atingido o ser humano".
Quanto ao inciso VI, do art. 114, que trata do tema dano moral ou patrimonial, duas súmulas merecem ser analisadas. São elas: a súmula vinculante nº 22 e a súmula do STJ nº 367.
Pela redação da súmula vinculante nº 22, tem-se que: 

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra o empregador, inclusive aquelas nas quais, ao tempo da edição da Emenda Constitucional nº45/04, ainda não havia sido proferida sentença de mérito em primeiro grau.

Dessa maneira, as ações de indenização por dano moral ou patrimonial de empregado em face do empregador que não tenham sentença de mérito na Justiça Comum deslocam-se para a Justiça do Trabalho.
Logo, somente as ações que já possuam sentença de mérito não serão remetidas para a Justiça laboral.
O mesmo se extrai da leitura da súmula nº 367, do STJ, cuja redação diz que 

A competência estabelecida pela EC n. 45/2004 não alcança os processos já sentenciados.



7 CONCLUSÃO


Percebe-se, assim, o grande impacto gerado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 no nosso ordenamento jurídico, gerando uma profunda modificação na competência da Justiça do Trabalho,



8 REFERÊNCIAS
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5. ed. Niterói: editora Impetus, 2011.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2008 , vol. III


GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 14. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2012.


PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. 18. ed. São Paulo: editora Método, 2010.


SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: editora Método, 2011.
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 9. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2012 , vol. 3, p. 95.
2 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5. ed. Niterói: editora Impetus, 2011, p. 281.
3 EM 27/01/05 "(...) A NÃO INCLUSÃO DO ENUNCIADO ACRESCIDO PELO SF EM NADA ALTERA A PROPOSIÇÃO JURÍDICA CONSTIDA NA REGRA. (...) NÃO HÁ QUE SE ENTENDER QUE A JUSTIÇA TRABALHISTA, A PARTIR DO TEXTO PROMULGADO, POSSA ANALISAR QUESTÕES RELATIVAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS. ESSAS DEMANDAS VINCULADAS A QUESTÕES FUNCIONAIS A ELES PERTINENTES, REGIDOS QUE SÃO PELA LEI 8112/90 E PELO DIREITO ADMINISTRATIVO, SÃO DIVERSAS DOS CONTRATOS DE TRABALHO REGIDOS PELA CLT. (...) EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO, CONCEDO A LIMINAR, COM EFEITO 'EX TUNC'. DOU INTERPRETAÇÃO CONFORME AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DA EC Nº 45/04. SUSPENDO, AD REFERENDUM , TODA E QUALQUER INTERPRETAÇÃO DADA AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DADA PELA EC 45/04, QUE INCLUA, NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, A "...APRECIAÇÃO ... DE CAUSAS QUE... SEJAM INSTAURADAS ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES, A ELE VINCULADOS POR TÍPICA RELAÇÃO DE ORDEM." (ADI nº 3395, relator: Ministro Teori Zavascki).
4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 14. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2012, p. 561.


 

Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

Oliveira Paiva, Fúlvio: A Competência da Justiça do Trabalho e a Emenda Constitucional N.º 45/2004. Práxis Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/06/a-competencia-da-justica-do-trabalho-e.html>. Acesso em:

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário