terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Elementos do Direito Natural em Spinoza

Jacques Louis David: Les Sabines, 1799. Fonte: Internet.

Marcio Alexandre Pinheiro Cavalcante


  1. Objetivo

Ao estudo dos sistemas, que permeiam e viabilizam todo o processo de aplicação do conceito Direito Natural, se procura encontrar acosto acadêmico para justificar e possibilitar o entendimento spinoziana na espécie.
Por fim, a título de objetivo específico, se faz inevitável um estudo pontual de situações e caracterizações de elementos, que se possa aplicar na situação e sua problemática.


  1. Metodologia

Na presente pesquisa utiliza-se de método qualitativo com abordagem descritiva, interpretativa, analítica e ordena-se dado por técnicas específicas de consulta da literatura e de leitura analítica.
Preliminarmente efetua-se o levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto em livros, revistas, monografias, dissertações e teses que possibilite o contato direto com todo material já escrito sobre o assunto.


  1. Justificativa

A mediação da faculdade de compreensão sobre a temática direito natural, sociedade civil e os fundamentos do estado difere em Spinoza fundamentalmente do entendimento de até então, embora esse se deixe fortemente influenciar pelo inglês Hobbes [GOMES, 2010, p. 1].
Inicialmente, uma percepção do que a tradição filosofia nos refere em relação ao direito natural, à lição de DELEUZE [2009, p. 86-88] (apud SILVA, 2011, p. 99]:
A teoria do direito natural foi a compilação da maior parte das tradições da antiguidade e o ponto de confrontação do cristianismo com as tradições da antiguidade. Para esta concepção clássica do direito natural, há dois nomes importantes; por um lado, Cícero que compila na antiguidade todas as tradições, platônica, aristotélica e estóica sobre o assunto. Ele faz uma espécie de apresentação do direito natural na antiguidade que vai ter uma extrema importância. É em Cícero que os filósofos e os juristas cristãos buscam, ou farão esta espécie de adaptação ao cristianismo do direito natural, notadamente em São Tomás. Então, teremos uma espécie de linha histórica que eu vou chamar, por comodidade, a linha do direito natural clássico, antiguidade-cristianismo. Ora, o que é que eles chamam de direito natural? Grosso modo eu diria: em toda essa concepção, o que constitui o direito natural, é o que está conforme à essência. Há como que várias proposições nesta teoria clássica do direito natural.
Continuando com DELEUZE [Ibd.] encontramos a diferenciação da matéria por via axiomática, que nos traz uma visão metafísica do Direito Natural:
Eu gostaria que vocês retivessem estas quatro proposições básicas que serão a base do direito natural clássico. Primeira proposição: uma coisa se define por sua essência. O direito natural é então o que está conforme a essência de alguma coisa. A essência do homem é animal racional; isto define o seu direito natural. Bem mais, ser racional é a lei da sua natureza. A lei da natureza intervém aqui. Então, referência às essências. Segunda proposição: a partir de então, o direito natural não pode enviar – e é muito surpreende então nte que para a maioria dos autores da antiguidade, o direito natural não envia –, a um estado que seria suposto preceder à sociedade. O estado de natureza é o estado conforme a essência em uma boa sociedade. Chamamos uma boa sociedade a uma sociedade na qual o homem pode realizar sua essência. Então, o estado de natureza não é anterior ao estado social; o estado de possível; isto é, a mais apta a realizar a essência. Eis a segunda proposição do direito natural clássico. Terceira proposição: o que é primeiro é o dever. Temos os direitos somente enquanto temos os deveres. É muito prático politicamente. Com efeito, o que é o dever? Aqui, há um conceito de Cícero que é próprio aos latinos, que indica esta idéia de dever funcional, os “deveres de função”, é o termo “officium”. E um dos livros mais importantes de Cícero concernente ao direito natural, é um livro intitulado “De officiis”, sobre os deveres funcionais. E por que é primeiro o dever na existência? Porque o dever é precisamente a condição sob as quais eu posso melhor realizar a essência; isto é, ter uma vida conforme a essência, na melhor sociedade possível. Quarta proposição: resulta em uma regra prática que terá uma grande importância política. Poderíamos resumi-la sob o título: a competência do sábio. O que é o sábio? É alguém que é singularmente competente nas buscas que concernem à essência, e tudo o que disto decorre. O sábio é aquele que sabe o que é a essência. Então há um princípio de competência do sábio porque é o sábio que nos diz qual é a nossa essência, qual é a melhor sociedade, isto é, a sociedade mais apta a realizar a essência; e quais são nossos deveres funcionais, nossos “officia”, isto é, sob quais condições nós podemos realizar a essência. Tudo isto é da competência do sábio. E a questão: o que pretende o sábio clássico? É necessário responder que o sábio clássico pretende determinar qual é a essência; e a partir de então, derivar daí todo tipo de tarefas práticas. Daí a pretensão política do sábio. Então, se resume esta concepção clássica do direito natural, de pronto vocês compreendem porque o cristianismo estará muito interessado por esta concepção antiga do direito natural.
Fonte: Internet.
Mas, em Spinoza, o conceito de direito natural se vincula à existência de Deus, enquanto uma potência eterna e infinita, qual seja a substância absolutamente infinita que a tudo determina. Daí, se reflete uma concepção de direito natural na qualidade jus sive potentia, como bem explica RIBEIRO [2010, p. 52]:
Poder-se-ia dizer que a concepção spinozana do direito natural se resume na expressão jus sive potentia, uma vez que é direito natural de qualquer um – ou mesmo de qualquer coisa, uma vez que a argumentação spinozana é aplicável a qualquer modo, não apenas ao homem – fazer tudo aquilo que efetivamente faz.
Ainda se toma de Spinoza a assertiva de que “por direito e instituição natural entendo unicamente as regras da natureza de cada indivíduo, regras segundo as quais concebemos qualquer ser como naturalmente determinado a existir e a agir de uma certa maneira” [ESPINOSA, 2003, p. 234]
Nessa configuração, Spinoza expressa uma coincidência nos conceitos de direito, poder e potência, contrapondo-se à visão contratualista de Hobbes e de Rousseau, expressando a Supremacia do direito natural em fase a ordem moral–jurídica.
Interessante ressaltar, a partir de RIBEIRO [2010, p. 70], que em Spinoza a democracia não seria obrigatoriamente o melhor regime, pelo contrário, se apresenta como um contrassenso, ligando a singularidade dos povos à singularidade dos homens.
Em última análise, se são boas as instituições, não é sobre o medo infundido, por exemplo, pela coerção que repousa a obediência às leis do Estado ou sobre o fato de que o governo não causa indignação. Esse mecanismo é apenas subsidiário. É principalmente da participação da multitude no exercício do poder e da utilidade das leis da cidade que acaba por derivar a obediência.
[...]
Numa construção única na história da filosofia, a democracia spinozana emerge assim simultaneamente como a forma de organização espontânea da sociedade, por um processo puramente afetivo, como o regime inteiramente absoluto e como o critério ou parâmetro de perfeição dos demais regimes.
Dessa formação espontânea, pode surgir a falsa impressão de que o caos possa se instalar no Estado civil. Mas, isso não ocorre, como ROCHA [2011, p 91-92] assim conclui:
De acordo com nossa pesquisa, afirmamos com Spinoza que cada um existe em virtude do direito supremo da natureza e, conseqüentemente, é em virtude deste, que cada um faz o que segue a necessidade de sua natureza. Quando qualquer um julga o que lhe é bom ou mau, atendendo a utilidade que melhor lhe convém, quando este se vinga ou se esforça para conservar o que ama e destruir aquilo que tem ódio, faz em virtude do supremo direito da natureza. Contudo, os homens não vivem só sob a direção da razão, mas estão naturalmente sujeitos às paixões e, por isso são inconstantes, mutáveis e muitas vezes arrastados em sentido contrário.
O homem, segundo Spinoza, é dotado de direito quanto de poder sobre a natureza, quem podem sofrer multiplicação se “duas pessoas concordam entre si e unem as suas forças, terão mais poder conjuntamente e, consequentemente, um direito superior sobre a Natureza que cada uma delas não possui sozinha e, quanto mais numerosos forem os homens que tenham posto suas forças em comum, mais direito terão eles todos” [ESPINOSA, 1983, p. 310].
Essa extensão de direito e de poder, se justifica pelo fato de que “todos os homens temem a solidão, porque nenhum deles na solidão tem força para se defender e obter as coisas necessárias à vida, daí resulta que os homens têm, do estado civil, um desejo natural e que não pode dar-se que tal estado seja nunca inteiramente dissolvido” [ESPINOSA, 1983, p. 321].

Spinoza. Fonte: Internet.
A despeito de tudo o que já se tinha pensado antes (Hobbes) ou após (Kant) Spinoza, que funda a organização do Estado e da sociedade civil a partir da razão e do contrato social, a filosofia spinosiana se fundamenta no conatus, na prevalência do direito natural, no princípio da causalidade eficiente e imanente, no princípio da imitação dos afetos. Nisso ele insere o postulado ontológico da sociedade civil, segundo o qual o “surgimento da sociedade civil não se dá sob a ação de causas finais” [RIBEIRO, 2010, p. 70].
Da lavra do próprio Spinoza, no bojo de carta escrita a Jarig Jelles, datada em 2 de junho de 1674, se toma a expressão de sua diferenciação:
Tu me perguntas qual é a diferença entre a concepção política de Hobbes e a minha. Respondo-te: a diferença consiste em que mantenho sempre o direito natural e que considero que o magistrado supremo, em qualquer cidade, só tem direitos sobre os súditos na medida em que seu poder seja superior ao deles; coisa que sempre ocorre no estado natural. [ESPINOSA, 1983, p. 390]
Entretanto, não se pode entender a imposição do direito natural sobre o Estado civil reclamada por Spinoza, se antes não pressentir o conceito espinoziano do homem, segundo o qual as paixões e emoções são elementos próprios da natureza humana aos quais os homens estão submetidos [ESPINOSA, 1983, p. 210-221; 225-272]. Nessa dependência,
cada qual deseja que os outros vivam consoante a sua própria compleição, aprovem o que ele próprio aprova, e rejeitem o que ele próprio rejeita. Donde resulta que, querendo todos ser os primeiros, surjam conflitos entre eles, procurem esmagar-se uns aos outros e que o vencedor se glorifique mais por ter triunfado do seu rival que por haver obtido qualquer vantagem para si mesmo. [ESPINOSA, 1983, p. 306]


  1. Objetivo

Ao estudo dos sistemas, que permeiam e viabilizam todo o processo de aplicação do conceito Direito Natural, se procura encontrar acosto acadêmico para justificar e possibilitar o entendimento spinoziana na espécie.
Por fim, a título de objetivo específico, se faz inevitável um estudo pontual de situações e caracterizações de elementos, que se possa aplicar na situação e sua problemática.

  1. Metodologia

Na presente pesquisa utiliza-se de método qualitativo com abordagem descritiva, interpretativa, analítica e ordena-se dado por técnicas específicas de consulta da literatura e de leitura analítica.
Preliminarmente efetua-se o levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto em livros, revistas, monografias, dissertações e teses que possibilite o contato direto com todo material já escrito sobre o assunto.


Referências Bibliográficas





ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revisada por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti – 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2000.

AQUINO, Jefferson Alves de. Direito e poder em Espinosa - Os fundamentos da
liberdade política. Kalagatos - Revista de Filosofia do Mestrado Acadêmico em
Filosofia da UECE, v.2, n.4, (2005), p. 109-135.

BARNES, J. (org.). Filósofos pré-socráticos. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 367 p.

BOBBIO, N., BOVERO, M. Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

CHAGAS, José Soares das. O ético e o hermenêutico sob o viés imanentista de Spinoza. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Filosofia). Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades Fortaleza, 2011. 155 p.

CHAUÍ, Marilena. A nervura do real: liberdade e imanência em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

_________________. Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

_________________. Espinosa: uma filosofia da liberdade. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2005.

_________________. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

COLERUS. Biografia de Spinoza. Tradução Emanuel Angelo da Rocha Fragoso. Disponível em < http://www.benedictusdespinoza.pro.br/539.html>. Acesso em: 19/10/2012 14:12.

DELEUZE, Gilles. Cursos sobre Spinoza (Vincennes, 1978-1981). Tradução de Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso, Francisca Evilene Barbosa de Castro, Hélio Rebello Cardoso Junior e Jeferson Alves de Aquino. Fortaleza: EdUECE, 2009.

_________________. Espinosa - Filosofia prática. Tradução: Daniel Lins e Fabien
Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002.


ESPINOSA, B. Correspondência. Tradução e notas de Marilena de Souza Chauí. 3d. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

_________________. Ética. Edição bilíngue Latim-Português. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

_________________. Ética, Tratado político e Correspondência. 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

_________________. Pensamentos Metafísicos. 2 ed. Tradução e notas de Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

_________________. Tratado da correção do intelecto. 2 ed. Tradução e notas de Carlos Lopes de Mattos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

_________________. Tratado da reforma do entendimento. Edição bilíngue. Trad. Abílio Queirós. Prefácio e notas de Alexandre Koyré. Lisboa: Edições 70, 1969. (Textos filosóficos).

_________________. Tratado da reforma da inteligência. Tradução e notas de Lívio Teixeira. São Paulo: Cia Editora Nacional.1966. (Biblioteca Universitária).

_________________. Tratado Político. Tradução, introdução e notas de Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

_________________. Tratado Teológico-Político. Tradução Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FRAGOSO, Emanuel Angelo da Rocha. A concepção da natureza humana em Benedictus de Spinoza. in: Cadernos espinosanos, estudos sobre o século XVII. São Paulo, n. XIX, jul-dez. 2009. p. 83-95.

_________________. O conceito de liberdade na Ética de Benedictus de Spinoza. Revista Conatus – Revista de filosofia- v. 1, n.1 (2007) p.27-36

GOMES, Débora. A Noção Hobbesiana de Estado de Natureza e a Teoria Política de Spinoza. Revista do Seminário dos Alunos do PPGLM/UFRJ: n.2, 2011. Disponível em < http://seminarioppglm.files.wordpress.com/2012/03/gomes-d-a-nocao-hobbesiana-de-estado-de-natureza-e-a-teoria-politica-de-spinoza.pdf>. Acesso em: 19/10/2012 13:45

HOBBES, T. Do cidadão. 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998. 400 p.

HOBBES, T. Leviatã. 2ª ed., Lisboa, INCM, 1999. 526 p.

MOREAU, J. Espinosa e o espinosismo. São Paulo: Ed.70, 1982. Col. Biblioteca
básica de filosofia.

OLIVEIRA, Manfredo A. de (Org.): Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. 255 p.

PONTES, Acelino: Filosofia Prática na Alemanha - influências de Hermann Keyserling. Monografia de Graduação em Filosofia (Bacharelado), Centro de Humanidades - Curso de Filosofia. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2011. 106 p.

RIBEIRO, Luís Antônio Cunha. Sociedade, Política e Direito no Pensamento de Spinoza. Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v.3, n.1, p.1-132, abr./set.2010.

ROCHA, Claudio de Souza. Os fundamentos da Democracia em Benedictus de Spinoza. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Filosofia). Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades Fortaleza, 2011.100 p.

SCHMITT, C. O conceito do político. Petrópolis, Vozes, 1992. 151 p.


SILVA, Elainy Costa da. Conatus: Da Essência Humana à Fundamentação do Estado na Ética de Benedictus de Spinoza. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Filosofia). Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades Fortaleza, 2011.130 p.



Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):


Cavalcante, Marcio Alexandre PinheiroElementos do Direito Natural em Spinoza. Praxis Jurídica, Ano III, N.º 01, 09.02.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/02/elementos-do-direito-natural-em-spinoza.html>. Acesso em: .




Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário