Salvador Dalí. Fonte: Internet. |
Davi Maia Castelo Branco Ferreira
Briefing:
ação comportamental tipificada nas tenazes do art. 155, caput c/c
art. 14, inciso II do CPB, ocorrida sob vigilância, configurando o fenômeno do crime impossível.
EXCELENTÍSSIMO(A)
SR(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA XX VARA CRIMINAL DA COMARCA DE
FORTALEZA-CEARÁ
Memoriais Finais
Processo N.º~
Réu:
X.,
já devidamente qualificado nos autos da Ação Penal que lhe move a
Justiça Pública, vem, mui respeitosamente, por seu procurador
abaixo firmado, perante Vossa Excelência, apresentar,
tempestivamente, na forma do art. 403, § 3.º do CPP, Memoriais
no presente feito,
aduzindo o seguinte:
Trata
o presente feito de uma ação criminal proposta pelo Ministério
Público, em exercício nesta jurisdição, atribuindo ao acusado
supracitado ação comportamental tipificada nas tenazes do art. 155,
caput
c/c art. 14, inciso II do CPB, pelo fato de o acriminado, no dia ,
ter incidido na conduta de furto tentado no Mercadinho Y.
Em
virtude do não comparecimento do acusado X., apesar de devidamente
citado, Vossa Excelência, à fl., com base no art. 367 do CPP,
decretou a sua revelia, e ouvidas as demais testemunhas, foi
encerrada a fase instrutória. Desta feita, verifica-se que o réu só
foi ouvido em sede de Inquérito Policial.
O
acusado, perante autoridade policial (fl. ), confessou, de forma
espontânea, a autoria do crime pelo qual este processo se preocupa
em apurar.
Termos
de Declarações que presta o acusado X.
In verbis:
Que, a respeito do fato de ter sido flagrado, tentando furtar mercadorias do mercadinho super center, sito no centro desta cidade, no período da tarde, é verdade; que, colocou algumas mercadorias em baixo da blusa e já ia saindo do mercantil, quando foi abordado por seguranças e detido...
É
bem verdade que a confissão apresentada pelo réu se deu perante a
Autoridade Policial, entretanto, o
fato de não ter sido feita
perante
Autoridade
Judiciária não possui
o condão de implicar no não reconhecimento em seu favor da
atenuante positivada no art. 65, inciso III, alínea “d” do CPB .
O
eminente Prof.
Julio
Fabbrini
Mirabete,
em
seu
Código
Penal
Interpretado,
Editora
Atlas,
1999,
p.372/373, ensina:
Não importa, porém, quando a confissão prestada, se no inquérito ou durante a ação penal, desde que seja apresentada perante a autoridade policial ou judiciária.
Nesse
sentido também é a jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de
Justiça:
Súmula 545 “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.” (HC 318184)
Dessa
forma, o fato de o acusado ter confessado, espontaneamente, a autoria
do crime, é circunstância atenuante da pena, de acordo com o art.
65 do CPB, in
verbis:
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:III – ter o agente:confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
A
circunstância de que o réu não veio a ter a posse mansa e pacífica
da res furtiva
é facilmente comprovada nos autos, notadamente pelos depoimentos
prestados pelos depoentes, que foram uníssonos em afirmar que
observaram quando o acusado entrou e subtraiu os bens do
estabelecimento comercial, acompanhando pelo sistema de
monitoramento, ocasião em que abordaram o acusado e o detiveram,
acionando logo após a polícia que rapidamente chegou ao local e o
prendeu.
Consoante
assertiva dos depoentes, responsáveis pela efetivação da prisão
do acusado, todo o iter
criminis fora
sobejamente observado, sendo impossível qualquer tipo de delito
patrimonial, já que os mesmos vigiaram o réu desde o momento em que
este colocou várias mercadorias dentro da bermuda e saiu do
estabelecimento comercial sem pagar.
É
válido informar, conforme se infere dos autos, que o estabelecimento
comercial não sofreu qualquer prejuízo patrimonial, uma vez que
todos os bens foram prontamente recuperados.
Fonte: Internet. |
O crime impossível difere da forma tentada do delito pelo perigo que a
ação realizada poderia representar ao bem jurídico tutelado.
Neste, o objeto contra o qual se dirigiu a conduta é passível de
lesão ou perigo de lesão; naquele, a impropriedade do objeto torna
inviável o resultado.
A
doutrina e jurisprudências pátrias são uníssonas no sentido de
que em situações como esta, em que todo o iter
criminis foi
observado, em tempo real, pelos empregados do Mercadinho Y.,
não há que se falar em crime, pois este se tornou impossível pela
absoluta ineficácia do meio.
Aliás,
este é também o entendimento dominante do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Ceará dividido, conforme já dito, com muitos
outros Tribunais do País, senão vejamos:
Ementa: Furto Tentado. Estabelecimento Comercial. Caracterização de Crime Impossível pela absoluta ineficácia do meio. Bens que nunca saíram da esfera de vigilância da vítima. Agentes observados durante todo o tempo em que estiveram no estabelecimento comercial com emprego de Câmeras. Caso que ensejaria aplicação, outrossim, do princípio da insignificância. Inexistência de significativa lesão ao patrimônio da vítima, bem jurídico tutelado pela norma. Ausência de relevância penal do fato. Conduta atípica. Absolvição. Apelo Defensivo. Alcance à co-ré não recorrente. Artigo 580 do CPP. Decisão que não se fundamenta em motivos de caráter exclusivamente pessoal. Idêntica situação processual. Apelação Defensiva provida. Apelação Ministerial prejudicada. (Apelação Crime nº 70007706567, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS. Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, julgado em 04/03/2004).
Se o fiscal do estabelecimento acompanha ab initio, em estabelecimento comercial, apoderamento de mercadorias de escasso valor com pagamento tão só parcial quando da passagem pela caixa, tornando impossível a consumação do crime, a situação se equipara à de um flagrante preparado, autorizando-se a absolvição da ré“ (TaCrim-SP – AC- Relator Geraldo Pinheiro – Juta Crim 57/276).
Quando a res permanece protegida, tornando ineficaz o emprego do meio adotado pelo agente, surge a figura da tentativa impossível (TaCrim –SP –AC – Relator Geraldo Gomes – JutaCrim 64/256).
Se o agente foi observado o tempo todo pelos agentes de segurança do estabelecimento comercial para a sua detenção, inclusive, na cabine de vestir, local onde vestiu as roupas que tentava subtrair por baixo daquelas que já usava, tal vigilância tornou impossível a real consumação do crime. ( TaCrim-SP – AC- relator Breno Guimarães – RT 731 /314 e RJ TACRIM 30/112)
Ementa: Furto em supermercado. Res Furtiva. Tentativa de Furto. Vigilância por Câmeras. Crime impossível. Absolvição do acusado. Considerando que a violação somente será relevante se também ofender ao bem jurídico patrimônio, isto é, se lesionou ou causou um perigo concreto e, no caso dos autos, tendo o autor devolvido os três CDs à vítima, tenho que não houve uma ofensa relevante a ponto de ser punível a conduta do agente. Assim, quanto ao primeiro fato, entendo que a ação praticada pelo acusado não causou lesão ao bem jurídico tutelado pela lei, pois a res furtiva não saiu em nenhum momento da esfera de disponibilidade da vítima. O acusado não obteve a posse tranqüila da coisa devido ao sistema de vigilância da loja. O supermercado, proprietário dos bens furtados, a manteve sob vigilância durante todo o iter criminis, ou seja, houve monitoramento por vídeo, circunstância que caracteriza o crime impossível. Apelo Provido, por maioria (Apelação Crime nº 70008699233, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator Nereu José Giacomolli, julgado em 17/06/2004).
TACRIM-SP: “Inocorre tentativa de furto na hipótese em que o agente desperta a desconfiança dos seguranças do estabelecimento vítima, permanecendo vigiado de forma contínua e ininterrupta, pois em nenhum momento o patrimônio esteve desprotegido, não sendo possível ao acusado e apossar dos objetos, eis que o meio empregado foi absolutamente ineficaz, fazendo com que o fato se torne penalmente impunível, nos termos do art. 17 do CP” (RTJTACRIM 41/166).
TARS: “A tutela jurídica visa proteger os bens do patrimônio da vítima. Se a res esteve sob vigilância de ‘segurança’, que percebeu a ação do suspeito, e a qualquer tempo poderia evitar a prática delituosa, o bem jurídico tutelado não esteve sob risco de expropriação, tratando-se de crime impossível. A presença de funcionários não é a de testemunhar delitos, mas evitá-los. O crime não envolve apenas a realização típica, mas, também, a superação dos meios ofensivos empregados pela vítima, ou que haja relativo sucesso na tentativa de sua consumação” (RT 750/721). Grifo nosso.
É
oportuno afirmar que a ação física no furto importa mudança no
mundo exterior em relação à coisa subtraída e, no caso em
questão, tal conduta não se consolidou no mundo da realidade
fenomênica, visto que o delito em questão requer clandestinidade e
agir sub-reptício, para que sejam configurados os dois momentos de
seu percurso típico: a fase da “apprehensio”
e a da “ablatio”.
Destarte,
conforme repetidas vezes dito, tal alteração nunca poderia ocorrer,
em virtude da cogitada vigilância ostensiva da vítima, que tornou
impossível o delito, em todo o seu itinerário.
A
Defesa pede permissão para trazer à apreciação de Vossa
Excelência, ainda, o fato de que a conduta delitiva narrada na peça
delatória é atípica, levando em conta do Princípio da
Insignificância ou da Bagatela.
Conforme
se infere nos autos, os objetos furtados (duas barras de chocolate,
uma lâmpada e um sabonete líquido) possuem um valor desprezível ou
inexpressível.
Pelo
referido Princípio, que é causa supralegal de exclusão da
tipicidade, lesões insignificantes ao bem jurídico protegido não
devem ser perseguidas pelo Direito Penal, que só deve se preocupar
com as condutas típicas que atinjam de forma relevante os bens
jurídicos protegidos.
O
Princípio da Insignificância fundamenta-se nos princípios da
intervenção mínima do Direito Penal e da Proporcionalidade da Pena
em relação à gravidade do crime e é amplamente alicerçado pela
doutrina e jurisprudência pátrias, senão vejamos:
Celso
Delmanto e outros renomados Juristas in Código Penal Comentado, pg.
20, 6ª ed., assim leciona:
Princípio da Insignificância: É um instrumento de interpretação restritiva, por intermédio do qual se alcança “a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal” (Carlos Vico Mañas, O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal, Saraiva, 1994, p. 58; nesse sentido, Eugenio Raúl Zaffaroni, Manual de Derecho Penal – Parte General, Buenos Aires, Ediar, 1977, p. 405). [...]
Damásio
de Jesus in Direito Penal, 1º volume – Parte geral, Saraiva, p.
10, 25ª ed., ensina:
h) Princípio da Insignificância:Ligado aos chamados “crimes de bagatela (ou “delitos de lesão mínima”) recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc.
A
jurisprudência, conforme já dito, é uníssona:
Caracterizada a pequenez do valor do furto, há a exclusão da tipicidade, concedendo-se Habeas Corpus de ofício (STJ, RT 721/537);Não é furto a subtração de bagatela sem a menor repercussão no patrimônio (TACrSP, Julgados 75/229);Se o valor é juridicamente irrelevante, absolve-se pelo Princípio da Insignificância, que elimina a antijuridicidade (TARS, RT 582/386).
No
Brasil, a decisão que se tornou um marco na defesa do Princípio da
Insignificância foi a proferida no HC 84412, que teve como Relator o
Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, que a Defesa faz
questão de transcrever parte do voto:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. I – No caso de furto, para efeito de aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). II – A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo do injusto. (...) desproporcional uma penal de 08 meses de reclusão quando se verifica que o bem objeto de subtração possui o valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) e foi recuperado, ausente, assim, qualquer prejuízo para a vítima [...]
Assim,
no caso em tela, qualquer pena aplicada seria desproporcional se
comparada com a pequenez da ofensa ao bem jurídico, tanto é que,
conforme foi demonstrado, a doutrina e a jurisprudência caminham
juntas no sentido de considerar atípica uma conduta como a narrada
na denúncia.
Caso,
porém, Vossa Excelência entenda não tratar-se de crime de
bagatela, indubitavelmente deverá considerar o disposto no § 2.º
do art. 155 do Código Penal, que versa sobre a hipótese de furto
privilegiado, tendo em vista o pequeno valor da coisa furtada e a
primariedade do acusado.
O
réu, conforme se infere da análise das Certidões de Antecedentes
Criminais que dormitam às fls., é primário, tendo em vista que, a
despeito de possuir outros processos criminais, não possui qualquer
condenação criminal com trânsito em julgado. Dessa forma, à luz
da jurisprudência e doutrina pátrias, forte no princípio da
presunção de inocência, o acusado é tecnicamente primário.
Conforme
já exposto, são de pequeno valor os objetos que o réu tentou
furtar (duas barras de chocolate, uma lâmpada e um sabonete
líquido), conclui-se que o acusado preenche todos os requisitos
legais insculpidos no parágrafo 2º do art. 155 do Código Penal
Brasileiro para que o delito seja considerado privilegiado, senão
vejamos:
Art. 155[...]§ 2.° Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o Juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Celso
Delmanto e outros, em seu festejado Código Penal Comentado, Editora
renovar, 6ª edição, Fls. 341, assim se posicionam sobre o tema:
[...] Embora a lei empregue o verbo poder, a substituição, redução ou alternatividade da punição, prevista neste § 2°, não fica ao arbítrio do Juiz. Se este não reconhece a primariedade ou pequeno valor, negará o privilégio. Entretanto, se considera comprovados os dois requisitos, não pode o Magistrado deixar de concedê-lo, pois, preenchidas as condições que o § 2° prevê, este constitui direito público subjetivo do agente.
A
jurisprudência sobre o tema é pacífica:
Estando presentes os requisitos que a lei pede, a aplicação do § 2.° do art. 155 é direito subjetivo do réu. (TACrSP, RT 722/478)
Considerando
as argumentações acima expostas, o patrono do acusado vem
pugnar, perante Vossa Excelência, pela ABSOLVIÇÃO do réu, por não
constituir o fato infração penal, na forma do art. 386, III do
Código de Processo Penal, seja por considerar que o crime é
impossível, seja pela aplicação do Princípio da Insignificância.
Entretanto, caso Vossa Excelência não reconheça as teses
defensórias acima requeridas, que aplique, ao caso em tela, a causa
de diminuição de pena positivada no §2º do art. 155 do CPB (furto
privilegiado), tudo
de acordo com os fatos apurados, tendo como esteio a melhor doutrina
e jurisprudência vigentes.
Nestes
termos,
Pede
deferimento.
Data.
Advogado
OAB
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Ferreira, Davi Maia Castelo Branco. Memoriais:
Ação Comportamental tipificada nas tenazes do art. 155 do CPB. Praxis Jurídica, Ano III, N.º 01,
09.02.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/02/memoriais-acao-comportamental.html>. Acesso em: .
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