terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Reforma e Teima do Ensino

Fonte: Internet.

No Brasil, desde a implantação do Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Plano e Organização de Estudos da Companhia de Jesus) com 467 regras na sua última versão em 1599, também conhecido como Ratio Studiorum, as nossas faculdades teimam insistentemente em ensinar Direito.

O instituto do Ratio Studiorum foi criado em 1584 pelo Padre Claudio Acquaviva d'Aragona, Superior Geral da Ordem dos Jesuítas, visando a uniformização dos colégios e universidades e assim condensado por Toyshima ([s.d.]):

O Plano contido no Ratio inicia-se com as regras do provincial, depois do reitor, do prefeito de estudos, dos professores de um modo geral, de cada matéria de ensino, incluía também, às regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do debel, dos alunos e por fim as regras das diversas academias. Além das regras e das normas, o Ratio Studiorum apresenta os níveis de ensino; Humanidades, denominado de estudos inferiores, cujo currículo abrangia cinco disciplinas, sendo elas, retórica, humanidades, gramática superior, gramática média e gramática inferior. A formação prosseguia com os cursos de Filosofia e Teologia denominados de estudos superiores. (1)

Assombrosamente, essas regras ainda hoje dominam no ambiente do Ensino Básico e no da Formação Superior. Somente algumas poucas esferas da Formação Tecnocientífica e do Ensino Tecnológico restaram ilesos dessas peçonhentas regras. Inicialmente, pensado como Plano de Estudo, “caracteriza-se como um manual prático que preconiza métodos de ensino e orienta o professor na organização de sua aula” (Ibd.). Em todo caso, as regras são igualmente válidas para escolas e para universidades.

Fonte: Internet.
Direito não se ensina, se estuda. Mas no Brasil, tudo é ensino ou educação; até mesmo na pós-graduação. Ora, o termo alemão para ensino e educação é Erziehung, que diz respeito a influência pedagógica no desenvolvimento e comportamento dos adolescentes e tem como conteúdo a ensinança ou a instrução. Já, para a área universitária a língua alemã tomou emprestado da língua latina o termo Studium, que significa algo que determina a realidade, curso universitário, formação universitária ou modo de formar, constituir (algo), qual seja a criação do profissional de nível superior. Assim, em português o termo Formação Universitária é muito mais apropriado, na espécie, do que Educação Superior, com maior propriedade ainda, do que o termo Ensino Superior.

Mas, ninguém se preocupa com essas diferenças, que são fundamentais. E daí construímos anualmente um universo de bacharéis e advogados totalmente inábeis para manejar qualquer área das profissões jurídicas.

Direito não se ensina, se estuda.


Numa recente experiência proferi, em substituição, uma aula de Direito Civil. De início, para avaliar o nível de estudo dos presentes, formulei a pergunta: Alguém pode me dizer o que é Direito Civil? Como não surgiu nenhuma resposta, tentei polemizar com uma outra pergunta: Será o ‘contrário’ do Direito Penal? E a resposta mais próxima de uma postura pensante foi: É o contrário de ‘Direito Militar’.

Desiludido, tentei outra pergunta: de onde surge o ‘Direito Civil’. Esclareci que não indagava sobre qual fora o primeiro Código Civil instituído, mas sobre a sua origem, sua gênese. Silêncio absoluto.
Fonte: Internet.

Naturalmente, que se tem várias possibilidades para encontrar a gênese do Direito Civil, mas para isso, os estudantes teriam que senhorear um mínimo de tirocínio na arte de pensar e do estudo. Engodo total, não eram estudantes, eram alunos. E, como alunos estavam, como dantes nas bancas escolares, somente preocupados em decorar conteúdo: leis, jurisprudência e doutrina. Tudo isso está, até mesmo, na internet para consulta a qualquer tempo; agora, o pensar e o estudo do Direito, só de cátedra.

O Governo Brasileiro martela desde 2004 (Resolução CNE/CES n.º 9, de 29 de setembro de 2004), primeiro na área jurídica, depois na área médica, em transformar o ensino jurídico em Formação Jurídica e o ensino médico, em Formação Médica. Na contramaré, as IES do Brasil inteiro, teimam em manter as regras do Ratio Studiorum em plena robustez. E a ritualística didática em sala de aula não mudou desde 1584: chamada, escrever conteúdo na lousa, aluno copia conteúdo e decora, prova escrita  bimensal sobre conteúdo decorado e prova escrita final. O professor sempre 'dono' do conhecimento; o aluno disciplinado, obediente e absolutamente passivo.

Até quando a sociedade brasileira pagará por essa insânia?


Acelino Pontes
Editor

_________________
  1. Toyshima, Ana Maria da Silva; Alves Montagnoli, Gilmar; Costa, Célio Juvenal: Algumas Considerações sobre o Ratio Studiorum e a Organização da Educação nos Colégios Jesuíticos. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais14/arquivos/textos/Comunicacao_Oral/Trabalhos_Completos/Ana_Toyshima_e_Gilmar_Montagnoli_e_Celio_Costa.pdf>. Acesso em: 18.12.2018 10:50h



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