Ilustração by Rob Gonsalves. Fonte: Internet. |
Felipe
Arruda Aguiar Sobreira da Silveira
(Advogado
formado pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Direito
Constitucional pela Faculdade Damásio).
Resumo:
Objetiva-se
estabelecer uma comparação entre os ordenamentos jurídicos
comunitários do Mercosul e da União Europeia, levando em
consideração a manifesta distinção quanto às diferentes fases em
que se encontram cada um deles. Para tanto, far-se-á necessário, a
princípio, analisar as diferentes etapas de integração pelas quais
atravessam os blocos até atingirem a plena integração econômica e
monetária. Em seguida, partir-se-á ao estudo, propriamente dito, do
Ordenamento Jurídico Comunitário, analisado de uma esfera geral,
para, em seguida, estabelecer-se a compreensão individualizada do
ordenamento de cada bloco, estabelecendo-se as diferenças
primordiais entre eles.
Palavras-chave:
Direito Internacional. Direito de Integração. Direito Comunitário.
União Europeia. Mercosul. Estudo comparado.
Abstract:
The objective is to establish a comparison between the Community
legal order of Mercosur and the European Union, taking into account
the manifest distinction as to the different phases in which they are
each of them. To do so, it shall be made necessary at first to
examine the different stages of integration by which pass through the
blocks until they reach full economic and monetary integration. Then
break will be the study itself, the Community legal system, analyzed
from a general level, to then settle the individualized understanding
of the order of each block, setting up the primary differences
between them.
Key
words: International
right. Integration of law. Community law. European Union. Mercosur.
Comparative study.
-
INTRODUÇÃO
Fonte:Internet.
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A
Globalização, fenômeno amplamente reconhecido que se tem
intensificado continuamente nas últimas décadas, foi responsável
por reduzir as fronteiras internacionais de tal forma que uma nova
realidade afigurou-se; proporcionando, assim, uma maior integração
econômica entre os países, o que desencadeou a formação dos
denominados blocos econômicos.
Tais
blocos são dotados de uma estrutura comunitária, na qual os Estados
se unem, cedendo cada um parcela de sua soberania, em prol do
conseqüente avanço econômico. Além de um mercado comum, objetivo
primordial dessa integração, é possível haver, ainda, entre os
países signatários, coincidência nas políticas relativas a
diversos aspectos sócio-econômicos, a fim de aprofundar os laços
entre eles, potencializando os escopos do bloco formado.
O
primeiro bloco econômico que se veio a constituir foi a União
Européia, estando no nível de integração mais avançado dentre
todos os que vieram a se formar posteriormente. O MERCOSUL surgiu em
inspiração àquele, buscando atingir os resultados alcançados na
Europa, contudo, devido a diversos aspectos, ainda se encontra em
nível inicial de integração, bem distante da atual estrutura da
União Européia.
A
União Européia, criada de fato em 1993, a partir do Tratado de
Maastricht, tem suas origens na Comunidade Européia do Carvão e do
Aço (CECA) e na Comunidade Econômica Européia (CEE), zonas de
livre comércio formadas, em princípio, por apenas seis países
europeus. Atualmente, contudo, esse bloco econômico é um
estabilizado mercado comum, com vias a avançar ao estado de união
econômica e monetária, sendo formado por 27 países, os quais
mantêm de legislações e políticas em comum.
O
MERCOSUL, por sua vez, constitui tão somente uma união econômica.
As origens desse bloco remontam à década de 1960, época em que foi
formada a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), a
qual foi sucedida, na década de 1980, pela Associação
Latino-Americana de Desenvolvimento. Foi apenas em 1991, todavia,
mediante o Tratado de Assunção, que, efetivamente, estabeleceu-se o
bloco econômico sob a denominação de MERCOSUL, constituindo-se de
uma zona de livre comércio entre quatro países sul-americanos.
Atualmente, esse organismo regional incorpora uma união aduaneira,
composta por seis integrantes.
Feita
essa lacônica explanação acerca do surgimento do MERCOSUL e da
União Européia, cumpre destacar que o objetivo precípuo do
presente estudo é estabelecer uma comparação entre os ordenamentos
jurídicos comunitários desses dois blocos econômicos, levando em
consideração a manifesta distinção quanto às diferentes fases em
que se encontram cada um deles.
Para
tanto, far-se-á necessário, a princípio, analisar as diferentes
etapas de integração pelas quais atravessam os blocos até
atingirem a plena integração econômica e monetária. Em seguida,
partir-se-á ao estudo, propriamente dito, do Ordenamento Jurídico
Comunitário, analisado de uma esfera geral, para, em seguida,
estabelecer-se a compreensão individualizada do ordenamento de cada
bloco, estabelecendo-se as diferenças primordiais entre eles.
2.
O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO
Urge,
aqui, analisar os cinco modelos de integração, que podem também
ser entendidos como fases sucessivas de um processo evolutivo, embora
esse desenvolvimento gradual não ocorra necessariamente. Essa
classificação mostra-se fundamental para a compreensão, de modo
comparativo, do Mercosul e da União Européia, bem como para o
entendimento do Ordenamento Comunitário de cada um deles, uma vez
que é a partir desse decurso que ele vem a surgir.
O
primeiro estágio de integração e o mais rudimentar é a denominada
Zona de Preferência Tributária. Aqui, intenta-se estabelecer um
padrão tarifário preferencial entre os Estados inseridos na área,
de forma que as tarifas cobradas a países não-membros serão
necessariamente maiores do que as exigidas em face das nações
signatárias. Um exemplo dessa espécie de integração é a ALALC,
bloco econômico que antecedeu o MERCOSUL e que buscou estabelecer um
padrão tarifário entre seus onze membros, todos da América do Sul.
Fonte:Internet.
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Uma terceira forma de integração econômica é a União Aduaneira, que se trata de uma zona de livre comércio dotada, também, de uma Tarifa Externa Comum (TEC). Esta, como o próprio nome indica, estabelece uma tarifa comum de importação não só perante os países integrantes do bloco, mas em face também de Estados não-signatários desse. A CEE foi uma União Aduaneira até 1992, ano em que passou a um estágio mais avançado, o de Mercado Comum. O MERCOSUL, por sua vez, atingiu esse nível de integração, ao qual pertence até hoje, em 1995, quando estabeleceu o primeiro TEC, evidentemente mais oneroso que as tarifas cobradas entre os países membros.
A
quarta modalidade de integração é o Mercado Comum, que tem como
único exemplo a União Européia. Aqui, diferentemente da União
Aduaneira, é estabelecido entre os Estados-membros, além da livre
circulação de bens, o desimpedido tráfego de serviços e de
fatores de produção (capital e mão de obra). Salienta-se, todavia,
que, a fim de consolidar-se efetivamente o Mercado Comum, requer-se a
coordenação de políticas macroeconômicas por parte de todos os
países integrantes2.
Por
fim, o último nível que poderá alcançar determinada estrutura
comunitária é o de União Econômica e Monetária. Este jamais foi
atingido, mas deverá sê-lo quando houver, em determinado bloco,
além das características inerentes ao Mercado Comum, uma moeda
única, sem resquícios de moedas nacionais, bem como uma política
monetária inteiramente unificada, conduzida por um Banco Central
Comunitário.
-
DIREITO COMUNITÁRIO X DIREITO DE INTEGRAÇÃO
O
Direito Comunitário, não raro, é conceituado como um sistema
jurídico sui
generis, que
não se confunde nem com o direito interno dos países, pois suas
normas são editadas por órgãos de natureza comunitária e têm
aplicabilidade imediata nas ordens jurídicas internas desses
Estados; nem tampouco com o Direito Internacional Público, uma vez
que é regido por princípios próprios.3
Por
constituir disciplina jurídica nova, o Direito Comunitário se vale
de instrumentos hermenêuticos e gnoseológicos próprios, sem
prescindir daqueles utilizados pelo Direito Interno e Internacional,
em face de seu hibridismo, privilegiando a interpretação
teleológica ou finalística4.
Para
o professor José Gomes Sá Pereira, o Direito Comunitário
compreende:
“o conjunto de princípios e normas jurídicas que regem a constituição e o funcionamento das Comunidades Européias, e é uma nova ordem jurídica que penetra nos diversos ramos do direito interno dos Estados membros, cujo estudo e aplicação não podem, geralmente, deixar de ser realizados em estreita articulação”5
Comungamos
com o entendimento do ilustre professor, divergindo, assim, do que
preceitua Fausto de Quadros, uma vez que este considera que o Direito
Comunitário está adstrito tão somente às regras e princípios
pactuados pelos Estados6.
Em verdade, conforme se pôde inferir supra, deve-se levar em conta,
também, o direito interno dos entes da comunidade, sendo fundamental
que haja a articulação entre todas as normas, para a devida
concretização delas.
O
Direito Comunitário deve, ainda, ser caracterizado como parcial,
porquanto não tem competência sobre a totalidade do Direito dos
Estados-membros. Essa parcialidade, todavia, vai diminuindo,
tornando-se o ordenamento comunitário cada vez mais abrangente,
pois, na medida em que avança o processo de integração, mais
setores passam a estar sob a tutela do Direito Comunitário. Além
dessa característica evolutiva, uma terceira evidencia-se, devendo
tal Direito ser considerado setorial, vez que coexiste com os vários
ordenamentos nacionais que integram a Comunidade.
Questão
que exsurge é a que diz respeito ao momento em que passa a existir o
Direito Comunitário. De certa forma, ainda na simples estrutura de
Zona de Preferência Tarifária existem questões atinentes ao
Direito Comunitário. Todavia, a posição já consolidada da
doutrina é a de que o mesmo nasce tão somente quando da instituição
de um Mercado Comum, porquanto, antes disso, os tratados possuem
natureza meramente comercial, inexistindo relação comunitária
entre os países membros7.
Destarte,
no que tange ao MERCOSUL, não se pode afirmar que existe um Direito
Comunitário, mas tão somente um Direito de Integração. Este
consiste no conjunto de normas jurídicas, o qual disciplina os
processos de integração econômica e regional entre Estados
soberanos que ainda estão em estagio inicial de associação8.
Deve-se
ter em vista que o Direito de Integração, em seu estágio mais
avançado, passa a ser considerado Direito Comunitário. Em tal
circunstância, cumpre constatar a existência de normas
supranacionais emanadas de órgãos comunitários, com aplicabilidade
perante não só os Estados-membros ou as instituições
comunitárias, mas também em relação aos particulares dos países
integrantes9;
bem como a existência de um órgão judicial supraestatal.
Característica
inerente ao Direito Comunitário, a partir da qual se subsumem
diversos caracteres peculiares desse modelo de Ordenamento, é a de
supranacionalidade.
Tal
instituto é um dos principais pilares do Ordenamento Comunitário, e
contribuiu sobremaneira no processo de integração da União
Européia, possibilitando a adoção de políticas comunitárias
compatíveis com a legislação dos Estados membros, bem como a
uniformização na tomada de decisões. A supranacionalidade é
responsável, outrossim, por possibilitar que as normas produzidas
pelos órgãos comunitários possam ser aplicadas de forma homogênea
e imediata no ordenamento jurídico dos Estados membros.
No
MERCOSUL, em contrapartida, não há de suscitar a existência de um
Direito Comunitário, mas tão somente de um Direito de Integração,
conforme mencionado alhures. Do conceito de Direito de Integração,
advém uma noção que, quando contraposta à supranacionalidade
característica da União Européia, faz surgir a principal distinção
entre esses dois blocos econômicos. Essa é a intergovernabilidade.
É
em função da sistemática da intergovernabilidade que o MERCOSUL é
regido pelos preceitos do Direito Internacional Público, a partir do
qual sobrevém a descentralização da Comunidade, inexistindo
mecanismos e institutos jurídicos próprios capazes de assegurar a
primazia e a aplicabilidade direta das normas produzidas por suas
instituições.
Em
face dessa dicotomia entre supranacionalidade e integovernabilidade,
advém grande parte das distinções que serão elucidadas no
decorrer do presente trabalho, de modo que a freqüente recorrência
a esses dois institutos torna-se manifesta conseqüência do estudo
desses dois blocos econômicos.
-
A COMPARAÇÃO ENTRE OS ORDENAMENTOS JURÍDICOS DA UNIÃO EUROPÉIA E DO MERCOSUL
Fonte:Internet.
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Feita uma sucinta, porém suficiente explanação acerca dos diferentes níveis de integração em que podem encontrar-se determinado bloco econômico, bem como traçada a devida noção de Direito Comunitário e de Direito de Integração, urge, aqui, dar ensejo à expressa comparação entre os sistemas jurídicos da União Européia e do MERCOSUL.
Para
tanto, privilegiar-se-ão as fontes, por meio das quais surge o
Direito; o sistema de harmonização desse Direito para com o
ordenamento interno dos Estados-membros; e as medidas de solução de
controvérsias que eventualmente venham a surgir no âmbito do bloco
econômico.
4.1.
As Fontes
As
fontes que constituem o Direito Comunitário Europeu podem dividir-se
em escritas e não escritas.
As
fontes escritas são compostas tanto por atos convencionais, quanto
por atos derivados ou unilaterais. Os primeiros se subsumem aos
acordos celebrados entre os Estados-membros, bem como às convenções
concluídas pela Comunidade em face de terceiros Estados.
Já
os atos derivados são aqueles emanados pela própria instituição
comunitária, possuindo, portanto, grande importância, uma vez que
constituem a base do Ordenamento Comunitário Europeu. Tais fontes
estão devidamente regulamentadas pelo art. 249 do Tratado
Comunitário Europeu (TCE).
Em
decorrência de tal dispositivo, considera-se que compõem as fontes
unilaterais: os regulamentos – que conferem direitos e impõem
obrigações de forma geral e abstrata, constituindo a lei da
comunidade -; as diretivas – que vinculam o Estado-membro
destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,
às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios
-; as decisões – as quais são obrigatórias em todos os seus
elementos para os destinatários designados -; as recomendações e
os pareceres – que, por sua vez, que não são vinculativos, sendo
manifestados de forma interna, no exercício de suas funções
administrativas, produzindo efeitos indiretos10.
A
outro giro, como fontes não escritas do Direito da União Européia
estão a Jurisprudência do TJCE e os Princípios Gerais do Direito,
incluindo-se aqui tanto os princípios inerentes ao Direito
Internacional Público, quanto aqueles pertencentes aos
Estados-membros e os que o TJCE expressamente enuncia.
No
que diz respeito ao MERCOSUL, também é possível estabelecer uma
distinção entre as fontes escritas e as não escritas. Quanto às
escritas, o Protocolo de Ouro Preto (POP), em seu art. 41, enuncia-as
expressamente.
Artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto: As fontes jurídicas do Mercosul são:
I. O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares;
II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos;
III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.
O
mesmo Protocolo, em seu art. 4211,
assevera, em plena concordância com o caráter de
intergovernabilidade inerente ao MERCOSUL, que as normas emanadas
terão caráter obrigatório e deverão ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais, mediante os procedimentos
previstos pela legislação interna de cada país.
Quanto
às fontes não escritas do MERCOSUL, os princípios e as disposições
do Direito Internacional Clássico desempenham importante função,
principalmente no que diz respeito à solução de controvérsias,
conforme elucida o art. 19, I do Protocolo de Brasília12.
4.2
A harmonização da legislação interna
A
harmonização, nos processos de integração, tem por escopo,
erradicar ou, ao menos, atenuar as disposições de direito interno
contraditórias entre si, a fim de possibilitar a aproximação entre
os diversos Estados integrantes de uma mesma Comunidade,
intensificando, assim, tanto o crescimento econômico, quanto os
demais objetivos perseguidos pelo organismo regional.
Tal
conformidade entre as normas que vigoram nos Estados associados pode
perfazer-se pela adoção de novas normas jurídicas ou mesmo pela
supressão, parcial ou total, de normas destoantes entre si, as quais
constituem um óbice ao pleno funcionamento do mercado comum.
A
harmonização das normas, no âmbito da União Européia, está
regida principalmente pelos arts. 3º, “h”; 100; 101 e 102 do
Tratado de Roma. Tais dispositivos impõem a aproximação das
disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos
Estados-membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou
no funcionamento do mercado comum13.
Pode-se
afirmar que o sistema de harmonização de normas da União Européia
apresenta a devida efetividade, sendo suficiente para transpor a
necessária homogeneidade legislativa entre os ordenamentos nacionais
do mesmo bloco econômico. Isso se deve principalmente ao caráter
supranacional desse órgão regional, que impõe medidas dotadas de
caráter obrigatório a todos os membros signatários, tais como
diretivas e regulamentos.
No
que tange ao MERCOSUL o art. 1º do Tratado de Assunção estatui:
(...) O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Todavia,
regido pelo Direito Internacional Público e tendo como metodologia o
consenso14,
torna-se evidente que tal compromisso estará subordinado à
soberania de cada país-membro. A vinculação aos comandos dos
tratados, em face do MERCOSUL, é, portanto, extremamente tênue
quando comparada às disposições emanadas pela União Européia.
Destarte,
a execução dos atos promulgados pelos órgãos do MERCOSUL está
sujeita, principalmente, aos princípios do pacta
sunt servanda e da boa fé, haja vista
que inexiste, nesse bloco econômico, instrumento de caráter
sancionador capaz de obrigar os Estados a cumprir as determinações
exaradas pelas instituições coletivas, salvo raras medidas de
efeito compensatório que relativizam a faculdade do Estado-membro de
cumprir a norma emanada, mas não são suficientes para dotar de
homogeneidade os ordenamentos internos dos Estados-membros signatário
do MERCOSUL.
.
-
O Sistema de solução de controvérsias
Fonte:Internet.
|
A solução de controvérsias, em uma estrutura de integração, pode perfazer-se mediante uma série de mecanismos. É possível aos Estados integrantes de um organismo regional adotarem um modelo baseado no sistema clássico de solução de controvérsias, ou semelhante, mas com a imposição da interveniência dos órgãos do bloco econômico (a exemplo do MERCOSUL), ou, ainda, pode ser constituída uma Corte de Justiça supranacional para a resolução das divergências (é o caso da União Européia)15.
Cumpre
salientar que, independentemente do modelo adotado, nada obsta que os
Estados, a qualquer momento, em nível político, optem por adotar as
formas clássicas de solução de controvérsias16.
Conforme
citado retro, a
União Européia adota uma Corte surpanacional para a solução de
controvérsias. Essa, sob a denominação de Tribunal de Justiça da
Comunidade Européia (TJCE), vale-se de quinze juízes, assistidos
por oito advogados-gerais, a fim de julgar
todas as questões inerentes à implementação dos tratados que
compõem a União Européia. É um sistema que conjuga a ação de um
Tribunal supranacional com a de tribunais nacionais, permitindo-se,
assim, aos interessados reagir por via de ação ou de exceção
contra o comportamento ilegal das instituições.
O
TJCE, instituído por
meio do Tratado da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, em
1952, inovou em diversos aspectos a perspectiva de tribunal
comunitário até então existente. A primeira Grande novidade foi a
obrigatoriedade da jurisdição, a despeito do sistema clássico, no
qual prevalecia a cláusula facultativa de obrigação. Outra
transformação essencial foi a legitimidade ad
processum
conferida às pessoas físicas e jurídicas de natureza privada, as
quais passaram a ter acesso direto ao Tribunal, o que jamais havia
ocorrido. Além disso, mediante o
engenhoso sistema da “questão prejudicial interpretativa”,
possibilitou-se dois efeitos inéditos: a uniformidade da aplicação
jurisdicional do Direito Comunitário, que passou a vigorar não
apenas perante os Estados-membros, mas em face também do Direito
interno dos países signatários; e a cooperação integrativa das
jurisdições nacionais com a jurisdição comunitária, o que foi
eficaz também no processo preenchimento de lacunas, já que o juiz
comunitário não pode renunciar a pronunciar-se sobre determinada
demanda.17
Cumpre
aclarar que o TJCE não é um tribunal
de recursos em relação às cortes dos Estados-membros. Assim,
conquanto seja possível fazer uma censura indireta por meio de
acórdãos, não poderá o Tribunal reformar as decisões das ordens
internas, devendo observar as fronteiras de sua jurisdição.
Por
óbvio, a fim de ter efetivamente caráter de observância
obrigatória, é fundamental a existência de meios coercitivos e
sancionatórios no âmbito do TJCE. Tendo isso em vista, o Tratado da
Comunidade Européia, mediante os arts. 169, 170 e 171, formulou a
ação por descumprimento. De acordo com essa, caso um Estado-membro
não adote as medidas necessárias para a execução de um acórdão,
a Comissão deverá, em princípio, verificar as causas dessa
desobediência, procedendo, em seguida, com determinado prazo para
que ocorra o devido cumprimento. Permanecendo a inobservância,
conceder-se-á o direito de defesa, e, por fim, se for o caso, deverá
ser submetida a ocorrência ao Tribunal, juntamente com a indicação
da sanção pecuniária correspondente.
No
que concerne ao MERCOSUL, o sistema de solução de controvérsias
tem por alicerce o Grupo Mercado Comum (GMC) e como instância
recursal um Tribunal Arbitral ad
hoc. Destarte,
regido pelo caráter intergovernamental, resulta claro que inexiste
no âmbito do MERCOSUL um Tribunal supranacional.
Franco
da Fonseca, com a precisão que lhe é peculiar, esclarece:
O fato, de o MERCOSUL não contar, em sua estrutura administrativo-legislativa, com nenhum órgão supraestatal não lhe retira a natureza jurídica de organização de integração, porquanto esta se caracteriza pela necessidade de adequação de dois ordenamentos jurídicos internos ao quadro normativo instituído pelo tratado constitutivo.18
O
Protocolo de Brasília para solução de controvérsias dispõe
devidamente o modo pelo qual se dará a solução de controvérsias
no âmbito do MERCOSUL, dividindo o processo em etapas.
Assim,
diante de uma controvérsia, inicialmente, deverão ser procedidas
negociações diretas, devendo os Estados-partes informarem à
Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM) a respeito do
procedimento e dos resultados das negociações. Em não sendo
alcançado acordo, o caso será submetido ao GMC, o qual formulará,
em até 30 dias, as recomendações aos países-membros
controvertidos. Se, contudo, persistir a divergência, a questão
deverá ser submetida ao procedimento arbitral, mediante comunicação
à SAM.19
O
Tribunal Arbitral ad
hoc,
reconhecido como obrigatório, deverá decidir o litígio pautando-se
pelo Tratado de Assunção, pelos acordos firmados no seu âmbito,
pelas decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), pelas resoluções
do GMC e pelos princípios e disposições de Direito Internacional
aplicáveis ao caso20.
Tal
decisão dar-se-á por maioria e será inapelável, conjecturando-se
como obrigatória para os Estados-partes na controvérsia, os quais
deverão cumpri-la no prazo de quinze dias, salvo disposição
diversa do mesmo Tribunal.
A
fim de garantir a obrigatoriedade supracitada, estará sujeito o
Estado-parte que não cumprir a sentença arbitral a sanção, que
será proferida pelo outro país integrante do conflito. Tal medida
pautar-se-á por procedimentos clássicos do Direito Internacional
Público, como a aplicação de medidas compensatárias (a exemplo da
suspensão de concessões ou outras medidas equivalentes), ou mesmo a
denúncia do Tratado21.
É
manifesto, todavia, que tal caráter sancionador, no âmbito do
MERCOSUL, em virtude do próprio caráter de intergovernabilidade, é
desprovido da eficácia verificada em face da União Européia,
carecendo de efetiva coercibilidade, notadamente quando os interesses
econômicos se sobrepõem aos interesses internacionais do Tratado.
-
CONCLUSÃO
Traçou-se,
no presente trabalho, como principal distinção entre a União
Européia e o MERCOSUL a dicotomia entre supranacionalidade e
intergovernabilidade, realizando, em seguida, um estudo comparado
desses dois organismos, no qual se privilegiou as fontes
constitutivas do Direito, o sistema de harmonização das legislações
internas e os mecanismos de solução de controvérsias. Pôde-se,
assim, ter em vista, que a União Européia encontra-se em estágio
de integração bem avançado, quando comparado ao MERCOSUL.
Devido
a isso, tem-se que a União Européia é dotada de um Ordenamento
Comunitário, enquanto, no MERCOSUL, existe tão somente um Direito
de Integração.
Urge
ressaltar, contudo, que, malgrado seja a União Européia um
parâmetro de organismo comunitário regional, cada bloco econômico
deve perseguir o seu próprio processo de integração, evitando
estabelecer o modelo europeu sem as devidas adequações, sob pena
de, possivelmente, fracassar. Foi o que ocorreu na Comunidade Andina,
a qual “transplantou” para o seu ordenamento o Direito
Comunitário e o instituto da supranacionalidade, estando, há longo
tempo, fadada ao insucesso.
A
intergovernabilidade reinante no MERCOSUL, por exemplo, apesar das
manifestas desvantagens, quando comparado à supranacionalidade
européia, tem sido eficiente no processo de integração desse bloco
econômico. Isso, porque, nesse modelo, os Estados negociam de forma
horizontal, sem a imposição de interesses, permitindo uma maior
liberdade, o que é essencial em face das desigualdades
socioeconômicas dos Estados-partes.
Para
a adoção do modelo supranacional de integração, outrossim, é
necessário, além do desenvolvimento harmônico dos Estados
integrantes, que existam instituições permanentes, com funcionários
próprios, o que evidentemente torna o processo extremamente
dispendioso, contrariando a condição econômica dos países da
América do Sul.
Destarte,
é certo que o MERCOSUL encontra-se em estágio incipiente de
integração, de modo que deve evoluir rumo a um mercado comum, com o
fito de potencializar os resultados sociais e econômicos alcançados
no âmbito regional. Todavia, tal avanço integracionista deve
realizar-se de acordo com um modelo próprio, o qual se adéqüe às
circunstâncias inerentes aos países que o integram, sem que se
proceda à simples transposição do modelo europeu, o qual é
extremamente eficiente na Europa, mas não necessariamente o seria na
America do Sul.
-
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VALADÃO,
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1
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Ernesto Henrique Fraga; FLORÊNCIO, Sérgio Abreu e Lima. MERCOSUL
hoje.
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e União Europeia: um estudo comparativo dos sistemas jurídicos.
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4GOMES,
Eduardo Biacchi. União
Européia e Mercosul - Supranacionalidade versus
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In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 46, 31/10/2007. Disponível
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10
ALMEIDA, Elizabeth Accioly
Pinto de. Mercosul
& União Europeia – Estrutura Jurídico- Institucional.
Curitiba. Juruá Editora. 1996. p. 96.
11
Artigo 42 - As normas emanadas
dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão
caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser
incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os
procedimentos previstos pela legislação de cada país
12
Art. 19, I do Protocoo de
Brasília: El Tribunal Arbitral decidirá la controversia sobre la
base de las disposiciones del Tratado de Asunción, de los acuerdos
celebrados en el marco del mismo, de las Decisiones
del Consejo del Mercado Común, de las Resoluciones
del Grupo Mercado Común, como así también de los principios y
disposiciones del derecho internacional aplicables en la materia.
13
O art. 100 do Tratado de Roma,
que assim dispõe: O Conselho, deliberando por unanimidade, sob
proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu e do
Comité Económico e Social, adopta directivas para a aproximação
das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos
Estados-membros que tenham incidência directa no estabelecimento ou
no funcionamento do mercado comum.
14
SIMIONATO,
Frederico Augusto M.. Métodos
de harmonização legislativa na União Européia e no MERCOSUL: uma
análise comparativa.
Pág. 135. In: BASSO, Maristela. MERCOSUL:
seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos
estados-membros.
-
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997
17
FONSECA,
J. R. Franco da. MERCOSUL:
Estrutura Institucional e Sistema de Solução de Controvérsias.
In:
MERCOSUL: desafios a vencer. Conselho Brasileiro de Relações
Internacionais. São Paulo. CBRI. 1994. Pág.
86.
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
SILVEIRA, Felipe
Arruda Aguiar Sobreira da: Ordenamentos Jurídicos da União Europeia e do Mercosul: um Estudo Comparado. Práxis Jurídica, Ano III,
N.º 02, 03.03.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/03/ordenamentos-juridicos-da-uniao.html>.
Acesso em: .
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