domingo, 18 de junho de 2017

A Responsabilidade Civil Ambiental do Estado por Omissão e suas Singularidades

Balsa da Medusa entre 1818 e 1819, do francês Théodore Géricault 1791-1824.

Nathan Matias Lopes Soares

(Graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado lato sensu em Direito Público pela Faculdade Damásio.)

RESUMO
O presente trabalho tem como escopo tratar sobre o tema da responsabilidade civil ambiental por omissão do Estado no âmbito do Direito Administrativo. Nesse contexto, de modo preliminar, expõe as espécies de responsabilidade civil do Estado que são adotadas pela doutrina e pela jurisprudência. Posteriormente, enfrenta a temática da responsabilidade civil estatal por omissão, dando ênfase à questão da responsabilidade civil ambiental por omissão do Poder Público, para demonstrar sua condição de exceção frente ao assunto abordado.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. Responsabilidade Objetiva. Responsabilidade Subjetiva. Responsabilidade Solidária. Execução Subsidiária.

ABSTRACT  
The present work has as scope to deal with the subject of environmental civil liability for omission of the State in the scope of Administrative Law. In this context, in a preliminary way, it exposes the species of civil responsibility of the State that are adopted by the doctrine and the jurisprudence. Subsequently, it faces the issue of state civil liability for omission, emphasizing the issue of environmental civil liability for omission of the Public Power, to demonstrate its condition of exception in the matter addressed.

KEY WORDS: Administrative Law. Extracontractual Civil Liability of the State. Objective Responsibility. Subjective Responsibility. Solidarity Responsibility. Subsidiary execution.


INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico contemplou um instituto que se volta à reparação de danos causados por condutas ilícitas, bem como por condutas lícitas, mas que geraram um dano desproporcional a alguém. Tal instituto é a responsabilidade civil.
Nesse contexto, não só os particulares são destinatários do instituto jurídico. A responsabilidade civil se dirige também aos entes políticos que integram a federação brasileira.
A responsabilidade civil do Estado consiste na obrigação ordenada aos entes federativos de recompor eventuais prejuízos provocados a terceiros por força da atuação dos agentes públicos, no exercício das atividades administrativas e demais funções públicas.
É imperioso ressaltar que a responsabilidade civil do Estado compreende não apenas a atuação da atividade administrativa do Poder Executivo. Ela abrange também eventualmente os danos decorrentes do desempenho das competências inerentes ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Isso acontece em virtude de que todos os poderes se incluem no âmbito das pessoas jurídicas de direito público, às quais a ordem jurídica outorga direitos e obrigações.
Vale pontuar que a responsabilidade civil também foi abordada pelo Código Civil, com foco para as pessoas jurídicas de direito privado e pessoas naturais. O diploma civil assevera que nascerá a obrigação de indenizar para aquele que violar direito e acarretar lesão a alguém, ocasionada por ação ou omissão voluntária, por negligência ou por imprudência. Acrescente-se que o dano indenizável tanto é o patrimonial, aquele que pode ser mensurado pecuniariamente, bem como o moral, o qual se afigura como uma lesão a direitos da personalidade.
Desse cenário, infere-se que, na dimensão do direito privado, adota-se a tese da responsabilidade civil subjetiva, pois o dever de indenizar se origina do desenvolvimento doloso ou culposo de uma conduta ilícita.
Voltando para linha de raciocínio com o enfoque no Poder Público, a responsabilidade civil estatal é abrangente, comportando a responsabilidade contratual e a responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade contratual é oriunda de prévia celebração de contrato na órbita administrativa. Em tal espécie, existe anterior e específica cláusula contratual que define as condutas proibidas pelas partes e as correspondentes punições.
Por seu turno, a responsabilidade extracontratual revela-se aquela proveniente das atividades administrativas estatais, sem, contudo, ser contemplada em qualquer tipo de instrumento contratual.
Nesse diapasão, será abordado no presente trabalho as modalidades de responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado, assim como as particularidades e especificidades que cercam cada uma dessas espécies da responsabilidade estatal.

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO: REGRA GERAL

A Constituição da República assevera, em seu artigo. 37, §6º, que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos serão responsabilizadas pelos danos que seus agentes, no exercício de suas funções, acarretarem a terceiros, sendo possível ação de regresso contra o servidor responsável pela lesão, nas hipóteses de dolo ou de culpa.
Nesse passo, impende reconhecer que foi adotada, no ordenamento jurídico brasileiro, a modalidade de responsabilidade civil objetiva para atuações comissivas do Estado.
A responsabilidade civil objetiva preconiza que o dever de indenizar decorre do fato que determinada conduta administrativa, realizada por seus agentes no exercício de suas atribuições, implique prejuízos para terceiros. Aqui, diferentemente do que ocorre no âmbito civil, não é necessária a perquirição do elemento subjetivo, dolo ou culpa, basta a comprovação da ação administrativa, do dano e do nexo de causalidade.
Com efeito, no que tange as condutas comissivas estatais, a responsabilidade civil objetiva permite que, para haver o encargo de reparar o dano causado, é suficiente a evidenciação do dano proveniente das funções dos entes políticos, sem que tenha havido concorrência do terceiro prejudicado.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello acolhe o mesmo posicionamento, a saber:

Saber-se, pois, se o Estado agiu ou não culposamente (ou dolosamente) é questão irrelevante. Relevante é a perda da situação juridicamente protegida. Este só fato já é bastante para postular a reparação patrimonial.

No mesmo compasso, José dos Santos Carvalho Filho aduz nas seguintes palavras:

A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.

Assim, no ordenamento jurídico pátrio, contemplou-se que, mesmo que os entes federativos ou as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos não apresentem a vontade deliberada de gerar o prejuízo, assim como não tenham atuado com negligência, imprudência ou imperícia, se suas ações vierem a gerar danos a terceiros, a indenização decorrente deve ser por eles assumida. Isso porque o sistema jurídico impôs que o Estado absorvesse os riscos inerentes às atividades públicas estatais.
Vale alertar que tal responsabilidade pode se originar inclusive de atos lícitos dos entes estatais. Dessa forma, mesmo que o Estado execute, por exemplo, obras necessárias à consecução de políticas públicas, caso elas gerem danos específicos e desproporcionais a particulares, estes devem receber a compensação financeira a título de indenização. Em consonância com tal afirmação, encontram-se os ensinamentos bastante elucidativos de Celso Antônio Bandeira de Mello, a saber:

Por certo, o administrado estaria – ante atos estatais ilegítimos produtores de dano – em condições de reclamar em seu favor o princípio da legalidade, mas é despiciendo discutir legalidade se tanto o legítimo como o ilegítimo impõem reparação quando é atuação do próprio Estado que lesa esfera juridicamente protegida de outrem.

Insta salientar que, regra geral, a responsabilidade civil objetiva do Estado é informada pela teoria do risco administrativo. Tal teoria, além do já explanado acima, admite que causa excludente de responsabilidade possam ser invocadas pelo Estado no intuito de excluir o seu dever de indenizar. Tais excludentes são o caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato exclusivo de terceiro.
Desse modo, embora haja um dano oriundo de uma atuação estatal, caso seja constatada alguma das causas excludentes aludidas no parágrafo anterior, o nexo de causalidade será rompido e a responsabilidade estatal será afastada. Outrossim, se houver contribuição do lesado para a ocorrência do dano também ira implicar a redução do valor indenizatório devido.
Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil do Estado por atos comissivos é da modalidade objetiva regida pela teoria do risco administrativo. Entretanto, há casos que tal responsabilidade será fundada na teoria do risco integral, que será comentada em linhas posteriores.
Prosseguindo no raciocínio, passaremos a analisar a responsabilidade civil estatal por omissão, para posteriormente chegarmos à responsabilidade civil ambiental administrativa, tema central do presente trabalho.


Fonte: Internet.


  1. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO

Embora a Carta Magna tenha definido a responsabilidade civil objetiva do estado, sua abrangência alcança apenas os danos desencadeados por seus servidores no desempenho de suas atividades estatais ou em razão de exercê-las. Percebe-se assim que a responsabilidade civil objetiva se volta apenas aos atos comissivos dos entes administrativos.
No tocante à responsabilidade estatal por força de danos provenientes de condutas omissivas, predomina, tanto no âmbito doutrinário como jurisprudencial, o entendimento de que tal responsabilidade é norteada pela teoria da culpa administrativa. Tal postulado preconiza que as entidades políticas devem assumir a obrigação de reparar eventuais danos causados por sua omissão no caso de descumprimento do seu dever legal de prestar serviço público, perpetrado com negligência, imprudência e imperícia.
Assim, para surgir o dever de indenizar, o terceiro prejudicado deve comprovar a omissão administrativa (a falta do serviço, mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço), o dolo ou culpa administrativa, o dano decorrente e o nexo de causalidade entre a omissão e o prejuízo.
No magistério de Fernando Ferreira Baltar Neto e Ronny Charles Lopes de Torres, a culpa administrativa já estaria presumida pela prestação insatisfatória do serviço público. Tal posição se encontra nas seguintes palavras:

A prova da falta do serviço exige a demonstração de que o Estado tinha o dever legal de agir e falhou por: a) não prestar o serviço; b) por prestar o serviço de forma insuficiente; c) por prestar o serviço com atraso. Ocorrendo qualquer destas hipóteses, presume-se a culpa administrativa e surge obrigação de indenizar.

Portanto, em face do exposto, a responsabilidade civil do Estado por omissão rege-se pela teoria da culpa administrativa. Cumpre mencionar que, nesta ocasião, também é permitida a utilização das causas excludentes de responsabilidade explicitadas anteriormente.
Por fim, por oportuno, vale registrar que existem situações em que a responsabilidade civil do Estado por omissão será embasada na teoria do risco integral. Ou seja, em consonância com esse postulado, mesmo que seja por omissão, a responsabilidade do Estado será objetiva, assim como não se acolherá qualquer invocação à causas de rompimento do nexo de causalidade.
Nesse contexto, enquadram-se em tais exceções os danos decorrentes de atividades nucleares, de atos terroristas, bem como a responsabilidade civil ambiental por omissão, a qual constitui o ponto central do presente trabalho, sendo abordada a seguir.

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO ESTADO POR OMISSÃO

Como dito no tópico anterior, a responsabilidade civil ambiental do Estado por omissão consubstancia exceção à regra geral da responsabilização da omissão estatal, a qual se fundamenta na teoria da culpa administrativa.
Segundo o artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81, a responsabilidade por dano ambiental apresenta-se na modalidade objetiva, ou seja, independe de comprovação de dolo ou culpa. Doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de que a responsabilidade ambiental por atos comissivos se baseia pela teoria do risco integral, a qual, como dito alhures, não admite a adoção de causas excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar o dano. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que aduz nos seguintes termos:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.
1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.
2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014)(grifo meu)

Todavia, havia controvérsias quanto à possibilidade de se responsabilizar o Estado por omissão no seu dever de fiscalizar o meio ambiente.
A primeira corrente asseverava que a responsabilidade civil estatal por omissão era de caráter subjetivo, porquanto era condicionada a demonstração de culpa. Buscava-se evitar que a responsabilidade de qualquer evento danoso ao meio ambiente pudesse recair sobre o ente federativo, atingindo indiretamente toda a coletividade.
Por sua vez, a segunda corrente posicionava-se no sentido de que a responsabilidade civil ambiental por omissão do Poder Público seria objetiva, regida pela teoria do risco integral.
Prevaleceu, na seara jurisprudencial, a segunda corrente. Com efeito, quando o dano ambiental for atribuído a uma conduta omissiva do ente administrativo responsável pela fiscalização ambiental, ensejará responsabilidade civil estatal, sendo aferida com esteio na responsabilidade objetiva.
Acrescente-se, por bastante oportuno, que a responsabilidade civil ambiental por omissão é solidária. Devem ser penalizados todos os autores diretos e indiretos que propiciaram a ocorrência do dano ambiental.
Ademais, ressalte-se que a jurisprudência sedimentou o entendimento de que, não obstante se enquadrar na modalidade objetiva e se revelar solidária, a responsabilidade civil ambiental do Estado por omissão no seu dever de fiscalizar é de execução subsidiária.
Nesse turno, a Fazenda Pública somente pode ser convocada a reparar ou mesmo a indenizar o dano ambiental decorrente de comportamento ilícito caso o autor direto não puder realizar tal recomposição ou seu patrimônio se mostrar insuficiente. Impera alertar que, mesmo sendo chamado a sanar a degradação perpetrada, os entes federados possuirão direito de regresso em desfavor do infrator direto, podendo, assim, ser proposta ação regressiva com o escopo de ressarcir o erário dos recursos despendidos.
Em compasso com tal orientação, está consignada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se constitui nos seguintes bastante elucidativos:

AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO.
DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO.ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros.
2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado ?definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção? (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III).
3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada? existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art.3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente).
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização?, além de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem ? e no caso do Estado, devem ? ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental(art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981.
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.
18. Recurso Especial provido. (REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010)(grifo meu).

Em face do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil ambiental do Estado por omissão representa uma relevante exceção da regra geral da responsabilidade subjetiva do Poder Público por condutas omissivas.
Na seara ambiental, privilegia-se a tutela do meio ambiente, que consiste em bem jurídico ao qual foi destinado um forte aparato protetor pela Constituição Federal de 1988. Dessa forma, estabelece-se a responsabilidade civil ambiental por omissão estatal sob a regência da responsabilidade objetiva e solidária, mas de execução subsidiária, esta como forma de proteger minimamente o erário público.

CONCLUSÃO

O presente trabalhou abordou um tema que apresenta grande repercussão em sede judicial, a responsabilidade civil ambiental.
Como visto, a responsabilidade civil ambiental do Estado por omissão não segue a sistemática geral, sedimentada na doutrina e na jurisprudência, para a responsabilidade por omissão administrativa. Esta se baseia na culpa administrativa, que exige a demonstração de culpa do ente político para que surja a obrigação de reparar, aceitando inclusive a invocação de causas excludentes de responsabilidade com o intuito de afastar o nexo causal entre a conduta estatal e o dano correspondente.
Entretanto, prevalece, atualmente, inclusive na dimensão dos Tribunais Superiores, que a responsabilidade civil ambiental por omissão do Poder Público é enquadrada na modalidade objetiva, ou seja, aquela que não carece de evidências relativas ao dolo ou culpa do Estado, assim como se revela solidária, mas de execução subsidiária. Logo, a Fazenda Pública é responsável por seu insatisfatório atendimento ao dever legal de fiscalização ambiental, porém será chamada a reparar a degradação ambiental apenas no caso de o autor imediato não o fizer, possuindo direito de regresso contra o verdadeiro responsável.

REFERÊNCIAS
BALTAR NETO, Fernando Ferreira e Torres, Ronny Charles Lopes. Direito Administrativo. 6ª edição, Salvador: Juspodium, 2016.

CARVALHO FILHO, José do Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição, São Paulo: Malheiros, 2005.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº1374284 – MG. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=ACOR&livre=@docn=%27000528457%27>. Acesso em 24 Mai. 2017.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº1071741 – SP. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=ACOR&livre=@docn=%27000403840%27> Acesso em 24 Mai. 2017.




Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

Lopes Soares, Nathan Matias: A Responsabilidade Civil Ambiental do Estado por Omissão e suas Singularidades. Práxis Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/06/a-responsabilidade-civil-ambiental-do.html>. Acesso em:

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