quinta-feira, 3 de março de 2016

A Negociação Coletiva como Requisito da Dispensa Coletiva

Conference, Albert Bloch (1882-1961). Fonte: Internet.

Felipe Arruda Aguiar Sobreira da Silveira

(Advogado, graduado pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Constitucional, pela Faculdade Damásio)


Resumo: Objetiva-se, no presente estudo, analisar a dispensa coletiva à luz da Constituição Brasileira e do Direito Internacional, notadamente a partir das convenções da OIT. O escopo primordial é demonstrar, a partir de comandos constitucionais e internacionais, que a participação do sindicato da categoria, em rodadas de negociação, constitui requisito de validade da dispensa coletiva.

Palavras-chave: Direto Constitucional, Direito do Trabalho, Dispensa Coletiva, Negociação Coletiva.

Abstract: The objective is, in the present study was to analyze the collective dismissal in the light of the Brazilian Constitution and international law, especially from the ILO conventions. The primary scope is to demonstrate, from constitutional and international commands, that the participation of labor union in negotiating rounds, is a requisite of validity of collective dismissal.

Key words: Constitutional Law, Labor Law, Collective Dismissal, Collective Bargaining


INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem como pano de fundo o processo 0030900-12.2009.15.0000, que debateu acerca da possibilidade e dos requisitos para a dispensa coletiva.
A lide teve início em fevereiro de 2009, quando a Embraer despediu 4.200 trabalhadores da planta em São José dos Campos, interior de São Paulo, correspondendo a 20% da mão de obra da empresa na região. Tal fato causou enorme impacto social, mobilizando a categoria a acionar o poder judiciário, o que resultou no dissídio coletivo de natureza jurídica com pedido de liminar ajuizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e outros em face da Empresa Brasileira de Aeronáutica - EMBRAER S.A e outra.
O caso foi julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. No mérito, o Tribunal declarou a abusividade da dispensa coletiva, mas entendeu inexistir garantia de emprego ou estabilidade que justificasse a reintegração (ressalvados os casos previstos em lei e em normas coletivas), concedendo a cada empregado dispensado uma compensação financeira. Além disso, declarou a eficácia da liminar concedida até o dia 13/03/2009, para manter vigentes até essa data os contratos de trabalho em todos os seus efeitos e a manutenção dos planos de assistência médica aos trabalhadores dispensados e seus familiares por 12 meses a contar de 13/03/2009, concedendo direito de preferência aos empregados dispensados no caso de reativação dos postos de trabalho pela empresa.
Diante da decisão supramencionada, foi interposto Recurso Ordinário, tanto pelas empresas suscitadas, quanto pelos suscitantes, chegando, então, a matéria ao crivo do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. O TST entendeu, majoritariamente, por dar provimento ao recurso das reclamadas, afastando a declaração de abusividade das dispensas e, por consequência, a prorrogação dos contratos de trabalho; quanto às demais matérias, decidiu o Tribunal Superior negar-lhes provimento, fixando a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, mas modulando os efeitos desse entendimento para casos futuros. Quanto aos recursos interpostos pelos suscitantes, estes foram julgados improcedentes.
Irresignada, a Embraer interpôs Recurso Extraordinário, levando a matéria à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Alega que a decisão violou diversos dispositivos constitucionais e que o TST, ao criar condições para a dispensa em massa, atribuiu ao poder normativo da Justiça do Trabalho tarefa que a Constituição reserva a Lei Complementar, invadindo assim a esfera de competência do Poder Legislativo. As empresas afirmam que sua sobrevivência estaria ameaçada pela interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto que viola o princípio da livre iniciativa.
Como o TST inadmitiu a remessa do Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo, as empresas interpuseram agravo (tombado sob o número ARE 647651), o qual foi acatado pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar prosseguimento ao RE. Ao submeter o processo ao Plenário Virtual do STF, para verificar a ocorrência de repercussão geral no caso, o ministro observou estar diante de situação jurídica “capaz de repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é “evidente o envolvimento de tema de índole maior, constitucional”.
Storming-of-the-Bastille-by-Jean-Pierre-Houel. Fonte Internet.

Atualmente, o mérito do recurso está pendente de análise pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. De sua vez, o STF encaminhou os autos à Procuradoria Geral da República, para emissão de Parecer, aguardando a manifestação do Ministério Público para apreciação final da matéria, no referente às dispensas coletivas.
Nota-se que se trata de tema complexo e polêmico, que ainda não foi plenamente resolvido pelo Judiciário Brasileiro.
De um lado, os empresários defendem possuir direito potestativo de despedir, à luz da a sua livre iniciativa e da autogestão. Defendem que não existe dispositivo constitucional que limite a rescisão contratual de um conjunto de trabalhadores, de forma que, ao fazer isso, o Judiciário atua de maneira normativa, além das suas atribuições.
Em outro giro, uma segunda corrente advoga que a dispensa coletiva difere da individual, possuindo requisitos próprios. Nesse cenário, seria imprescindível a participação do sindicato da categoria em rodadas de negociação para que seja válida a despedida.
O presente estudo é dotado de conotação notadamente opinativa. O objetivo é expor a visão do seu autor com relação à controvérsia. Pretende-se demonstrar que a participação do sindicato constitui sim um requisito de validade da despedida coletiva e que isso se extrai implicitamente do texto constitucional, assim como de diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.

  1. DISPENSA COLETIVA: ADMITIDA, RECHAÇADA OU CONDICIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL?

A princípio, antes de qualquer outro enfrentamento, há que se indagar se, no Direito pátrio, capitaneado pela Constituição Federal, a dispensa coletiva é distinguida como um fenômeno próprio, um fato social único, com seus próprios fundamentos, causas, condições e consequências; ou se, na despedida em massa, tem-se apenas um conjunto de dispensas individuais, num claro exercício, por parte do empregador, de seu direito potestativo de despedir. Os efeitos da adoção de uma ou outra tese são enormes para trabalhadores e empresários no Brasil.
Orlando Gomes entendia, já nos idos da década de 1970, que os efeitos da dispensa coletiva não devem ser os mesmos da individual, sem justa causa ou por força maior. Assevera, por exemplo, que tem cabimento a dilação do aviso prévio normal, variável em função da antiguidade do trabalhador na empresa. Nessa linha, preceitua o renomado autor que dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados. Dois traços caracterizariam a dispensa coletiva, a peculiaridade da causa e a redução definitiva do quadro de pessoal.1
A diferença entre dispensa individual e coletiva foi ressaltada também pelo renomado Doutor e Professor da PUC-SP, Renato Rua de Almeida, que, examinando as características gerais do regime da proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa no Direito do Trabalho contemporâneo; de passagem, faz distinção da despedida individual e coletiva: A despedida individual justifica-se por fato de natureza disciplinar (justa causa) imputável ao empregado ou por inaptidão profissional às mudanças técnicas da empresa. Já a despedida coletiva é arbitrária ou não, dependendo da existência comprovada de fato objetivo relacionado à empresa, causado por motivo de ordem econômico-conjuntural ou técnico-estrutural. 2
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Fonte: Internet.
Como fatos sociais, parece indubitável a distinção entre a dispensa individual e a dispensa coletiva. Enquanto aquela geralmente tem motivação ligada à pessoa do trabalhador, esta tem razões ligadas à empresa, para as quais os empregados não concorreram. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, como na despedida individual, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional ou o tempo de serviços.3
Se um empregador, sem qualquer motivo relevante ou plausível, deseja arbitrariamente encerrar o contrato de trabalho de um de seus trabalhadores, configura-se aí um conflito entre dois interesses individuais: o do empregador de despedir o seu funcionário e o do empregado de permanecer no emprego. Neste caso, previu a Constituição Federal, em seu art. 7º, I, proteção à relação de emprego, a ser efetivada por meio de Lei Complementar. Como a mencionada proteção ainda não foi regulamentada pelo Congresso Nacional, continua vigente o art. 10 do ADCT, segundo o qual, como forma de inibição da conduta e, ao mesmo tempo, de reparo ao trabalhador, deve o patrão indenizar seu funcionário em multa equivalente a 40% dos depósitos realizados ao FGTS. Indiscutível, portanto, o direito potestativo do empregador de despedir seu empregado, pois a necessidade de pagamento de indenização não significa empecilho à terminação do contrato, senão mera consequência jurídica de quem lhe deu causa.
Dessa forma, diante do conflito entre dois interesses individuais (empregador e empregado), optou o Ordenamento Jurídico vigente por proteger o interesse do trabalhador, mas dar prevalência à vontade empresarial, condicionando-a apenas à indenização acima mencionada, desde que, é claro, não haja qualquer motivação de caráter discriminatório. Este foi o sopesamento feito pelo constituinte de 1988.
No caso da despedida arbitrária coletiva, porém, a linha de raciocínio deve ser completamente distinta. Isso porque não se trata mais de conflito entre interesses individuais, mas de confronto entre a vontade do empregador (individual) e o interesse não só da coletividade de funcionários (coletivo), mas de toda a sociedade (público). Em última análise, contrapõe-se a vontade privada ao interesse público. Isso ocorre porque, além das consequências particulares da perda do emprego para cada trabalhador, a despedida de vários empregados tem enorme repercussão social, na medida em que onera a seguridade social e prejudica toda a sociedade, que passará a conviver com as inúmeras repercussões negativas do aumento do desemprego.
Consoante destacado no acórdão proferido pelo TST, de relatoria do respeitável Ministro Maurício Godinho Delgado, a dispensa coletiva é fato distinto da dispensa individual em sua estrutura, dimensão, profundidade, efeitos, impactos e repercussões. Corresponde a fato econômico, social e jurídico diverso da despedida individual, pela acentuação da lesão provocada e pelo alargamento de seus efeitos, que deixam de ser restritos a alguns trabalhadores e suas famílias, atingido, além das pessoas envolvidas, toda a comunidade empresarial, trabalhista, citadina e até mesmo regional, abalando, ainda, o mercado econômico interno.4
A dispensa coletiva acarreta impacto social tamanho, que afasta a perspectiva meramente individual, aproximando-a do interesse público. Afinal, as consequências sociais serão nítidas, a impactar as finanças do Estado (seguro desemprego, saque do FGTS...) e afetar sensivelmente um setor profissional ou econômico, considerando o desemprego de centenas de trabalhadores da mesma categoria. Quando, por exemplo, poucas empresas exploram determinada atividade econômica de relevância, como o setor de aviação, a dispensa em massa afeta profundamente o setor, até em termos de percentual da categoria, podendo alcançar 5%, 10% ou mais da mão-de-obra utilizada. E isso ofende o propósito idealístico da busca do pleno emprego, primado consagrado pela Constituição Federal (art. 170).
Nesse caso, portanto, é fundamental que prevaleça o interesse da coletividade dos trabalhadores, fazendo valer a supremacia do interesse público sobre o privado, o social sobre o exclusivamente empresarial. Na lição de Paulo Ricardo Schier, o princípio da supremacia do interesse público ingressa no ordenamento jurídico brasileiro pelo espírito de imposição de uma superioridade a priori, não para fins de realização das razões de Estado, mas para o exercício de uma desigualdade frente aos interesses particulares, apenas para a imposição e satisfação dos direitos e garantias fundamentais, inseridos na atual ordem constitucional, como legítimos interesses públicos. “[...] O Estado legitima-se e justifica-se a partir dos direitos fundamentais e não estes a partir daquele. O Estado gira em torno do núcleo gravitacional dos direitos fundamentais”.5
Nesse contexto, configura abuso de direito e violação ao princípio da supremacia do interesse público a despedida arbitrária de uma coletividade de trabalhadores. Mostra-se absurdo suprimir toda uma coletividade em nome unicamente da vontade empresarial.
Embora não exista norma expressa que detalhe todos os pressupostos e consequências de uma dispensa coletiva, o texto constitucional é repleto de indícios que apontam de forma irrefutável para a sua vedação quando imotivada, diferentemente do disciplinado com relação à despedida individual, o que evidencia, manifestamente, o caráter social escolhido pelo constituinte para permear o Estado Brasileiro. O lema segundo o qual “tudo quanto não é proibido é permitido”, muito apropriado ao regime de liberdades e aos direitos fundamentais de primeira dimensão (naturalmente individuais), recebe ponderações nos Estados Sociais, com matizes muito mais adequados aos direitos sociais, culturais e econômicos. As dispensas coletivas são realidades indissociáveis dos referidos interesses coletivos. E, assim, merecem um olhar mais crítico do hermeneuta. É esta a orientação que a Constituição Federal confere ao aplicador da norma, conforme se passará a discorrer.

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Fonte: Internet.
O ponto de partida, na análise constitucional da matéria, são os fundamentos do Estado Democrático de Direito. De acordo com o art. 1º da CF/88, o Brasil se alicerça na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político. Nesse contexto, não se apresenta razoável admitir que a mesma nação que tem como fundamento maior a dignidade da pessoa humana e se alicerça nos valores sociais do trabalho reconheça que uma empresa possa, discricionariamente, sem qualquer fundamento, despedir milhares de trabalhadores, provocando sérios prejuízos aos indivíduos que dependem daquele emprego, aos seus familiares e a toda a sociedade em que estão inseridos.
Prosseguindo na análise constitucional, o art. 3º da Carta Política determina como objetivos fundamentais da República brasileira: construir uma sociedade livre justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses objetivos são propósitos a serem alcançados. Como finalidades, constituem um projeto nacional a ser logrado gradativamente, em processo continuado e dirigido pelo Poder Público, o grande dirigente dos rumos da Nação. Se fosse admitida a despedida coletiva, nos moldes da individual, a nação brasileira estaria caminhando para um destino exatamente inverso daquele pretendido pela Carta Política, em situação de evidente auto sabotagem. Ou seja, entender que a Constituição acolhe a dispensa em massa, prevendo a ela tratamento idêntico à individual, é coadunar-se com uma irreparável contradição dentro do próprio texto constitucional, uma vez que isso iria de encontro a uma sociedade justa e solidária, ao passo que inviabilizaria o desenvolvimento social e colaboraria com a pobreza, com a marginalização e com as desigualdades sociais, pelo que, por certo, não se promoveria o bem de todos.
O art. 170 da Constituição, por sua vez, é o primeiro a tratar da Ordem Econômica e Financeira, expressando, logo em seu caput, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social; mais adiante, estatui como princípio a função social da propriedade e a busca do pleno emprego. Esse dispositivo revela muito acerca do Estado Brasileiro, que tem como modo de produção o capitalismo, mas se ergue sob bases fortemente sociais. O trabalho humano deve sempre, portanto, ser valorizado, sendo a busca do pleno emprego mais um dos objetivos do Estado Brasileiro. Por mero esforço intelectivo, resta óbvio que tais primados não se compatibilizam com o acatamento, sem qualquer limitação, da dispensa de milhares de trabalhadores, em manifesta expressão do mais absoluto e irrestrito individualismo, prejudicando toda a sociedade em nome do interesse privado.
A justiça social, consagrada também no art. 170 da Constituição, é outro conceito de suma importância para que se entenda o Estado Brasileiro, contribuindo para a conclusão de que este rechaçou, sem qualquer hesitação, a dispensa coletiva nos moldes da individual. A justiça social é um meio de se alcançar o progresso social, que é pressuposto do desenvolvimento.6 O intérprete, segundo os ditames da justiça social, não pode aplicar a norma de maneira isolada, dogmática, sem levar em consideração a sociedade em que está inserido e as consequências da sua interpretação; não pode valer-se apenas do comando expressamente determinado, ignorando os conceitos abstratos, indeterminados e os princípios constitucionais. O intérprete não pode, enfim, se desviar das bases que formam o constitucionalismo do país.
Ruprecht esclarece que a consequência da justiça social é a introdução de uma orientação aos conceitos dominantes, quer dizer, “a justiça comutativa, que estabelece uma igualdade absoluta; a distributiva, de acordo com a capacidade econômica de cada um; e a legal, que rege as relações individuais com a sociedade. A justiça social tende a elevar o nível de vida dos trabalhadores”.7
Sob mais esse prisma, interpretar a dispensa coletiva como sendo um conjunto de despedidas individuais, violaria frontalmente a justiça social, ante o profundo abalo que causaria em toda a sociedade, não sendo, em última análise, uma decisão socialmente justa e, portanto, não se coaduna com o espírito da Constituição. A conclusão é a de que não é esse o comando do texto maior nem foi essa a intenção do constituinte.
Mais adiante, na Carta Constitucional, em seu art. 193, o único dispositivo de todo um título (Título VIII – Da Ordem Social), estatui-se que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivos o bem-estar e a justiça sociais. Aqui importa elucidar o que seja ordem e o que caracteriza uma ordem social.
Ordem é um conceito que advém da matemática, exprimindo uma particular relação entre objetos distintos segundo um determinado critério organizador. Assim, números naturais, dispostos em sequência do menor para o maior, formam uma ordem, na medida em que existe um critério organizador. Quando se deixa o campo das ciências exatas para as ciências humanas, no qual a ordem não é propriamente criada, mas descoberta pelo pesquisador, abre-se a possibilidade de ordens artificiais, ordens que não são dadas pela natureza, mas que são instauradas por intervenção humana. Neste caso, há a possibilidade de que os mesmos entes sejam arranjados de múltiplas maneiras: a ordem dos números inteiros é uma só, mas a ordem dos livros numa estante pode se basear no assunto da obra, no seu autor ou na data de sua publicação. O que vai definir qual das possíveis ordens será instaurada é justamente a finalidade buscada com a sua instauração.
A ordem social, contudo, diferencia-se de qualquer outra ordenação, na medida em que organiza não objetos, ou mesmo indivíduos, mas comportamentos humanos, que são sempre imprevisíveis. É por isso que não é possível, na busca pela ordem social, determinar como se comportará cada indivíduo, sendo viável apenas estabelecer como deve ser o seu comportamento, nascendo daí o sentido deontológico da norma jurídica, como um “dever-ser”.
Fonte:Internet.
À norma jurídica, portanto, cabe estabelecer como deverá ser o comportamento humano, de acordo com dada finalidade estatuída pelo próprio Estado. Essa finalidade é o que realmente interessa no presente estudo. No caso brasileiro, a ordem social, como mencionado no art. 193 da CF, tem por primado o trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social.

Isso quer dizer que todas as normas e todas as condutas humanas devem voltar-se à proteção do trabalho, com a finalidade última de garantir o bem-estar da sociedade e assegurar a justiça social, conceito já abordado nesta análise. Esse é mais do que um indício, é uma demonstração de que o Estado Democrático de Direito, formado pela Constituição Federal de 1988, não pode se coadunar com uma dispensa coletiva na mesma conformação de uma despedida individual, o que desarticularia a ordem social, desagregando a própria sociedade.
Na verdade, se a Constituição não estabeleceu expressa e literalmente o tratamento privilegiado nas dispensas coletivas, também não possui nenhum dispositivo manifesto sobre a denúncia vazia ou o direito potestativo no campo das relações de trabalho. O direito potestativo de rescisão é extraído da análise sistêmica da Constituição, corroborado pelos princípios do Direito do Trabalho. Da mesma forma, e por uma igualdade reclamada ao hermeneuta, o tratamento social a ser requerido há de seguir a mesma linha assecuratória, porquanto respaldada em dispositivos constitucionais e em primados inerentes aos direitos sociais/coletivos. Por amor ao debate, levanta-se que o reconhecimento do direito potestativo de rescisão não se encontra encravado nas letras da Constituição como direito fundamental das empresas, mas, mesmo que assim se entenda, registra-se que os direitos fundamentais não são absolutos, uma vez que eles se comunicam no texto constitucional, a exigir a observância da unidade da Constituição.
Diante de todo o exposto, conclusão outra não há, senão a de que a Constituição Federal estabeleceu tratamento completamente diferenciado à dispensa coletiva, quando comparada à individual. Não pode o empregador despedir milhares de trabalhadores, mediante unicamente o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS; nesse caso, reclama a Constituição uma proteção maior, por envolver, não apenas interesses individuais, mas coletivos e públicos.
Prima Face, como exaustivamente demonstrado, tem-se como vedada, pela Carta magna, a dispensa arbitrária de coletividade de trabalhadores. Impossibilitar, contudo, peremptoriamente, essa espécie de despedida seria ignorar a realidade capitalista e talvez criar um bloqueio ao desenvolvimento econômico, causando prejuízo a um número ainda maior de trabalhadores, tendo em vista a possibilidade de a empresa atravessar crise econômica tão severa que, se não despedir certa quantidade de empregados, caminhará invariavelmente para a falência.
Pelo exposto, pode-se concluir que a dispensa coletiva merece tratamento diferenciado, estando vedada quando realizada de forma arbitrária. De igual forma, contudo, verifica-se que não se pode impossibilitar, por completo, esta forma de despedida, pois daí adviriam prejuízos ainda maiores aos trabalhadores e à sociedade. Exsurgem, então, as seguintes indagações: quais seriam as limitações para a dispensa coletiva? E quais seriam os requisitos para que ela seja operada?

  1. LIMITAÇÕES E REQUISITOS PARA A DISPENSA COLETIVA

Quanto às limitações, dado que é vedada pela Constituição Federal a despedida coletiva de forma arbitrária, conclui-se que é imprescindível a demonstração de dificuldade de caráter econômico-conjuntural, técnico-estrutural ou uma crise econômica internacional, de forma que se torne imperiosa a despedida sob pena de afetar o próprio funcionamento da companhia. Esta realidade precisa ser apresentada e discutida com o sindicato, o qual, após realizar assembleia com os trabalhadores, poderá preferir a redução salarial dos demais, provisoriamente, ex vi do art. 7º, VI, CF, que permite o chamado “acordo japonês”, ao invés da dispensa coletiva.
Não obstante, mesmo depois de verificada a autenticidade do elemento objetivo motivador da dispensa coletiva, não estará o empregador autorizado a despedir, discricionariamente, quantos e quais trabalhadores entenda mais vantajoso ou apropriado, nem se apresenta razoável a aplicação como elemento reparador apenas da multa de 40% sobre o montante do FGTS. Isso ocorre em virtude de toda a lógica constitucional já delineada no presente estudo, devendo-se proteger, ao máximo, a coletividade de trabalhadores.
Assim, sendo a dispensa coletiva imprescindível para a sobrevivência da empresa, ela terá de ser, invariavelmente, realizada, ocasião em que deve o empregador primar pela ponderação, como forma de compatibilizar e harmonizar os interesses, causando um prejuízo atenuado aos trabalhadores e à própria sociedade.
Portanto, se a empresa tem real necessidade de “enxugar” o quadro de pessoal por motivos econômicos ou financeiros, não faz sentido que o processo de dispensa comece pelo desligamento de estáveis ou portadores de garantias especiais no emprego, por exemplo; nem pelos veteranos. Esta inteligência, há muito consagrada pela doutrina e pela jurisprudência trabalhistas, acabou sendo alçada à Constituição Federal para se aplicar aos servidores públicos quando a Administração necessitar reduzir despesas com pessoal para atender aos limites estabelecidos pela lei orçamentária (art. 169, caput e § 3.º, CF).
Além dos estáveis, deve-se proteger, ainda, aqueles portadores de deficiência física ou mental, bem como os mais idosos, uma vez que a obtenção de novo emprego, nesses casos, torna-se tarefa claramente mais árdua. Há de se ver, também, que há limitações estabelecidas em certas Convenções ou Acordos Coletivos, como a estabilidade pré-aposentadoria.
Em síntese, o empregador, no processo de escolha daqueles que terão de deixar o emprego, deve observar a condição do empregado na empresa, bem como a possibilidade que esse funcionário tem de obter uma nova função produtiva na sociedade; deve preocupar-se, portanto, com as consequências externas da despedida coletiva, e não apenas com os benefícios que ela trará à sobrevivência da companhia. A livre iniciativa deve, portanto, ser exercida de acordo com ditames da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da propriedade, nela incluída a função social dos meios de produção ou da empresa. É o que se extrai do texto constitucional.
Nesse mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, in verbis:

No domínio do desenvolvimento – conjunto de bens e riquezas a serviço de atividades lucrativas – a liberdade de iniciativa constitucionalmente assegurada, fica jungida ao interesse do desenvolvimento econômico nacional da justiça social e se realiza visando à harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção, admitindo a Lei Maior que a União intervenha na esfera da economia para suprimir ou controlar o abuso do poder econômico.8

Os primados constitucionais de proteção do trabalhador deverão estar presentes também no momento de estabelecer a forma de reparação dos empregados dispensados. O objetivo aqui também é atenuar os efeitos da despedida coletiva, fazendo com que a sociedade não os sinta de forma tão intensa. Deve-se preparar o trabalhador para a dispensa e indenizá-lo de forma suficiente para que mantenha o seu sustento e o de sua família até que obtenha novo emprego.
Todavia, não é possível ao intérprete do direito estabelecer exatamente quais os patamares indenizatórios mínimos que devem ser garantidos em uma dispensa coletiva, nem fixar todos os critérios para a escolha daqueles que, infelizmente, perderão seus postos de trabalho. E é melhor que assim o seja; cada situação demanda uma solução única e específica; é preciso analisar a quantidade de trabalhadores a serem despedidos, o tamanho e a capacidade econômica da empresa, bem como a magnitude da crise pela qual se atravessa, além de critérios particulares de cada situação.
Seria prejudicial tanto ao trabalhador, quanto à empresa e, em última análise, à própria sociedade que o legislador ou o intérprete fixasse tais patamares ou tais condições para a dispensa coletiva, tendo em vista que, por certo, haveria situações em que eles não seriam suficientes, seja para garantir o menor impacto social, seja para assegurar a recuperação da empresa.
Conclui-se, portanto, que é necessária a análise particular de cada caso concreto para se determinar o que seja suficiente e razoável, num processo de ponderação, para se garantir o menor impacto e, ao mesmo tempo, a recuperação da companhia. Tendo em vista que não cabe ao Judiciário imbuir-se desse mister, vez que isso apenas colaboraria com o conflito e não se alcançaria a solução mais adequada, resta aos sujeitos coletivos a discussão e o consenso do que seja o equilíbrio em cada caso. A Constituição Federal, novamente, se coaduna e indica que essa é, de fato, a solução socialmente adequada.
O art. 8.º da CF estabelece o primado da liberdade sindical, delineando de que forma se dará a atuação das associações sindicais no país. Para o presente estudo, é crucial destacar os incisos III e VI desse dispositivo constitucional.

Art. 8.º, III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativasVI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho

Dos dois incisos supratranscritos denota-se o papel central e indispensável das entidades sindicais no que se refere ao interesse de uma coletividade de trabalhadores. A defesa desses direitos coletivos impõe-se não à Administração Pública ou ao Judiciário, mas unicamente aos sindicatos, organizações constitucionalmente autorizadas a defender os interesses dos trabalhadores.
Sendo a dispensa coletiva matéria que orbita em torno de interesses coletivos, consoante exaustivamente enfatizado, demandando a defesa de direitos também coletivos, indubitável que tal amparo terá de ser alcançado por meio da atuação das entidades sindicais, de acordo com o que preceitua o art. 8º, III da CF/88.
Ademais, uma vez que a negociação entre os sujeitos envolvidos na despedida coletiva se apresenta como a única solução social e constitucionalmente adequada, imperiosa a conclusão de que se faz imprescindível a participação dos sindicatos nesse mister, conforme o mandamento do art. 8º, VI da CF/88.
Para que haja uma despedida de caráter coletivo é necessário, portanto, que haja real e relevante motivo para tanto e que seja indispensável a dispensa para a própria sobrevivência da empresa. Nessa situação, é preciso, ainda, que se encontre um equilíbrio entre as necessidades das empresas e as dos trabalhadores, atenuando o impacto social da dispensa, em nome do interesse público e da função social da propriedade. A única forma de se atingir um equilíbrio verdadeiro e eficaz é por meio do diálogo entre os próprios agentes envolvidos, ou seja, empregador e trabalhadores, sendo esses representados pelo sindicato da categoria, em homenagem ao art. 8º, III e VI da CF/88. Por fim, conclui-se que a Constituição determina, como condição de validade da dispensa em massa, prévia negociação coletiva.

  1. A NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL

O direito internacional, consubstanciado nas convenções internacionais incorporadas ao direito brasileiro, também deixa claro que a despedida coletiva deve ser entendida de maneira distinta da individual, demandando uma proteção mais acentuada, que, invariavelmente, deságua na necessidade de negociação coletiva para que seja válida. É o que se extrai, inicialmente, das Convenções 168, e 122 da OIT.
O tema do direito internacional e da aplicação dos Tratados internacionais interessa à presente explanação por força do art. 5º, §§ 2º e 3º, CF (EC 45/2004). De efeito, os tratados internacionais sobre direitos humanos, de que são espécies as Convenções da OIT-Organização Internacional do Trabalho, quando observado o quórum qualificado, equivalem a normas constitucionais; e, mesmo quando não possuam este status, por eventual deficiência do quórum ou por serem anteriores à EC 45/2004, os tratados internacionais sobre direitos humanos (e, portanto, sociais ou, mais especificamente, trabalhistas) são assinalados pela eficácia normativa da supralegalidade, vale dizer, são superiores à legislação ordinária nacional, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal.
Logo, a presente matéria não pode ser analisada sem a devida incursão no plano das Convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil, considerando seu caráter de normas constitucionais ou de normas supralegais.
A Convenção 168 da OIT, com vigência interna a partir do Decreto nº 2.682 de 21 de julho de 1998, estabelece a “Promoção do emprego e a proteção contra o desemprego”. Logo em sua justificativa, a Convenção afirma:

a importância do trabalho e do emprego produtivo em toda sociedade, em razão não só dos recursos que criam para a comunidade, mas também da renda que proporcionam aos trabalhadores, do papel social que lhes outorgam e do sentimento de satisfação pessoal que lhes infundem.

Por meio de seu artigo 2.º, determina-se que

Todo membro deverá adotar medidas apropriadas para coordenar o seu regime de proteção contra o desemprego e a sua política de emprego. Para esse fim, deverá providenciar que o seu sistema de proteção contra o desemprego e, em particular, as modalidades de indenização do desemprego, contribuam para a promoção do pleno emprego produtivo, livremente escolhido, e que não tenham como resultado dissuadir os empregadores de oferecerem emprego produtivo, nem os trabalhadores de procura-lo.

E ainda, no art. 7.º, ordena que

Todo Membro deverá formular, como objetivo prioritário, uma política destinada a promover pleno emprego, produtivo e livremente escolhido, por todos os meios adequados, inclusive a seguridade social. Esses meios deverão incluir, entre outros, os serviços de emprego e a formação e a orientação profissionais.

É óbvio que o tema do pleno emprego se encontra intimamente relacionado com o das dispensas coletivas, haja vista que estas podem comprometer mortalmente a política social que a referida Convenção reclama dos países membros.
Nesse mesmo sentido é a Convenção 122 da OIT, que estatui a “Política de emprego”, ressaltando a importância da “execução de programas de que resulte o pleno emprego e a elevação dos níveis de vida”. Esse instrumento também se encontra vigente internamente, por meio do Decreto nº 66.499 de 27 de abril de 1970.
Logo em seu artigo 1.º, estabelece:

Com vista a estimular o crescimento e desenvolvimento econômico, elevar os níveis de vida, corresponder às necessidades de mão-de-obra e resolver o problema do desemprego e do subemprego, cada Membro deverá declarar e aplicar, como objetivo essencial, uma política ativa com vista a promover o pleno emprego, produtivo e livremente escolhido.

O Estado Brasileiro possui como objetivo prioritário a promoção do pleno emprego (art. 170, CF), situação que demanda medidas apropriadas para a proteção contra o desemprego. Esse compromisso internacional, ratificado internamente, não se coaduna com o acolhimento de uma despedida coletiva discricionária, que provoca, como já destacado, profundo impacto social, afetando todo um setor profissional.
Nesse diapasão, a única medida verdadeiramente eficaz contra a dispensa coletiva, em consonância com o que se vem defendendo, é a exigência de negociação coletiva, uma vez que não é possível enrijecer os patamares e as condições da despedida, já que cada situação demanda uma solução diversa, ao passo que somente os sujeitos envolvidos poderão visualizar as consequências adequadas para cada uma das partes. Portanto, cabe ao sindicato da categoria, responsável constitucional por defender os interesses dos trabalhadores a ele vinculados, realizar discussões com a empresa em dificuldades econômicas, com o escopo de encontrar a devida medida capaz de “recuperar o fôlego” da companhia, causando o mínimo de impacto possível na sociedade.
A defesa da necessidade de negociação coletiva em caso de dispensa em massa, por sua vez, se coaduna com a importância assegurada pelo Estado Brasileiro a esse instituto por meio das Convenções 98 e 154 da OIT.
Desde o ano de 1949, data da ratificação (Decreto Legislativo 49) pelo Brasil da Convenção 98 da OIT, o “direito de sindicalização e de negociação coletiva” são reconhecidos no país.
Em seu artigo 4.º a citada convenção determina que

deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores.

A Convenção 154, inserida no Ordenamento Interno por meio do Decreto Legislativo 1.256, em setembro de 1992, por sua vez, reafirma o “incentivo à negociação coletiva” e sua importância para o desenvolvimento da nação.
Extrai-se, do artigo 5º da mencionada convenção, em sintonia com o exposto, que “deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais para fomentar a negociação coletiva”.
O artigo 4.º, no mesmo sentido determina:

na medida em que não se apliquem por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou qualquer outro meio adequado à pratica nacional, as disposições da presente Convenção deverão ser aplicadas por meio da legislação nacional.

Observa-se, destarte, que, no direito internacional, internamente aplicado conforme já demonstrado, a negociação coletiva não é apenas um dos vários meios de resolução dos conflitos sociais, mas sim o único instrumento adequado e eficaz para a obtenção de uma solução justa envolvendo uma coletividade de trabalhadores, motivo pelo qual o Estado Brasileiro firmou o compromisso de incentivar e de fomentar tal espécie de negociação.
A obrigatoriedade a que as partes sentem para dialogar sobre tema tão caro à sociedade não implica compeli-las a concordarem entre si, vez que ninguém é obrigado a negociar contra a própria vontade. Mas o estabelecimento do diálogo, considerando as repercussões da dispensa coletiva, pode perfeitamente ser exigido. Esta solução constitucional não é inócua, já que possibilitará o conhecimento sobre a realidade do setor e abrirá margem a que os trabalhadores, possam, por exemplo, deflagrar greve, considerando que o esgotamento da via negocial é requisito para a paralisação coletiva (Lei nº 7.783/89, Lei de Greve). Possibilitará, também, que o sindicato adote outras providências, inclusive judiciais, pois estará ciente dos fatos e disporá de elementos hábeis ao ajuizamento das ações apropriadas. É inadmissível que o sindicato seja pego, de forma repentina, com a notícia de uma dispensa coletiva, afetando sensivelmente sua base de representação, sem nenhuma outra informação, sem nenhum dado econômico, sem nenhuma chance de defender a categoria (art. 8º, IV, CF).
Por fim, aplicando tais conclusões às fronteiras do presente estudo, obtém-se a dedução inexorável de que é imprescindível a prévia negociação coletiva para que seja válida uma dispensa de caráter massivo, único meio eficaz de combater essa forma de desemprego, permanecendo o Estado na busca do pleno emprego.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, extrai-se que a despedida coletiva consubstancia fato jurídico diversa da dispensa individual, motivo pelo qual não é permitido ao intérprete e aplicador do Direito igualar ambas as espécies de rompimento contratual, aplicando-lhes as mesmas consequências jurídicas.
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Fonte: Internet.
Quanto à rescisão individual, o entendimento prevalecente é de que ela consiste em direto potestativo do empregador, cuja principal consequência seria o pagamento de indenização equivalente a 40% do FGTS. É dizer, o empregador não está sujeito a fortes amarras caso deseje encerrar o vínculo contratual com determinado empregado. Desde que a dispensa não se configure como abusiva ou discriminatória, não existe nada que o trabalhador possa fazer, senão contentar-se com a indenização recebida, a título de reparação e desestímulo à despedida.
Quando o cenário é transportado ao âmbito coletivo, todavia, restou amplamente demonstrado que as condições e consequências da dispensa não podem, em hipótese alguma, ser interpretados, analogicamente, como iguais. A Constituição Federal Brasileira é informada pelo forte caráter social, pela prevalência do interesse público sobre o privado, pela dignidade da pessoa humano, pela busca do pleno emprego, dentre outros princípios, que não possibilitam conclusão outra senão a distinção entre a despedida coletiva e a individual.
No caso da dispensa coletiva, os impactos do rompimento afetam não somente o empregado e sua família, mas toda a sociedade, que passará a conviver com os diversos impactos negativos do aumento massivo do índice de desempregados. Dessa forma, verifica-se que o interesse em jogo, não é simplesmente individual, mas coletivo e, mais do que isso, público.
Para que haja uma despedida de caráter coletivo é necessário, portanto, que haja real e relevante motivo para tanto e que a rescisão seja indispensável para a própria sobrevivência da empresa. Tais critérios devem ser demonstrados e aferidos casuisticamente, não bastando a mera declaração da empresa.
Nessa situação, é preciso, ainda, que se encontre um equilíbrio entre as necessidades das empresas e as dos trabalhadores, atenuando o impacto social da dispensa, em nome do interesse público e da função social da propriedade. A única forma de se atingir um equilíbrio verdadeiro e eficaz é por meio do diálogo entre os próprios agentes envolvidos, ou seja, empregador e trabalhadores, sendo esses representados pelo sindicato da categoria, em homenagem ao art. 8º, III e VI da CF/88.
O veículo adequado para que ocorra o necessário diálogo entre os sujeitos coletivos é a negociação coletiva, que deve ser entendida como condição básica de validade da dispensa em massa.
As conclusões extraídas do presente estudo encontram alicerce, além da própria Constituição, no Ordenamento Internacional, nas diversas convenções ratificadas pelo Estado Brasileiro. Estas, por versarem sobre direitos humanos, possuem natureza de supralegal, conforme entendimento consolidado do STF, sendo sua observância cogente por parte do aplicador da norma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Renato Rua. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTR, São Paulo, v. 71, n. 03, mar. 2007.

GOMES, ORLANDO. Dispensa Coletiva na Reestruturação da Empresa – Aspectos Jurídicos do Desemprego Tecnológico, LTr, ano 38, São Paulo, Julho de 1974.

MARQUES DE LIMA, Francisco Meton. Os Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997.

RUPRECHT, Alfredo J. Os Princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995.

SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais.

1 GOMES, ORLANDO. Dispensa Coletiva na Reestruturação da Empresa – Aspectos Jurídicos do Desemprego Tecnológico, LTr, ano 38, São Paulo, Julho de 1974.
2 ALMEIDA, Renato Rua. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTR, São Paulo, v. 71, n. 03, p. 336 - 345, mar. 2007.
3 GOMES, ORLANDO. Op Cit.
4 TST, RODC 309/2009-000-15-99.4, Relator Maurício Godinho Delgado, DJ 10/08/2009
5 SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 217-246.
6 MARQUES DE LIMA, Francisco Meton. Os Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 23.
7 RUPRECHT, Alfredo J. Os Princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 108.
8 STJ, MS 3351-4/DF, Relator: Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 10/08/1994.

Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):


SILVEIRA, Felipe Arruda Aguiar Sobreira da: A Negociação Coletiva como Requisito da Dispensa Coletiva. Práxis Jurídica, Ano III, N.º 02, 03.03.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/03/a-negociacao-coletiva-como-requisito-da_3.html>. Acesso em: .




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