Conference, Albert Bloch (1882-1961). Fonte: Internet. |
Felipe
Arruda Aguiar Sobreira da Silveira
(Advogado,
graduado pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito
Constitucional, pela Faculdade Damásio)
Resumo:
Objetiva-se, no
presente estudo, analisar a dispensa coletiva à luz da Constituição
Brasileira e do Direito Internacional, notadamente a partir das
convenções da OIT. O escopo primordial é demonstrar, a partir de
comandos constitucionais e internacionais, que a participação do
sindicato da categoria, em rodadas de negociação, constitui
requisito de validade da dispensa coletiva.
Palavras-chave:
Direto Constitucional, Direito do Trabalho, Dispensa Coletiva,
Negociação Coletiva.
Abstract:
The objective is,
in the present study was to analyze the collective dismissal in the
light of the Brazilian Constitution and international law, especially
from the ILO conventions. The primary scope is to demonstrate, from
constitutional and international commands, that the participation of
labor union in negotiating rounds, is a requisite of validity of
collective dismissal.
Key
words: Constitutional
Law, Labor Law, Collective Dismissal, Collective Bargaining
O
presente artigo científico tem como pano de fundo o processo
0030900-12.2009.15.0000, que debateu acerca da possibilidade e dos
requisitos para a dispensa coletiva.
A
lide teve início em fevereiro de 2009, quando a Embraer despediu
4.200 trabalhadores da planta em São José dos Campos, interior de
São Paulo, correspondendo a 20% da mão de obra da empresa na
região. Tal fato causou enorme impacto social, mobilizando a
categoria a acionar o poder judiciário, o que resultou no dissídio
coletivo de natureza jurídica com pedido de liminar ajuizado pelo
Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e
outros em face da Empresa Brasileira de Aeronáutica - EMBRAER S.A e
outra.
O
caso foi julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
No mérito, o Tribunal declarou a abusividade da dispensa coletiva,
mas entendeu inexistir garantia de emprego ou estabilidade que
justificasse a reintegração (ressalvados os casos previstos em lei
e em normas coletivas), concedendo a cada empregado dispensado uma
compensação financeira. Além disso, declarou a eficácia da
liminar concedida até o dia 13/03/2009, para manter vigentes até
essa data os contratos de trabalho em todos os seus efeitos e a
manutenção dos planos de assistência médica aos trabalhadores
dispensados e seus familiares por 12 meses a contar de 13/03/2009,
concedendo direito de preferência aos empregados dispensados no caso
de reativação dos postos de trabalho pela empresa.
Diante
da decisão supramencionada, foi interposto Recurso Ordinário, tanto
pelas empresas suscitadas, quanto pelos suscitantes, chegando, então,
a matéria ao crivo do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. O TST
entendeu, majoritariamente, por dar provimento ao recurso das
reclamadas, afastando a declaração de abusividade das dispensas e,
por consequência, a prorrogação dos contratos de trabalho; quanto
às demais matérias, decidiu o Tribunal Superior negar-lhes
provimento, fixando a premissa de que a negociação coletiva é
imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, mas
modulando os efeitos desse entendimento para casos futuros. Quanto
aos recursos interpostos pelos suscitantes, estes foram julgados
improcedentes.
Irresignada,
a Embraer interpôs Recurso Extraordinário, levando a matéria à
apreciação do Supremo Tribunal Federal. Alega que a decisão violou
diversos dispositivos constitucionais e que o TST, ao criar condições
para a dispensa em massa, atribuiu ao poder normativo da Justiça do
Trabalho tarefa que a Constituição reserva a Lei Complementar,
invadindo assim a esfera de competência do Poder Legislativo. As
empresas afirmam que sua sobrevivência estaria ameaçada pela
interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto que viola o
princípio da livre iniciativa.
Como
o TST inadmitiu a remessa do Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo,
as empresas interpuseram agravo (tombado sob o número ARE 647651), o
qual foi acatado pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar
prosseguimento ao RE. Ao submeter o processo ao Plenário Virtual do
STF, para verificar a ocorrência de repercussão geral no caso, o
ministro observou estar diante de situação jurídica “capaz de
repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é “evidente o
envolvimento de tema de índole maior, constitucional”.
Storming-of-the-Bastille-by-Jean-Pierre-Houel. Fonte Internet. |
Atualmente,
o mérito do recurso está pendente de análise pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal. De sua vez, o STF encaminhou os autos à
Procuradoria Geral da República, para emissão de Parecer,
aguardando a manifestação do Ministério Público para apreciação
final da matéria, no referente às dispensas coletivas.
Nota-se
que se trata de tema complexo e polêmico, que ainda não foi
plenamente resolvido pelo Judiciário Brasileiro.
De
um lado, os empresários defendem possuir direito potestativo de
despedir, à luz da a sua livre iniciativa e da autogestão. Defendem
que não existe dispositivo constitucional que limite a rescisão
contratual de um conjunto de trabalhadores, de forma que, ao fazer
isso, o Judiciário atua de maneira normativa, além das suas
atribuições.
Em
outro giro, uma segunda corrente advoga que a dispensa coletiva
difere da individual, possuindo requisitos próprios. Nesse cenário,
seria imprescindível a participação do sindicato da categoria em
rodadas de negociação para que seja válida a despedida.
O
presente estudo é dotado de conotação notadamente opinativa. O
objetivo é expor a visão do seu autor com relação à
controvérsia. Pretende-se demonstrar que a participação do
sindicato constitui sim um requisito de validade da despedida
coletiva e que isso se extrai implicitamente do texto constitucional,
assim como de diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.
-
DISPENSA COLETIVA: ADMITIDA, RECHAÇADA OU CONDICIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL?
A
princípio, antes de qualquer outro enfrentamento, há que se indagar
se, no Direito pátrio, capitaneado pela Constituição Federal, a
dispensa coletiva é distinguida como um fenômeno próprio, um fato
social único, com seus próprios fundamentos, causas, condições e
consequências; ou se, na despedida em massa, tem-se apenas um
conjunto de dispensas individuais, num claro exercício, por parte do
empregador, de seu direito potestativo de despedir. Os efeitos da
adoção de uma ou outra tese são enormes para trabalhadores e
empresários no Brasil.
Orlando
Gomes entendia, já nos idos da década de 1970, que os efeitos da
dispensa coletiva não devem ser os mesmos da individual, sem justa
causa ou por força maior. Assevera, por exemplo, que tem cabimento a
dilação do aviso prévio normal, variável em função da
antiguidade do trabalhador na empresa. Nessa linha, preceitua o
renomado autor que dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por
motivo único de uma pluralidade de contratos de trabalho numa
empresa, sem substituição dos empregados dispensados. Dois traços
caracterizariam a dispensa coletiva, a peculiaridade da causa e a
redução definitiva do quadro de pessoal.1
A
diferença entre dispensa individual e coletiva foi ressaltada também
pelo renomado Doutor e Professor da PUC-SP, Renato
Rua de Almeida, que,
examinando as características
gerais do regime da proteção da relação de emprego contra a
despedida individual sem justa causa no Direito do Trabalho
contemporâneo; de
passagem, faz distinção da despedida individual e coletiva: A
despedida individual justifica-se por fato de natureza disciplinar
(justa causa) imputável ao empregado ou por inaptidão profissional
às mudanças técnicas da empresa. Já a despedida coletiva é
arbitrária ou não, dependendo da existência comprovada de fato
objetivo relacionado à empresa, causado por motivo de ordem
econômico-conjuntural ou técnico-estrutural. 2
Fonte: Internet. |
Se
um empregador, sem qualquer motivo relevante ou plausível, deseja
arbitrariamente encerrar o contrato de trabalho de um de seus
trabalhadores, configura-se aí um conflito entre dois interesses
individuais: o do empregador de despedir o seu funcionário e o do
empregado de permanecer no emprego. Neste caso, previu a Constituição
Federal, em seu art. 7º, I, proteção à relação de emprego, a
ser efetivada por meio de Lei Complementar. Como a mencionada
proteção ainda não foi regulamentada pelo Congresso Nacional,
continua vigente o art. 10 do ADCT, segundo o qual, como forma de
inibição da conduta e, ao mesmo tempo, de reparo ao trabalhador,
deve o patrão indenizar seu funcionário em multa equivalente a 40%
dos depósitos realizados ao FGTS. Indiscutível, portanto, o direito
potestativo do empregador de despedir seu empregado, pois a
necessidade de pagamento de indenização não significa empecilho à
terminação do contrato, senão mera consequência jurídica de quem
lhe deu causa.
Dessa
forma, diante do conflito entre dois interesses individuais
(empregador e empregado), optou o Ordenamento Jurídico vigente por
proteger o interesse do trabalhador, mas dar prevalência à vontade
empresarial, condicionando-a apenas à indenização acima
mencionada, desde que, é claro, não haja qualquer motivação de
caráter discriminatório. Este foi o sopesamento feito pelo
constituinte de 1988.
No
caso da despedida arbitrária coletiva, porém, a linha de raciocínio
deve ser completamente distinta. Isso porque não se trata mais de
conflito entre interesses individuais, mas de confronto entre a
vontade do empregador (individual) e o interesse não só da
coletividade de funcionários (coletivo), mas de toda a sociedade
(público). Em última análise, contrapõe-se a vontade privada ao
interesse público. Isso ocorre porque, além das consequências
particulares da perda do emprego para cada trabalhador, a despedida
de vários empregados tem enorme repercussão social, na medida em
que onera a seguridade social e prejudica toda a sociedade, que
passará a conviver com as inúmeras repercussões negativas do
aumento do desemprego.
Consoante
destacado no acórdão proferido pelo TST, de relatoria do
respeitável Ministro Maurício Godinho Delgado, a dispensa coletiva
é fato distinto da dispensa individual em sua estrutura, dimensão,
profundidade, efeitos, impactos e repercussões. Corresponde a fato
econômico, social e jurídico diverso da despedida individual, pela
acentuação da lesão provocada e pelo alargamento de seus efeitos,
que deixam de ser restritos a alguns trabalhadores e suas famílias,
atingido, além das pessoas envolvidas, toda a comunidade
empresarial, trabalhista, citadina e até mesmo regional, abalando,
ainda, o mercado econômico interno.4
A
dispensa coletiva acarreta impacto social tamanho, que afasta a
perspectiva meramente individual, aproximando-a do interesse público.
Afinal, as consequências sociais serão nítidas, a impactar as
finanças do Estado (seguro desemprego, saque do FGTS...) e afetar
sensivelmente um setor profissional ou econômico, considerando o
desemprego de centenas de trabalhadores da mesma categoria. Quando,
por exemplo, poucas empresas exploram determinada atividade econômica
de relevância, como o setor de aviação, a dispensa em massa afeta
profundamente o setor, até em termos de percentual da categoria,
podendo alcançar 5%, 10% ou mais da mão-de-obra utilizada. E isso
ofende o propósito idealístico da busca do pleno emprego, primado
consagrado pela Constituição Federal (art. 170).
Nesse
caso, portanto, é fundamental que prevaleça o interesse da
coletividade dos trabalhadores, fazendo valer a supremacia do
interesse público sobre o privado, o social sobre o exclusivamente
empresarial. Na lição de Paulo Ricardo Schier, o princípio da
supremacia do interesse público ingressa no ordenamento jurídico
brasileiro pelo espírito de imposição de uma superioridade a
priori, não para fins
de realização das razões de Estado, mas para o exercício de uma
desigualdade frente aos interesses particulares, apenas para a
imposição e satisfação dos direitos e garantias fundamentais,
inseridos na atual ordem constitucional, como legítimos interesses
públicos. “[...] O Estado legitima-se e justifica-se a partir dos
direitos fundamentais e não estes a partir daquele. O Estado gira em
torno do núcleo gravitacional dos direitos fundamentais”.5
Nesse
contexto, configura abuso de direito e violação ao princípio da
supremacia do interesse público a despedida arbitrária de uma
coletividade de trabalhadores. Mostra-se absurdo suprimir toda uma
coletividade em nome unicamente da vontade empresarial.
Embora
não exista norma expressa que detalhe todos os pressupostos e
consequências de uma dispensa coletiva, o texto constitucional é
repleto de indícios que apontam de forma irrefutável para a sua
vedação quando imotivada, diferentemente do disciplinado com
relação à despedida individual, o que evidencia, manifestamente, o
caráter social escolhido pelo constituinte para permear o Estado
Brasileiro. O lema segundo o qual “tudo quanto não é proibido é
permitido”, muito apropriado ao regime de liberdades e aos direitos
fundamentais de primeira dimensão (naturalmente individuais), recebe
ponderações nos Estados Sociais, com matizes muito mais adequados
aos direitos sociais, culturais e econômicos. As dispensas coletivas
são realidades indissociáveis dos referidos interesses coletivos.
E, assim, merecem um olhar mais crítico do hermeneuta. É esta a
orientação que a Constituição Federal confere ao aplicador da
norma, conforme se passará a discorrer.
Fonte: Internet. |
O
ponto de partida, na análise constitucional da matéria, são os
fundamentos do Estado Democrático de Direito. De acordo com o art.
1º da CF/88, o Brasil se alicerça na soberania, na cidadania, na
dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e no pluralismo político. Nesse contexto, não se
apresenta razoável admitir que a mesma nação que tem como
fundamento maior a dignidade da pessoa humana e se alicerça nos
valores sociais do trabalho reconheça que uma empresa possa,
discricionariamente, sem qualquer fundamento, despedir milhares de
trabalhadores, provocando sérios prejuízos aos indivíduos que
dependem daquele emprego, aos seus familiares e a toda a sociedade em
que estão inseridos.
Prosseguindo
na análise constitucional, o art. 3º da Carta Política determina
como objetivos fundamentais da República brasileira: construir uma
sociedade livre justa e solidária; garantir o desenvolvimento
nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. Esses objetivos são propósitos a serem
alcançados. Como finalidades, constituem um projeto nacional a ser
logrado gradativamente, em processo continuado e dirigido pelo Poder
Público, o grande dirigente dos rumos da Nação. Se fosse admitida
a despedida coletiva, nos moldes da individual, a nação brasileira
estaria caminhando para um destino exatamente inverso daquele
pretendido pela Carta Política, em situação de evidente auto
sabotagem. Ou seja, entender que a Constituição acolhe a dispensa
em massa, prevendo a ela tratamento idêntico à individual, é
coadunar-se com uma irreparável contradição dentro do próprio
texto constitucional, uma vez que isso iria de encontro a uma
sociedade justa e solidária, ao passo que inviabilizaria o
desenvolvimento social e colaboraria com a pobreza, com a
marginalização e com as desigualdades sociais, pelo que, por certo,
não se promoveria o bem de todos.
O
art. 170 da Constituição, por sua vez, é o primeiro a tratar da
Ordem Econômica e Financeira, expressando, logo em seu caput, que a
ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano,
tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social; mais adiante, estatui como princípio a
função social da propriedade e a busca do pleno emprego. Esse
dispositivo revela muito acerca do Estado Brasileiro, que tem como
modo de produção o capitalismo, mas se ergue sob bases fortemente
sociais. O trabalho humano deve sempre, portanto, ser valorizado,
sendo a busca do pleno emprego mais um dos objetivos do Estado
Brasileiro. Por mero esforço intelectivo, resta óbvio que tais
primados não se compatibilizam com o acatamento, sem qualquer
limitação, da dispensa de milhares de trabalhadores, em manifesta
expressão do mais absoluto e irrestrito individualismo, prejudicando
toda a sociedade em nome do interesse privado.
A
justiça social, consagrada também no art. 170 da Constituição, é
outro conceito de suma importância para que se entenda o Estado
Brasileiro, contribuindo para a conclusão de que este rechaçou, sem
qualquer hesitação, a dispensa coletiva nos moldes da individual.
A justiça social é um meio de se alcançar o progresso social, que
é pressuposto do desenvolvimento.6
O intérprete, segundo os ditames da justiça social, não pode
aplicar a norma de maneira isolada, dogmática, sem levar em
consideração a sociedade em que está inserido e as consequências
da sua interpretação; não pode valer-se apenas do comando
expressamente determinado, ignorando os conceitos abstratos,
indeterminados e os princípios constitucionais. O intérprete não
pode, enfim, se desviar das bases que formam o constitucionalismo do
país.
Ruprecht
esclarece que a consequência da justiça social é a introdução de
uma orientação aos conceitos dominantes, quer dizer, “a justiça
comutativa, que estabelece uma igualdade absoluta; a distributiva, de
acordo com a capacidade econômica de cada um; e a legal, que rege as
relações individuais com a sociedade. A justiça social tende a
elevar o nível de vida dos trabalhadores”.7
Sob
mais esse prisma, interpretar a dispensa coletiva como sendo um
conjunto de despedidas individuais, violaria frontalmente a justiça
social, ante o profundo abalo que causaria em toda a sociedade, não
sendo, em última análise, uma decisão socialmente justa e,
portanto, não se coaduna com o espírito da Constituição. A
conclusão é a de que não é esse o comando do texto maior nem foi
essa a intenção do constituinte.
Mais
adiante, na Carta Constitucional, em seu art. 193, o único
dispositivo de todo um título (Título VIII – Da Ordem Social),
estatui-se que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivos o bem-estar e a justiça sociais. Aqui importa
elucidar o que seja ordem e o que caracteriza uma ordem social.
Ordem
é um conceito que advém da matemática, exprimindo uma particular
relação entre objetos distintos segundo um determinado critério
organizador. Assim, números naturais, dispostos em sequência do
menor para o maior, formam uma ordem, na medida em que existe um
critério organizador. Quando se deixa o campo das ciências exatas
para as ciências humanas, no qual a ordem não é propriamente
criada, mas descoberta pelo pesquisador, abre-se a possibilidade de
ordens artificiais, ordens que não são dadas pela natureza, mas que
são instauradas por intervenção humana. Neste caso, há a
possibilidade de que os mesmos entes sejam arranjados de múltiplas
maneiras: a ordem dos números inteiros é uma só, mas a ordem dos
livros numa estante pode se basear no assunto da obra, no seu autor
ou na data de sua publicação. O que vai definir qual das possíveis
ordens será instaurada é justamente a finalidade buscada com a sua
instauração.
A
ordem social, contudo, diferencia-se de qualquer outra ordenação,
na medida em que organiza não objetos, ou mesmo indivíduos, mas
comportamentos humanos, que são sempre imprevisíveis. É por isso
que não é possível, na busca pela ordem social, determinar como se
comportará cada indivíduo, sendo viável apenas estabelecer como
deve ser o seu comportamento, nascendo daí o sentido deontológico
da norma jurídica, como um “dever-ser”.
Fonte:Internet. |
Isso
quer dizer que todas as normas e todas as condutas humanas devem
voltar-se à proteção do trabalho, com a finalidade última de
garantir o bem-estar da sociedade e assegurar a justiça social,
conceito já abordado nesta análise. Esse é mais do que um indício,
é uma demonstração de que o Estado Democrático de Direito,
formado pela Constituição Federal de 1988, não pode se coadunar
com uma dispensa coletiva na mesma conformação de uma despedida
individual, o que desarticularia a ordem social, desagregando a
própria sociedade.
Na
verdade, se a Constituição não estabeleceu expressa e literalmente
o tratamento privilegiado nas dispensas coletivas, também não
possui nenhum dispositivo manifesto sobre a denúncia vazia ou o
direito potestativo no campo das relações de trabalho. O direito
potestativo de rescisão é extraído da análise sistêmica da
Constituição, corroborado pelos princípios do Direito do Trabalho.
Da mesma forma, e por uma igualdade reclamada ao hermeneuta, o
tratamento social a ser requerido há de seguir a mesma linha
assecuratória, porquanto respaldada em dispositivos constitucionais
e em primados inerentes aos direitos sociais/coletivos. Por amor ao
debate, levanta-se que o reconhecimento do direito potestativo de
rescisão não se encontra encravado nas letras da Constituição
como direito fundamental das empresas, mas, mesmo que assim se
entenda, registra-se que os direitos fundamentais não são
absolutos, uma vez que eles se comunicam no texto constitucional, a
exigir a observância da unidade da Constituição.
Diante
de todo o exposto, conclusão outra não há, senão a de que a
Constituição Federal estabeleceu tratamento completamente
diferenciado à dispensa coletiva, quando comparada à individual.
Não pode o empregador despedir milhares de trabalhadores, mediante
unicamente o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS; nesse caso,
reclama a Constituição uma proteção maior, por envolver, não
apenas interesses individuais, mas coletivos e públicos.
Prima
Face, como
exaustivamente demonstrado, tem-se como vedada, pela Carta magna, a
dispensa arbitrária de coletividade de trabalhadores.
Impossibilitar, contudo, peremptoriamente, essa espécie de despedida
seria ignorar a realidade capitalista e talvez criar um bloqueio ao
desenvolvimento econômico, causando prejuízo a um número ainda
maior de trabalhadores, tendo em vista a possibilidade de a empresa
atravessar crise econômica tão severa que, se não despedir certa
quantidade de empregados, caminhará invariavelmente para a falência.
Pelo
exposto, pode-se concluir que a dispensa coletiva merece tratamento
diferenciado, estando vedada quando realizada de forma arbitrária.
De igual forma, contudo, verifica-se que não se pode impossibilitar,
por completo, esta forma de despedida, pois daí adviriam prejuízos
ainda maiores aos trabalhadores e à sociedade. Exsurgem, então, as
seguintes indagações: quais seriam as limitações para a dispensa
coletiva? E quais seriam os requisitos para que ela seja operada?
-
LIMITAÇÕES E REQUISITOS PARA A DISPENSA COLETIVA
Quanto
às limitações, dado que é vedada pela Constituição Federal a
despedida coletiva de forma arbitrária, conclui-se que é
imprescindível a demonstração de dificuldade de caráter
econômico-conjuntural, técnico-estrutural ou uma crise econômica
internacional, de forma que se torne imperiosa a despedida sob pena
de afetar o próprio funcionamento da companhia. Esta realidade
precisa ser apresentada e discutida com o sindicato, o qual, após
realizar assembleia com os trabalhadores, poderá preferir a redução
salarial dos demais, provisoriamente, ex vi do art. 7º, VI, CF, que
permite o chamado “acordo japonês”, ao invés da dispensa
coletiva.
Não
obstante, mesmo depois de verificada a autenticidade do elemento
objetivo motivador da dispensa coletiva, não estará o empregador
autorizado a despedir, discricionariamente, quantos e quais
trabalhadores entenda mais vantajoso ou apropriado, nem se apresenta
razoável a aplicação como elemento reparador apenas da multa de
40% sobre o montante do FGTS. Isso ocorre em virtude de toda a lógica
constitucional já delineada no presente estudo, devendo-se proteger,
ao máximo, a coletividade de trabalhadores.
Assim,
sendo a dispensa coletiva imprescindível para a sobrevivência da
empresa, ela terá de ser, invariavelmente, realizada, ocasião em
que deve o empregador primar pela ponderação, como forma de
compatibilizar e harmonizar os interesses, causando um prejuízo
atenuado aos trabalhadores e à própria sociedade.
Portanto,
se a empresa tem real necessidade de “enxugar” o quadro de
pessoal por motivos econômicos ou financeiros, não faz sentido que
o processo de dispensa comece pelo desligamento de estáveis ou
portadores de garantias especiais no emprego, por exemplo; nem pelos
veteranos. Esta inteligência, há muito consagrada pela doutrina e
pela jurisprudência trabalhistas, acabou sendo alçada à
Constituição Federal para se aplicar aos servidores públicos
quando a Administração necessitar reduzir despesas com pessoal para
atender aos limites estabelecidos pela lei orçamentária (art. 169,
caput e § 3.º, CF).
Além
dos estáveis, deve-se proteger, ainda, aqueles portadores de
deficiência física ou mental, bem como os mais idosos, uma vez que
a obtenção de novo emprego, nesses casos, torna-se tarefa
claramente mais árdua. Há de se ver, também, que há limitações
estabelecidas em certas Convenções ou Acordos Coletivos, como a
estabilidade pré-aposentadoria.
Em
síntese, o empregador, no processo de escolha daqueles que terão de
deixar o emprego, deve observar a condição do empregado na empresa,
bem como a possibilidade que esse funcionário tem de obter uma nova
função produtiva na sociedade; deve preocupar-se, portanto, com as
consequências externas da despedida coletiva, e não apenas com os
benefícios que ela trará à sobrevivência da companhia. A
livre iniciativa deve, portanto, ser exercida de acordo com ditames
da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da
função social da propriedade, nela incluída a função social dos
meios de produção ou da empresa. É o que se extrai do texto
constitucional.
Nesse
mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão
de relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, in verbis:
No domínio do desenvolvimento – conjunto de bens e riquezas a serviço de atividades lucrativas – a liberdade de iniciativa constitucionalmente assegurada, fica jungida ao interesse do desenvolvimento econômico nacional da justiça social e se realiza visando à harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção, admitindo a Lei Maior que a União intervenha na esfera da economia para suprimir ou controlar o abuso do poder econômico.8
Os
primados constitucionais de proteção do trabalhador deverão estar
presentes também no momento de estabelecer a forma de reparação
dos empregados dispensados. O objetivo aqui também é atenuar os
efeitos da despedida coletiva, fazendo com que a sociedade não os
sinta de forma tão intensa. Deve-se preparar o trabalhador para a
dispensa e indenizá-lo de forma suficiente para que mantenha o seu
sustento e o de sua família até que obtenha novo emprego.
Todavia,
não é possível ao intérprete do direito estabelecer exatamente
quais os patamares indenizatórios mínimos que devem ser garantidos
em uma dispensa coletiva, nem fixar todos os critérios para a
escolha daqueles que, infelizmente, perderão seus postos de
trabalho. E é melhor que assim o seja; cada situação demanda uma
solução única e específica; é preciso analisar a quantidade de
trabalhadores a serem despedidos, o tamanho e a capacidade econômica
da empresa, bem como a magnitude da crise pela qual se atravessa,
além de critérios particulares de cada situação.
Seria
prejudicial tanto ao trabalhador, quanto à empresa e, em última
análise, à própria sociedade que o legislador ou o intérprete
fixasse tais patamares ou tais condições para a dispensa coletiva,
tendo em vista que, por certo, haveria situações em que eles não
seriam suficientes, seja para garantir o menor impacto social, seja
para assegurar a recuperação da empresa.
Conclui-se,
portanto, que é necessária a análise particular de cada caso
concreto para se determinar o que seja suficiente e razoável, num
processo de ponderação, para se garantir o menor impacto e, ao
mesmo tempo, a recuperação da companhia. Tendo em vista que não
cabe ao Judiciário imbuir-se desse mister, vez que isso apenas
colaboraria com o conflito e não se alcançaria a solução mais
adequada, resta aos sujeitos coletivos a discussão e o consenso do
que seja o equilíbrio em cada caso. A Constituição Federal,
novamente, se coaduna e indica que essa é, de fato, a solução
socialmente adequada.
O
art. 8.º da CF estabelece o primado da liberdade sindical, delineando
de que forma se dará a atuação das associações sindicais no
país. Para o presente estudo, é crucial destacar os incisos III e
VI desse dispositivo constitucional.
Art. 8.º, III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativasVI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho
Dos
dois incisos supratranscritos denota-se o papel central e
indispensável das entidades sindicais no que se refere ao interesse
de uma coletividade de trabalhadores. A defesa desses direitos
coletivos impõe-se não à Administração Pública ou ao
Judiciário, mas unicamente aos sindicatos, organizações
constitucionalmente autorizadas a defender os interesses dos
trabalhadores.
Sendo
a dispensa coletiva matéria que orbita em torno de interesses
coletivos, consoante exaustivamente enfatizado, demandando a defesa
de direitos também coletivos, indubitável que tal amparo terá de
ser alcançado por meio da atuação das entidades sindicais, de
acordo com o que preceitua o art. 8º, III da CF/88.
Ademais,
uma vez que a negociação entre os sujeitos envolvidos na despedida
coletiva se apresenta como a única solução social e
constitucionalmente adequada, imperiosa a conclusão de que se faz
imprescindível a participação dos sindicatos nesse mister,
conforme o mandamento do art. 8º, VI da CF/88.
Para
que haja uma despedida de caráter coletivo é necessário, portanto,
que haja real e relevante motivo para tanto e que seja indispensável
a dispensa para a própria sobrevivência da empresa. Nessa situação,
é preciso, ainda, que se encontre um equilíbrio entre as
necessidades das empresas e as dos trabalhadores, atenuando o impacto
social da dispensa, em nome do interesse público e da função
social da propriedade. A única forma de se atingir um equilíbrio
verdadeiro e eficaz é por meio do diálogo entre os próprios
agentes envolvidos, ou seja, empregador e trabalhadores, sendo esses
representados pelo sindicato da categoria, em homenagem ao art. 8º,
III e VI da CF/88. Por fim, conclui-se que a Constituição
determina, como condição de validade da dispensa em massa, prévia
negociação coletiva.
-
A NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL
O
direito internacional, consubstanciado nas convenções
internacionais incorporadas ao direito brasileiro, também deixa
claro que a despedida coletiva deve ser entendida de maneira distinta
da individual, demandando uma proteção mais acentuada, que,
invariavelmente, deságua na necessidade de negociação coletiva
para que seja válida. É o que se extrai, inicialmente, das
Convenções 168, e 122 da OIT.
O
tema do direito internacional e da aplicação dos Tratados
internacionais interessa à presente explanação por força do art.
5º, §§ 2º e 3º, CF (EC 45/2004). De efeito, os tratados
internacionais sobre direitos humanos, de que são espécies as
Convenções da OIT-Organização Internacional do Trabalho, quando
observado o quórum qualificado, equivalem a normas constitucionais;
e, mesmo quando não possuam este status, por eventual deficiência
do quórum ou por serem anteriores à EC 45/2004, os tratados
internacionais sobre direitos humanos (e, portanto, sociais ou, mais
especificamente, trabalhistas) são assinalados pela eficácia
normativa da supralegalidade, vale dizer, são superiores à
legislação ordinária nacional, conforme entendimento consolidado
do Supremo Tribunal Federal.
Logo,
a presente matéria não pode ser analisada sem a devida incursão no
plano das Convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil, considerando
seu caráter de normas constitucionais ou de normas supralegais.
A
Convenção 168 da OIT, com vigência interna a partir do Decreto nº
2.682 de 21 de julho de 1998, estabelece a “Promoção do emprego e
a proteção contra o desemprego”. Logo em sua justificativa, a
Convenção afirma:
a importância do trabalho e do emprego produtivo em toda sociedade, em razão não só dos recursos que criam para a comunidade, mas também da renda que proporcionam aos trabalhadores, do papel social que lhes outorgam e do sentimento de satisfação pessoal que lhes infundem.
Por
meio de seu artigo 2.º, determina-se que
Todo membro deverá adotar medidas apropriadas para coordenar o seu regime de proteção contra o desemprego e a sua política de emprego. Para esse fim, deverá providenciar que o seu sistema de proteção contra o desemprego e, em particular, as modalidades de indenização do desemprego, contribuam para a promoção do pleno emprego produtivo, livremente escolhido, e que não tenham como resultado dissuadir os empregadores de oferecerem emprego produtivo, nem os trabalhadores de procura-lo.
E
ainda, no art. 7.º, ordena que
Todo Membro deverá formular, como objetivo prioritário, uma política destinada a promover pleno emprego, produtivo e livremente escolhido, por todos os meios adequados, inclusive a seguridade social. Esses meios deverão incluir, entre outros, os serviços de emprego e a formação e a orientação profissionais.
É
óbvio que o tema do pleno emprego se encontra intimamente
relacionado com o das dispensas coletivas, haja vista que estas podem
comprometer mortalmente a política social que a referida Convenção
reclama dos países membros.
Nesse
mesmo sentido é a Convenção 122 da OIT, que estatui a “Política
de emprego”, ressaltando a importância da “execução de
programas de que resulte o pleno emprego e a elevação dos níveis
de vida”. Esse instrumento também se encontra vigente
internamente, por meio do Decreto nº 66.499 de 27 de abril de 1970.
Logo
em seu artigo 1.º, estabelece:
Com vista a estimular o crescimento e desenvolvimento econômico, elevar os níveis de vida, corresponder às necessidades de mão-de-obra e resolver o problema do desemprego e do subemprego, cada Membro deverá declarar e aplicar, como objetivo essencial, uma política ativa com vista a promover o pleno emprego, produtivo e livremente escolhido.
O
Estado Brasileiro possui como objetivo prioritário a promoção do
pleno emprego (art. 170, CF), situação que demanda medidas
apropriadas para a proteção contra o desemprego. Esse compromisso
internacional, ratificado internamente, não se coaduna com o
acolhimento de uma despedida coletiva discricionária, que provoca,
como já destacado, profundo impacto social, afetando todo um setor
profissional.
Nesse
diapasão, a única medida verdadeiramente eficaz contra a dispensa
coletiva, em consonância com o que se vem defendendo, é a exigência
de negociação coletiva, uma vez que não é possível enrijecer os
patamares e as condições da despedida, já que cada situação
demanda uma solução diversa, ao passo que somente os sujeitos
envolvidos poderão visualizar as consequências adequadas para cada
uma das partes. Portanto, cabe ao sindicato da categoria, responsável
constitucional por defender os interesses dos trabalhadores a ele
vinculados, realizar discussões com a empresa em dificuldades
econômicas, com o escopo de encontrar a devida medida capaz de
“recuperar o fôlego” da companhia, causando o mínimo de impacto
possível na sociedade.
A
defesa da necessidade de negociação coletiva em caso de dispensa em
massa, por sua vez, se coaduna com a importância assegurada pelo
Estado Brasileiro a esse instituto por meio das Convenções 98 e 154
da OIT.
Desde
o ano de 1949, data da ratificação (Decreto Legislativo 49) pelo
Brasil da Convenção 98 da OIT, o “direito de sindicalização e
de negociação coletiva” são reconhecidos no país.
Em
seu artigo 4.º a citada convenção determina que
deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores.
A
Convenção 154, inserida no Ordenamento Interno por meio do Decreto
Legislativo 1.256, em setembro de 1992, por sua vez, reafirma o
“incentivo à negociação coletiva” e sua importância para o
desenvolvimento da nação.
Extrai-se,
do artigo 5º da mencionada convenção, em sintonia com o exposto,
que “deverão ser adotadas medidas adequadas às condições
nacionais para fomentar a negociação coletiva”.
O
artigo 4.º, no mesmo sentido determina:
na medida em que não se apliquem por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou qualquer outro meio adequado à pratica nacional, as disposições da presente Convenção deverão ser aplicadas por meio da legislação nacional.
Observa-se,
destarte, que, no direito internacional, internamente aplicado
conforme já demonstrado, a negociação coletiva não é apenas um
dos vários meios de resolução dos conflitos sociais, mas sim o
único instrumento adequado e eficaz para a obtenção de uma solução
justa envolvendo uma coletividade de trabalhadores, motivo pelo qual
o Estado Brasileiro firmou o compromisso de incentivar e de fomentar
tal espécie de negociação.
A
obrigatoriedade a que as partes sentem para dialogar sobre tema tão
caro à sociedade não implica compeli-las a concordarem entre si,
vez que ninguém é obrigado a negociar contra a própria vontade.
Mas o estabelecimento do diálogo, considerando as repercussões da
dispensa coletiva, pode perfeitamente ser exigido. Esta solução
constitucional não é inócua, já que possibilitará o conhecimento
sobre a realidade do setor e abrirá margem a que os trabalhadores,
possam, por exemplo, deflagrar greve, considerando que o esgotamento
da via negocial é requisito para a paralisação coletiva (Lei nº
7.783/89, Lei de Greve). Possibilitará, também, que o sindicato
adote outras providências, inclusive judiciais, pois estará ciente
dos fatos e disporá de elementos hábeis ao ajuizamento das ações
apropriadas. É inadmissível que o sindicato seja pego, de forma
repentina, com a notícia de uma dispensa coletiva, afetando
sensivelmente sua base de representação, sem nenhuma outra
informação, sem nenhum dado econômico, sem nenhuma chance de
defender a categoria (art. 8º, IV, CF).
Por
fim, aplicando tais conclusões às fronteiras do presente estudo,
obtém-se a dedução inexorável de que é imprescindível a prévia
negociação coletiva para que seja válida uma dispensa de caráter
massivo, único meio eficaz de combater essa forma de desemprego,
permanecendo o Estado na busca do pleno emprego.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Do
exposto, extrai-se que a despedida coletiva consubstancia fato
jurídico diversa da dispensa individual, motivo pelo qual não é
permitido ao intérprete e aplicador do Direito igualar ambas as
espécies de rompimento contratual, aplicando-lhes as mesmas
consequências jurídicas.
Fonte: Internet. |
Quanto
à rescisão individual, o entendimento prevalecente é de que ela
consiste em direto potestativo do empregador, cuja principal
consequência seria o pagamento de indenização equivalente a 40% do
FGTS. É dizer, o empregador não está sujeito a fortes amarras caso
deseje encerrar o vínculo contratual com determinado empregado.
Desde que a dispensa não se configure como abusiva ou
discriminatória, não existe nada que o trabalhador possa fazer,
senão contentar-se com a indenização recebida, a título de
reparação e desestímulo à despedida.
Quando
o cenário é transportado ao âmbito coletivo, todavia, restou
amplamente demonstrado que as condições e consequências da
dispensa não podem, em hipótese alguma, ser interpretados,
analogicamente, como iguais. A Constituição Federal Brasileira é
informada pelo forte caráter social, pela prevalência do interesse
público sobre o privado, pela dignidade da pessoa humano, pela busca
do pleno emprego, dentre outros princípios, que não possibilitam
conclusão outra senão a distinção entre a despedida coletiva e a
individual.
No
caso da dispensa coletiva, os impactos do rompimento afetam não
somente o empregado e sua família, mas toda a sociedade, que passará
a conviver com os diversos impactos negativos do aumento massivo do
índice de desempregados. Dessa forma, verifica-se que o interesse em
jogo, não é simplesmente individual, mas coletivo e, mais do que
isso, público.
Para
que haja uma despedida de caráter coletivo é necessário, portanto,
que haja real e relevante motivo para tanto e que a rescisão seja
indispensável para a própria sobrevivência da empresa. Tais
critérios devem ser demonstrados e aferidos casuisticamente, não
bastando a mera declaração da empresa.
Nessa
situação, é preciso, ainda, que se encontre um equilíbrio entre
as necessidades das empresas e as dos trabalhadores, atenuando o
impacto social da dispensa, em nome do interesse público e da função
social da propriedade. A única forma de se atingir um equilíbrio
verdadeiro e eficaz é por meio do diálogo entre os próprios
agentes envolvidos, ou seja, empregador e trabalhadores, sendo esses
representados pelo sindicato da categoria, em homenagem ao art. 8º,
III e VI da CF/88.
O
veículo adequado para que ocorra o necessário diálogo entre os
sujeitos coletivos é a negociação coletiva, que deve ser entendida
como condição básica de validade da dispensa em massa.
As
conclusões extraídas do presente estudo encontram alicerce, além
da própria Constituição, no Ordenamento Internacional, nas
diversas convenções ratificadas pelo Estado Brasileiro. Estas, por
versarem sobre direitos humanos, possuem natureza de supralegal,
conforme entendimento consolidado do STF, sendo sua observância
cogente por parte do aplicador da norma.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA,
Renato Rua. O regime
geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da
relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa:
estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações
portuguesa, espanhola e francesa.
Revista LTR, São Paulo, v. 71, n. 03, mar. 2007.
GOMES,
ORLANDO. Dispensa
Coletiva na Reestruturação da Empresa – Aspectos Jurídicos do
Desemprego Tecnológico,
LTr, ano 38, São Paulo, Julho de 1974.
MARQUES
DE LIMA, Francisco Meton. Os
Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência.
2ª ed. São Paulo: LTr, 1997.
RUPRECHT,
Alfredo J. Os
Princípios do Direito do Trabalho.
São Paulo: LTr, 1995.
SARMENTO,
Daniel (Org.). Interesses
públicos versus interesses privados: desconstruindo
o princípio da supremacia do interesse público.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
SCHIER,
Paulo Ricardo. Ensaio
sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime
jurídico dos direitos fundamentais.
1
GOMES, ORLANDO. Dispensa
Coletiva na Reestruturação da Empresa – Aspectos Jurídicos do
Desemprego Tecnológico, LTr,
ano 38, São Paulo, Julho de 1974.
2
ALMEIDA,
Renato Rua. O
regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção
da relação de emprego contra a despedida individual sem justa
causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as
legislações portuguesa, espanhola e francesa.
Revista LTR, São Paulo, v. 71, n. 03, p. 336 - 345, mar. 2007.
3
GOMES, ORLANDO. Op Cit.
4
TST, RODC 309/2009-000-15-99.4,
Relator Maurício Godinho Delgado, DJ 10/08/2009
6
MARQUES DE LIMA, Francisco Meton. Os
Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência.
2ª ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 23.
7
RUPRECHT, Alfredo J. Os
Princípios do Direito do Trabalho.
São Paulo: LTr, 1995, p. 108.
8
STJ, MS 3351-4/DF,
Relator: Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 10/08/1994.
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
SILVEIRA, Felipe Arruda Aguiar Sobreira da: A Negociação Coletiva como Requisito da Dispensa Coletiva. Práxis Jurídica, Ano III, N.º
02, 03.03.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em:
<http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/03/a-negociacao-coletiva-como-requisito-da_3.html>.
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